Folha de S. Paulo
Em seminário na presença do presidente do
BC, Pacheco cobra redução imediata da taxa de juros
Que tal um ambiente institucional e regulatório em que, sendo o Banco Central autônomo, seu presidente fale apenas na ata do Copom? Isso lhe conferiria um ar de pureza sacerdotal em relação às contendas deste mundo. Já me parece suficientemente especioso, como evidência de rigor técnico, que a autoridade monetária pergunte antes a apenas um pedaço do tal mercado o que ela tem de fazer com a taxa de juros. A gente só fica estacionando os carros. Como se sabe, nessa área, contam as "expectativas". Voltarei a elas.
O presidente Lula entregou ao Congresso no
dia 18 a proposta de arcabouço
fiscal. Não tenho o dom de fazer "download" da
Verdade Revelada —e creiam que invejo com benignidade os portadores de tal
graça, com destreza para ver o mundo desde o fim. Não só: saúdo sua vocação
monástica. Tenho receio de que, em seu lugar, eu monetizaria a bola de cristal.
Sem tal habilidade fantástica, atenho-me aos dados de "nossa melancólica
humanidade".
Se houve alguma surpresa no que veio à luz,
foi no sentido oposto ao da gastança. Pessoas que votam no Boletim Focus me
disseram isso de cara. Apreciaram o rigor com que se excluiu qualquer forma de
receita extraordinária. De cara, indaguei sobre as excepcionalidades ao novo
teto. A resposta me pareceu verificável: derivam da Constituição, na sua
maioria, e não podem ser alteradas por Lei Complementar. Adicionalmente, o
texto elimina a possibilidade de os bancos públicos serem usados para mágicas.
Começo aqui, leitor, a rumar para o meu
ponto de partida. Qual a razão da radical mudança de humor dos mercados nesta
quarta (19)? A proposta do governo, que nasceu de conversas prévias com o
comando do Congresso, não havia tido nem mesmo uma noite de paz, e, como a Geni
tentando algum repouso depois do assédio do comandante do Zeppelin, veio
a palestra de
Roberto Campos Neto a investidores em Londres, organizada pelo
European Economics & Financial Centre.
Disse o quê? Vamos lá: a desinflação está
mais lenta do que imaginava o BC; variáveis observadas pelo BC pioraram desde
dezembro; expectativas muito maiores que a meta no horizonte relevante sugerem
cuidado; Brasil tem histórico de inflação; país
tem mecanismo muito fortes de indexação; é preciso ser persistente na política
monetária (tire o cavalo da chuva quem achou que haveria uma antecipação da
queda da Selic); repetiu que crédito direcionado é um dos problemas do país
(cuidado, agronegócio!!!); eventual mudança da meta pode piorar as, bem...,
"expectativas".
Àquela altura, fico cá a imaginar o que
pensavam os investidores em Londres. Por aqui, o dólar disparou. O presidente
do BC, que fala mais do que o homem da cobra, tentou dar uma colher de chá ao
arcabouço. Não tinha visto direito, disse, destacando haver incerteza sobre a velocidade
da aprovação, repetindo inexistir relação "mecânica" entre o fiscal e
o monetário.
Será indelicado indagar se é papel de um
presidente de BC, de
qualquer um, fazer previsões pessimistas a investidores, seja em solo pátrio,
seja em terra estrangeira? Se as tais "expectativas" são o deus
último dos mercados, pergunto se cabia ao doutor proferir uma palestra com tal
teor logo depois de se conhecer o texto do arcabouço. Eu ainda não entendi o
que o Brasil ganha quando ele revela sua desconfiança sobre o processo de
desinflação em curso. E quando diz o resto. Fora da ata. Os que conhecem o
mundo desde o fim devem ter as respostas.
Ah, sim: nesta quinta (20), na abertura do
Lide Brazil Conference, também em Londres, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG) cobrou juro menor. Campos Neto estava na
plateia e fala no mesmo evento nesta sexta. Tornou-se o logólatra nº 1 da
República.
Seu mandato não é conferido pelo povo, mas
pelo Senado, presidido por Pacheco, que se manifestou nestes termos:
"Continuo defendendo a autonomia do Banco Central (...). Mas há um
sentimento geral hoje, que depende de base técnica, mas também de sensibilidade
política, que nós precisamos encontrar os caminhos para redução imediata da
taxa de juros sob pena de sacrificarmos o trabalho que fizemos ao longo do
tempo". Também o senador parece preocupado com nossa melancólica
humanidade.
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