O Globo
Iniciativas tomadas até agora terão impacto
positivo na vida dos brasileiros
No turbilhão formado pelo comentário
impróprio do presidente da República sobre a guerra Rússia-Ucrânia na
passagem por China e Emirados
Árabes Unidos, assuntos relevantes da agenda global acabaram
negligenciados. Documentos e declarações oficiais dos chefes de Estado
sinalizaram atenção ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
e do enfrentamento à emergência climática. Em Abu Dhabi, Lula chegou
a propor que o G20 passe a debater até mesmo uma regulação internacional para
as plataformas digitais. É assunto que preocupa o Brasil, à luz das ameaças da
extrema direita à democracia e dos recentes episódios de violência contra
escolas.
Foi em 2015 que os 193 membros das Nações Unidas se comprometeram a perseguir um conjunto de 169 metas socioeconômicas e ambientais para melhorar a vida no planeta até 2030. Os 17 objetivos, conhecidos como ODS, vão da erradicação da fome e da pobreza à igualdade de gênero. Incluem acesso a saúde e educação, água e saneamento; trabalho decente e energia limpa; consumo responsável e cidades sustentáveis.
A pandemia da Covid-19 interrompeu uma
trajetória de avanços, que já vinha trôpega. Na edição 2022 do Relatório Luz,
em que ONGs, movimentos sociais e universidades monitoram o cumprimento das
metas, o Brasil retrocedeu em indicadores de saúde, educação e trabalho. Os
autores chamaram a atenção para uma realidade gravíssima:
— Num contexto de crise sanitária e
climática, o aumento da pobreza, da fome, da perda de biodiversidade e da
qualidade de vida no Brasil indica, de forma irrefutável, uma sociedade adoecida
não apenas pelos efeitos devastadores da Covid-19, mas também pelo crescimento
das desigualdades.
Das 168 metas aplicáveis ao Brasil, dois
terços (110) estão em retrocesso, em decorrência de políticas públicas
interrompidas, negativamente alteradas ou financeiramente asfixiadas.
Aumentaram mortalidade materna, exposição a agrotóxicos, fome, precarização do
mercado de trabalho.
A invasão da Ucrânia pela Rússia agravou o
cenário, em virtude dos efeitos, sobretudo, na oferta e nos preços dos
alimentos mundo afora. Boa parte das decisões restritivas de política monetária
— que jogam para cima a taxa de juros e para baixo o crescimento econômico —
tem a ver com custos da energia, dos combustíveis e da comida.
É bom sinal que países em diálogos bi ou
multilaterais ressuscitem acordos pactuados, porém secundarizados pela urgência
da crise sanitária, pelo ambiente econômico instável, por relações
internacionais tensionadas por um conflito sem horizonte de fim.
Há coisas interessantes acontecendo país e
mundo afora, que o foco teimoso nos enredos de sempre interdita. Há uma cena
antológica em “Desconstruindo Harry” (Woody Allen, 1997) em que o protagonista
se desespera com o mundo que, por incompreensível, julga desfocado. Como
reposta, ele ouve que o problema está na lente que usa, não na cena, nas
pessoas, nos objetos que observa.
O Brasil adentrou um túnel escuro por
quatro longos anos. Depara agora com os primeiros raios de sol. A democracia
mostrou-se resiliente a uma saraivada de ataques e a uma tentativa de golpe. A
centena de réus ratificados pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana são
indício de justiça — sem anistia.
Num par de viagens internacionais, o
governo voltou com R$ 62 bilhões em acordos firmados com China e Emirados
Árabes Unidos. Ainda ontem, os Estados
Unidos anunciaram com pompa que o Brasil receberá, em cinco
anos, meio bilhão de dólares para combater o desmatamento na Amazônia. O plano
de enfrentamento está em consulta pública e deverá ser lançado até meados de
maio.
Recriado, o Ministério da Cultura tem quase
R$ 9 bilhões para distribuir em editais a uma cadeia produtiva que emprega mais
de 7 milhões de brasileiros e representa 3,11% do PIB nacional, mais
que a indústria automotiva, estimou o Observatório Itaú Cultural em relatório
recente. O orçamento das universidades será recomposto. Famílias já começaram a
receber o adicional do Bolsa Família por crianças de até 6 anos; adolescentes
também serão incorporados ao programa, quase esfacelado dois anos atrás. O teto
de gastos dará lugar a um regime fiscal mais realista e eficiente. Vem aí a
reforma tributária. Depende do Congresso Nacional garantir que ela promova
justiça para que os mais pobres paguem menos; avesso do presente. Cada uma
dessas iniciativas tem ou terá impacto positivo na atividade econômica, na
qualidade de vida e no futuro dos brasileiros. Elas precisam ser olhadas,
medidas e avaliadas com outro peso, outro olhar.
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