Folha de S. Paulo
Se corrupção ficar comprovada, será difícil
afastar o presidente da cena do crime
Jair Bolsonaro não instalou por acaso um
pastor no comando do Ministério da Educação em seu segundo ano de governo. O
presidente ofereceu a grupos religiosos um palanque ideológico e influência
sobre operações milionárias com dinheiro público. Em troca, poderia
reforçar suas conexões com o segmento evangélico e aproveitar os benefícios
políticos dessa relação.
A aliança reproduziu a lógica de loteamento que Bolsonaro sempre tentou disfarçar. As suspeitas de corrupção sobre o ex-ministro Milton Ribeiro e os pastores que gerenciavam um balcão de negócios no MEC mostram que um dos principais grupos de sustentação política do presidente estava muito bem servido no acesso aos cofres do governo.
A assinatura do próprio Bolsonaro está no
contrato dessa parceria. Numa gravação revelada pela Folha em março, Ribeiro
disse que atenderia
a um "pedido especial" do presidente e daria prioridade à
liberação de verba intermediada pelos pastores.
Bolsonaro e o ex-ministro nunca negaram
esse laço com os investigados. Ribeiro chegou a dizer que o chefe só havia
pedido que os pastores fossem recebidos no governo, mas essa desculpa não melhorou
a situação: a
dupla esteve mais de 100 vezes no MEC e outras 45 vezes no Palácio do
Planalto.
A PF investiga se os pastores usavam esse
acesso para facilitar a liberação de recursos públicos em troca de
propina. Um
prefeito acusa a dupla de ter pedido uma barra de ouro para direcionar
a verba.
A
prisão de Ribeiro atinge Bolsonaro porque o ex-ministro é um elo
conhecido entre o capitão e os pastores. Não há indícios de que o presidente
tenha recebido dinheiro no esquema, mas será difícil afastá-lo completamente da
cena do crime se a corrupção ficar comprovada.
O escândalo não deve abalar a consolidada relação entre Bolsonaro e líderes evangélicos, mas arrasa a retórica anticorrupção do presidente. O esquema dos pastores não difere em nada daqueles protagonizados por partidos políticos.
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