quinta-feira, 23 de junho de 2022

Conrado Hübner Mendes*: Corrupção bolsonarista, capítulo 3

Folha de S. Paulo

O sigilo, a desinformação e o apagão de dados neutralizam controle e facilitam crime

Todo governo corrupto pede ignorância, produz ignorância e depende da ignorância. Não há maior aliado da corrupção do que a ignorância. Não só a cultural e voluntária, efeito de falta de oportunidade educacional e do desinteresse pelo mundo e pelo outro. Mas também da institucionalmente forjada.

A produção institucional da ignorância é política "pública" no governo Bolsonaro. Não é qualquer desvio localizado num ou noutro ministério, de um ou outro agente. Ela se fez o mais transversal programa de governo em vigor. Bolsonaro precisa que desconheçamos o país tanto quanto possível para que a corrupção seja insondável e infalível.

A prática oficiosa combina três ações: fechar informação por meio de sigilo —o estado de sigilo; destruir ou deixar de construir informação— o apagão de dados; fabricar desinformação e catapultá-la por canais fora do escrutínio público para perturbar o juízo e os afetos. Três formas de supressão da esfera pública e manutenção da ignorância. Essa vasta "arcana imperii" bolsonarista pavimenta a corrupção.

O tripé tornou-se abissal no governo Bolsonaro. Aqui um resumo.

Razões jurídicas para o sigilo são razões extraordinárias e sujeitas a controle. Devem ser imprescindíveis à "segurança da sociedade e do Estado", segundo a Constituição. Bolsonaro as tornou ordinárias e isentas de fiscalização. Banalizou a exceção aqui também.

Sigilos centenários foram impostos para: acesso ao Palácio do Planalto de filhos do presidente, lobistas de armas e advogado de Bolsonaro; carteira de vacinação do presidente; encontros de Bolsonaro com pastores lobistas do MEC; absolvição de Pazuello. Alegou-se "informação pessoal". "Em cem anos saberá", ironizou Bolsonaro quando perguntado.

O governo também tomou iniciativas para restringir amplitude da Lei de Acesso à Informação e recusou publicidade a documentos sobre compra das vacinas Covaxin e Pfizer; encontro eventual do ex-ministro Sergio Moro com lobistas das armas; estudos sobre cloroquina; estudo da Fiocruz sobre uso de drogas; dados de desemprego; autuações e multas sobre crimes ambientais; documentos sobre as reformas administrativa e da previdência.

Gastos recordes com cartão corporativo presidencial também foram postos em sigilo. Para viagens governamentais, R$ 1 a cada R$ 4 em diárias e passagens ficaram em sigilo. Em 2021, o gasto representou R$ 170 milhões. E até matrícula da filha do presidente em colégio militar, sem ter feito prova de admissão a que todos se submetem, virou sigiloso.

Durante a pandemia, a batalha governamental contra a informação foi constante para dificultar a apuração do número de mortes e omissões da política sanitária. Um consórcio de imprensa foi montado para preencher o apagão governamental deliberado.

Além de bloquear informações essenciais à investigação de corrupção e à avaliação do desempenho governamental, o governo também instiga desconfiança, desfinancia e assedia funcionários de instituições que produzem informação e conhecimento. O adiamento do Censo, pelo IBGE, o ataque aos dados de desmatamento do INPE, as remoções de dados do Censo Escolar e do Enem pelo Inep são outros exemplos manifestos.

Nessa "escuridão estatística", como organizações internacionais que monitoram transparência e corrupção já diagnosticaram sobre o governo Bolsonaro, um governo vai se liberando para a delinquência e vivendo à margem do estado de direito.

Impedir acesso e destruir informações, e desmontar a infraestrutura de produção de dados é o paraíso do governo corrupto. A corrupção na ditadura militar, por exemplo, foi ocultada por estratégias desse tipo.

Um sujeito ignorante é manipulável e menos livre. Um suicida involuntário que toma cloroquina e recusa vacina. Está sempre às ordens. Ainda mais quando se crê inteligente porque bacharel. Dispensa ser governado democraticamente. Isso exigiria opinião informada e alguma capacidade para o autogoverno.

Quem aprendeu que, para ser contra a corrupção, deve abraçar a morte (física e democrática) com Bolsonaro, sugiro se manter ignorante sobre o orçamento secreto e continuar a vociferar contra o mensalão e o petrolão como se não houvesse amanhã. Porque talvez não haja mesmo. E fuja dos próximos capítulos.

*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

2 comentários:

Fernando Carvalho disse...

Que coincidência, acabei de fazer um comentário à fala de Werneck Vianna e mencionei o expediente bolsonarista do estado de sigilo. Gostaria de perguntar ao professor Conrado Mendes se tal expediente foi usado para ocultar a farra dos marechais.

ADEMAR AMANCIO disse...

Conrado Mendes é outro craque da imprensa democrática.