Folha de S. Paulo
Começos de governo são confusos, mas Lula 3
está criando muito conflito desnecessário
Começos de governos são confusos. É assim
até com gente experimentada, como Lula 3, seus
ex-colegas de Lula 1 e 2 e tantos ex-governadores.
Costuma ser assim até por motivos
aparentemente banais, como falta de entrosamento entre ministros e de tempo
para afirmação de uma liderança que coordene a administração. Ou também porque
não se firmou um relacionamento com o Congresso. Não quer dizer que, com o
tempo, a máquina de governar se assente, sem mais. Quer dizer apenas que algum
tempo é necessário.
Por outro lado, é possível que se bagunce esse período de sedimentação, deixando a água turva. A falta de clareza sobre o programa de governo é um problema. A multiplicação de conflitos, ainda mais conflitos contraproducentes, também, assim como a desconsideração de alianças. Dar assunto para a oposição é mais problema. O governo Lula tem dado chance para o azar.
Lula 1 (2003-2006) foi confuso pelo menos
até meados de 2004. Mas teve a sabedoria de estabilizar
a economia, consolidando um programa apenas iniciado sob FHC 2, o conhecido
e agora abalado tripé de superávits, metas de inflação e câmbio flutuante. Teve
a boa sorte de governar em anos bons na economia mundial. Não tinha a prevenção
de quase metade do país. Etc.
Lula 3 começou queimando as pontes de boa
vontade que, na eleição, o conectaram a parte do eleitorado e elite
antibolsonaristas. Nesse fogo, foi-se a grande e surpreendente boa vontade dos
credores e da finança, até outubro animados em derrubar
as taxas de juros.
Ao dar caneladas na ideia de controle da
dívida pública e na meta de inflação, Lula degradou as condições financeiras.
Foram até aqui mais seis meses de taxas de juros desnecessariamente altas e de
confiança perdida. Seu governo e o país pagarão mais caro até que Lula consiga
resultado, ora motivo de muita dúvida, apenas atenuada pela nova
regra fiscal.
Não há clareza sobre o que será da política
externa nem o resultado dessas caneladas temerárias de Lula no dito Ocidente e
de acenos para ditadores. Quem sabe a loucura tenha método e razões secretos.
Por ora, vê-se apenas o risco de o Brasil perder a oportunidade de tirar
vantagem do conflito EUA-China e de se tornar parceiro econômico confiável no
mundo desglobalizado.
Lula 3 decerto governa um
país destroçado e convocado para uma involução reacionária, violenta e
antidemocrática. Foi bem ao isolar os golpistas terroristas. Mas está sem rumo
algum no Congresso e não administra a própria cozinha, caso do GSI, por
exemplo. Há uma CPI que pode ser um palanque para a extrema direita até agora
desnorteada.
A horda estava sem assunto, com seu líder
facinoroso perdido e ameaçado de cadeia. Agora, pode fazer um salseiro lunático
de redes sociais com a ideia de que o levante terrorista foi armação da
esquerda, por exemplo.
O governo pediu a aliados que não apoiassem
a CPI do 8 de Janeiro. Então sobreveio o escândalo do general-ministro do GSI
que passeava em um Planalto tomado por golpistas. De hora para outra, o governo
aceitou a CPI sem ao menos avisar parlamentares amigos. Há como ganhar esse
jogo, com risco maior de cadeia para bolsonaristas. Mas o governo tomou um
contra-ataque.
O MST volta
a fazer bobagem. Lula diz disparates, como falar de "gordos", de
"desparafusados da cabeça", da escravidão que provocou miscigenação,
dos capiaus paulistas que seriam como Bolsonaro. Sempre foi assim. Mas não se
dá conta de que vive em um mundo de hordas de redes sociais enraivecidas pelo
confronto político em um país rachado de ódio, com direitas grandes e
organizadas.
Precisa de alianças, de um pacto
sociopolítico para ao menos isolar reacionários e financiar seu plano
econômico, que precisará de muito imposto, sempre motivo de conflito agudo. Mas
não tem se importado de fazer adversários e inimigos desde que foi eleito.
Assim, vai ser difícil.
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