O Globo
Eles não tinham palco político relevante
desde que deixaram o poder. Agora, com a CPI, terão todas as câmeras
Durante os próximos meses, o foco da política brasileira estará numa CPI onde duas histórias serão contadas a respeito da Intentona de 8 de janeiro. Numa, o personagem principal será o ex-presidente Jair Bolsonaro, que passou boa parte do ano eleitoral incitando um golpe em caso de vitória do adversário. Na outra, são os bolsonaristas, que terão todos os holofotes que desejarem para convencer a opinião pública de que o governo é responsável pela tentativa de golpe. Eles não tinham palco político relevante desde que deixaram o poder. Agora, terão todas as câmeras, farão muitas lives, escorrerão novamente para além de suas bolhas. Tudo isso porque o Palácio do Planalto ainda não entendeu que política, em 2023, ocorre na forma de histórias contadas em picotes de vídeos e memes no ambiente digital.
É uma derrota. Nos últimos quatro meses
debatemos muito políticas públicas. Não fazíamos isso havia quatro anos. Há
muito com que discordar do governo, mas, mesmo com uma tentativa de golpe, as
conversas mais importantes foram sobre arcabouço fiscal, reforma tributária,
reforma do ensino médio, Bolsa Família, o papel do Brasil perante o mundo,
regulação das redes. É para esses debates que governos existem.
A CPI, que consumirá as energias do
Congresso Nacional, nascerá porque alguém, no Planalto, decidiu que era boa
ideia ocultar do público que o general Gonçalves Dias, até quarta-feira
ministro do Gabinete de Segurança Institucional, esteve no palácio durante o
ataque. Numa das versões, o próprio Dias negou à Presidência que houvesse
fitas. Ele diz que comunicou ao presidente. No mínimo, é uma testemunha da
maior importância a respeito do maior ataque orquestrado à Presidência desde a
Intentona Integralista de 1938.
Jamais existiu a possibilidade de que um
vídeo assim, a que muitos bolsonaristas no coração do Planalto ou da PF teriam
acesso, não viesse a público. No momento em que o governo escolheu ocultar uma
informação assim importante, deu ao bolsonarismo a oportunidade de escolher
quando divulgar e ditar os termos. As redes sociais e grupos de zap se
empestearam, na própria quarta-feira, com a “prova” de que tudo havia sido
orquestrado pelo governo. As imagens não provam nada. Mas que buraco o governo
cavou para si próprio!
Uma coisa o movimento bolsonarista sabe
fazer bem: instalar a confusão num país com 150 milhões de contas de WhatsApp.
Eles sabem contar uma história no meio digital. Juntam cacos de fatos com doses
de ambiguidade e mentiras abertas, empacotam tudo, e desmontar depois é muito
mais difícil.
Mas há muito que o bolsonarismo não sabe
fazer. Tem dificuldades de responder quando está sob pressão, não sabe
organizar uma estrutura sucessória, tem dificuldades de escapar da própria
bolha quando não é posto no centro do picadeiro por outros. Sem governo, o
bolsonarismo só fala com os seus. Por culpa do atual governo, ganhou de
presente um fato político que fez instalar uma CPI. É o picadeiro. Passaremos
os próximos meses discutindo Lula versus
Bolsonaro.
Nós já havíamos saído dessa fase.
A lista de derrapadas de Lula não é curta.
Num episódio, não percebeu que estava ao vivo numa entrevista para a internet e
falou do desejo de vingança que teve contra o então juiz Sergio Moro.
Deu holofotes para o senador por duas semanas. A confusão da semana passada a
respeito das lojas digitais asiáticas se tornou o tema principal de desgaste do
governo nas redes sociais, depois na opinião pública.
As crises deste governo se resumem sempre a
isto: comunicação feita sem disciplina e incompreensão do mundo digital.
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