quinta-feira, 23 de junho de 2022

Merval Pereira: Todo chamuscado

O Globo

A falação sem controle do presidente Bolsonaro sobre qualquer assunto acaba levando-o a situações delicadas como esta, envolvendo a prisão do ex-ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro, e de vários pastores acusados de golpes no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ao ser denunciado o escândalo de distribuição de verbas a prefeituras por meio do tráfico de influência dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, acusados de cobrar propinas para liberação de verbas no MEC, Bolsonaro reagiu com indignação, chegando a afirmar:

—Coloco minha cara no fogo pelo Milton.

Ontem, a internet estava cheia de memes do presidente todo chamuscado pelo escândalo, o que é péssima notícia para Bolsonaro neste início de campanha eleitoral — ele que empenhou a força de seu governo no Congresso para impedir a realização de uma CPI para investigação do Ministério da Educação.

No dia 18 de março deste ano, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, da Assembleia de Deus Ministério Cristo para Todos, tinham influência direta sobre as verbas do MEC, que tem um orçamento de R$ 159 bilhões, um dos maiores da Esplanada dos Ministérios. Com o desenrolar das investigações pela imprensa, ficou demonstrado que os dois pastores atuavam havia dois anos como intermediários de prefeitos que queriam liberar verbas do FNDE.

Os pastores tinham acesso livre ao próprio presidente Bolsonaro, e um áudio vazado na ocasião mostra o ministro Milton Ribeiro dizendo que os prefeitos acompanhados pelos pastores teriam a prioridade na liberação de verbas:

— Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim.

Os dois pastores participaram de 22 agendas na pasta, geralmente acompanhados de dezenas de prefeitos. Muitos municípios cujos representantes participavam das reuniões conseguiram liberação de verbas semanas depois.

Bolsonaro vive dizendo que em seu governo não há corrupção, mas ele não tomou qualquer providência desde o momento em que surgiram as denúncias e só aceitou a saída do ministro depois de muita repercussão na opinião pública. A relação de Bolsonaro com os evangélicos é muito direta — ele agora disputa com Lula a primazia do apoio do grupo religioso —e pode ficar prejudicada com o envolvimento de pastores na denúncia de corrupção no Ministério da Educação.

Bolsonaro, desde que a notícia da prisão do ex-ministro explodiu na imprensa, já não coloca sua cara no fogo. Ao contrário, já disse que Milton Ribeiro tem de responder por seus atos, mas são atos que repercutem diretamente no governo Bolsonaro, e ele nunca mandou apurar nada, nem tomou qualquer atitude contrária ao seu ex-ministro.

A prisão dos acusados de corrupção pela Polícia Federal agrega mais problemas a uma campanha que está marcada pela disputa interna de poder entre os políticos do Centrão e a família de Bolsonaro. A situação econômica do país não leva a uma expectativa positiva, daí as atitudes extremas do governo no trato da Petrobras. Embora, nesse caso, a oposição ao governo tenha a mesma posição, que é tentar controlar os preços da Petrobras, não adianta nada a Bolsonaro alegar que o ex-presidente Lula tem a mesma receita que ele: acabar “com uma canetada” com a política da estatal de equiparação do preço dos combustíveis ao praticado em níveis internacionais, com base no comércio do petróleo.

A mudança da Lei das Estatais para permitir uma interferência maior do acionista majoritário, no caso o governo brasileiro, na gestão da Petrobras tem um efeito colateral que já causou muitos estragos na economia do país: permitir que políticos possam voltar a ter influência na escolha de dirigentes da estatal, o que ocasionou, no governo Lula, o escândalo do petrolão.

Não é por acaso que também nessa questão os líderes das pesquisas eleitorais, Lula e Bolsonaro, pensem da mesma maneira. A utilização política de nossa maior empresa estatal é um pensamento comum aos dois, assim como acabar com o teto de gastos e outros empecilhos legais que impedem um desequilíbrio fiscal mais acentuado. O escândalo atual do MEC, que era controlado por um grupo evangélico, entra na conta de Bolsonaro sem que ele possa reclamar.

Outro dia, queixou-se de estar apanhando “dia sim, outro também” e declarou-se estressado com a situação. Desta vez, embora tenha querido tirar o corpo fora do caso do pastor Milton Ribeiro, o presidente Bolsonaro não tem como desvencilhar-se da crise política que terá de enfrentar dentro da campanha pela reeleição.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O pior é que quem é bolsonarista não importa com nada,prafraseando o hino do flamengo,uma vez bolsonarista,bolsonarista até morrer.