Folha de S. Paulo
Não faltam ideias para combatê-lo, mas os
obstáculos são graúdos
O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips escancarou o enraizamento do crime na região amazônica. Maior responsável pela devastação ambiental, a delinquência impune é ameaça perene à sobrevivência das comunidades indígenas, além de ser causa primeira da degradação moral dos moradores que alicia.
A crise não é nova. O que transbordou dos limites conhecidos foi a perversa proeza deste governo amigo do ilícito e aliado dos grupos mais atrasados do agronegócio em incentivar o descumprimento da lei, ao se dedicar a destruir os instrumentos de defesa da floresta e de seus habitantes: da Funai ao Ibama; do monitoramento por satélite ao Código Florestal; da demarcação de terras indígenas ao Conselho da Amazônia Legal.
Como resposta à devastação promovida
pelo Planalto, cresceu nos últimos anos a percepção da gravidade do
problema amazônico e do enlace entre a preservação dos recursos naturais, o
reconhecimento do direito dos povos originários às suas terras e o imperativo
de criar oportunidades econômicas e proteção social à massa de pobres que ali
habitam.
Não faltam diagnósticos sofisticados e
propostas interessantes para os problemas de imposição da lei e da ordem, assim
também para o desenvolvimento sustentável da vastidão onde vivem cerca de 25
milhões de brasileiros. Mudou também a sensibilidade social para a importância
do problema em suas muitas dimensões. Tanto que a agenda ambiental vem ganhando
espaço mesmo entre a esquerda mais desenvolvimentista à moda antiga.
Mas os obstáculos são graúdos. Estão
enraizados em interesses reais e entrelaçados da parcela do agronegócio que busca
o ganho imediato a qualquer custo; das redes criminosas que se movimentam na
mata e são sócias da desordem urbana; dos poderes locais; dos políticos dos
estados da Amazônia Legal; e daqueles que no Congresso formam a coalizão
governista.
Esse conjunto de interesses é bem servido
por argumentos ao mesmo tempo ultrapassados e convenientes, para fazer crer
serem os ambientalistas agentes da cobiça estrangeira sobre nossos recursos
naturais, enquanto pregam a "assimilação" das comunidades indígenas
ao estilo de vida dominante e alegam que o "progresso" justifica o
pogrom da natureza. Formam o arcabouço mental do bolsonarismo raiz e dos
militares aposentados que cercam o chefe do governo.
Veja-se o "Projeto de Nação – o Brasil
em 2035", dos institutos General Villas Bôas, Sagres e Federalista,
refletindo, ao que tudo indica, o que passa por verdade no Exército. Superar
essas ideias é indispensável para deter os adeptos da devastação e da morte.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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