O Globo
Atenção à competitividade eleitoral de
Bolsonaro. Está vivo. Nunca esteve morto. Semeia o caos com uma mão, investindo
no 7 de Setembro permanente; e, com a outra, extrai os frutos da parceria que
multiplica gabinetes paralelos e distribui codevasfs. Os frutos: o pacotão de
estímulos por meio do qual despejará bilhões — o Tesouro bancando a campanha
pela reeleição — até o final do ano. Concorre para a instabilidade, mas vai
disputar os votos.
Se “é a economia, estúpido!”, o presidente
faz — já fez — seu jogo. Contra a inflação, maquia a inflação — e contrata
inflação mais duradoura.
Não há limites.
O orçamento secreto — expressão da sociedade entre o lirismo parlamentar e o Planalto — anaboliza a musculatura do sistema. O sistema — Supremo incluído, que não cumpre a missão constitucional de barrar a emenda do relator — trabalhando pelo anti-establishment. Agora é tarde. O anti-establishment virou sócio de Arthur Lira e Ciro Nogueira. O presidente, um autocrata, costurou capilaridade para si, Brasil adentro. Daí que seja estupefaciente a subestimação de suas chances em outubro. Escrevi a respeito em março. O governo sempre pode muito. Um sem limites, então.
E foi a um sem limites que o Parlamento
ofereceu exceção à lei eleitoral. Licença para gastar, ao aterramento das
regras fiscais. Bolsonaro vai crescer. Não sei até onde; não sei se
suficientemente para vencer. Sei que crescerá. Nenhum incumbente, com a máquina
que controla, promove tamanha derrama sem colher popularidade.
Não há limites.
O país tem um ministro da Economia cuja
relevância — plantada por ele mesmo — estaria no que “não deixa fazerem”. É
condição inaferível. A não ser que relatasse à sociedade o que não terá deixado
passar. E que se note, para que não nos esqueçamos de que Paulo Guedes não
exerce papel de controle externo. Está bem lá dentro. De modo que: não deixaria
passar iniciativas espúrias de seus próprios pares, do presidente pelo qual
opera. Quem serve — por tanto tempo — a uma gente capaz de propor
encaminhamentos ainda piores do que os que prosperaram?
O que será mais torpe do que crédito
consignado sobre o Auxílio Brasil?
O que Guedes impediu? Desde onde observo,
tudo quanto veio passou; mas com artifício tipicamente bolsonarista: fica menos
bárbara uma solução que se deixa para tomar à véspera, tanto mais se em
benefício dos pobres. O ministro aprendeu a jogar com a forja chantagista do
sentido de urgência. Arrumou R$ 60 bilhões — e a tunga crescerá —
instrumentalizando a miséria; fatura em que consta a desoneração da gasolina para
os ricos.
Não há limites.
Se você ainda duvida, olhe para a
celebração de superávit em 2022. “O primeiro ano no azul desde 2013” —
comemora-se. Um governo sem limites; que festeja resultado fiscal positivo ao
mesmo tempo que empreende programa de gastos sem precedentes.
Não está para brincadeira uma turma que
enche a boca para falar de superávit meses depois de haver formalizado o fim do
teto de gastos. Guedes nem ruboriza. Fala, agora, em teto retrátil. Ele me lê.
Está atrasado, porém. O teto era conversível quando da PEC dos Precatórios.
Naquela época, toda vazada, ainda havia alguma cobertura a flexibilizar. Faz
tempo. Foi o início do processo que resultaria — com a PEC Kamikaze — no
destelhamento absoluto.
O ministro tem razão: não furarão mais o teto.
Não bastará a cara de pau. A turma aposta
na desmemória. E aí talvez cole o embuste de comemorar contas no azul depois de
rolados — pedalados — R$ 50 bilhões em precatórios. Aqui, não. Até eu faria
gordura assim. Empurrando dívidas para frente. Bancando-me do produto da
inflação que se quer combater. Antecipando tudo quanto pudesse em receitas.
Lembro os lucros abusivos da Petrobras, consequência da política de paridade de
preços. Um estupro! Mas eu quero. Me dá aqui. Superávit.
Não veio a brincar uma galera que se jacta
de fabricar superávit enquanto promove gambiarras constitucionais para gastos
ilimitados cuja fatura — informa o próprio governo — impedirá resultados
fiscais positivos nos próximos anos. A turma que celebra exercício azul em 2022
é a mesma cuja porteira escancarada pela reeleição determina déficits em 2023 e
2024 — para começo de conversa. É o menor de nossos problemas.
A conta aumentará. O dinheiro abunda e
escoa hoje. As receitas são extraordinárias. As contas vêm para ficar. Há
muitas notas penduradas ao porvir. Mais virão. As receitas, obra das
circunstâncias, logo se vão. Gastamos hoje. Nos endividamos hoje. A fatura
permanecerá. Ecoará. Estamos nos encalacrando para financiar a campanha de
Bolsonaro. Somos doadores compulsórios. Pagamos o Vale Alvorada para o mito.
Superávit na onda da PEC dos Precatórios e do imposto inflacionário, enquanto produz efeitos a PEC Kamikaze. Não há limites. Mas a plateia aplaudiu. É esquecida. Lembro o limite de Guedes: se mexessem no teto de gastos. Limite retrátil?
3 comentários:
Sua lucidez me fascina.
Desse jeito irá aparecer vários candidatos a Ministro da Fatura da Dívida Popular...
Sempre acompanho ao noticiário do parlamento francês e suas atitudes em relação à economia, a mais recente discussão tratou do poder de compra da população (pouvoir d'achat) que paga em Euros e o mais importante é que não permitem que as mercadorias vendidas sejam mais importantes que a vida de seus concidadãos.
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