Correio Braziliense
Para aumentar as dúvidas, Gonçalves Dias
dissera ao presidente da República que a câmera de segurança que gravou as
imagens fora quebrada e ainda decretou sigilo sobre os demais vídeos
Há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões de carreira, como diria o Barão de Itararé. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, levaram uma bola nas costas nessa história dos vídeos da invasão do Palácio do Planalto. Lula teve que demitir o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, que mantivera no cargo mesmo depois dos episódios de janeiro, porque confiava no amigo. Deveria ter separado a amizade das razões de Estado e defenestrado o general no mesmo dia. Não por uma questão de lealdade, que agora foi posta em dúvida, mas por incompetência mesmo.
Um “case” famoso de liderança é a história
de um chefe de equipe de bombeiros em Los Alamos, no Novo México. Incêndios
florestais, alimentados por ventos de até 100km/h, são constantes na região.
Destroem casas e até o famoso laboratório onde foram fabricadas as bombas
nucleares lançadas em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, no final da Segunda
Guerra Mundial, já foi ameaçado. Há uns 20 anos, as chamas atingiram um
edifício de pesquisa, uma construção de granito que contém poderosos
explosivos, e chegaram a menos de 300m do depósito de plutônio usado na
fabricação das bombas.
A grande dificuldade para combater os
incêndios em Los Alamos são os ventos fortes e traiçoeiros, que mudam muito de
direção. No caso citado, muito experiente, o chefe dos bombeiros percebeu que
sua equipe seria cercada pelo fogo, pois a velocidade do vento era muito maior
do que a capacidade de deslocamento dos bombeiros. Determinou, então, que todos
ficassem onde estavam e incendiassem uma área suficientemente grande para que
pudessem nela entrar e evitar que o incêndio principal tivesse o que queimar
quando chegasse, o que de fato conseguiu evitar.
Entretanto, somente dois integrantes da
equipe aceitaram sua orientação. Os demais tentaram fugir do fogo e morreram
queimados, ao serem alcançados pelas chamas. O chefe da equipe de bombeiros fez
tudo certo, mas, mesmo assim, foi demitido. Faltou-lhe capacidade de liderança.
É mais ou menos a situação do general
Gonçalves Dias, na melhor das hipóteses. Deveria ter sido afastado no próprio
dia 8 de janeiro. Agora, com a divulgação das imagens, sua situação se
complicou ainda mais.
O mais grave, porém, é que complicou também
a posição do governo, porque os vídeos corroboram a narrativa bolsonarista de
que houve omissão das autoridades do governo. E embaralham as investigações.
As desculpas dadas por Gonçalves Dias são
até plausíveis. Chegou ao local depois da invasão, não estava acompanhado de
uma tropa capaz de enfrentar os vândalos que quebravam tudo pela frente, agiu
para evitar que o terceiro e o quarto andares do Palácio do Planalto fossem
invadidos, inclusive o gabinete presidencial. Os vídeos permitem esse tipo de
interpretação, até porque foram editadas claramente com o objetivo de
incriminá-lo.
Há muito a esclarecer. Por exemplo: a razão
da preservação da identidade dos agentes do GSI que conversam amistosamente com
os invasores. Para aumentar as dúvidas sobre seu comportamento, Gonçalves Dias
dissera ao presidente da República que a câmera de segurança que gravou as
imagens fora quebrada e ainda decretou sigilo de cinco anos sobre os demais
vídeos.
Imagens
Sabe-se agora que as imagens reveladas pela
CNN eram de conhecimento da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal
(MPF) e do Exército. Mas o GSI não sabia? Gonçalves Dias alega que foi traído.
Quando houve a invasão, sua equipe era a mesma que havia sido formada pelo
general Augusto Heleno, seu antecessor.
Entretanto, chefiou a equipe de transição
do governo Lula na área de segurança e poderia ter escalado outro time, de sua
confiança, no mesmo dia em que o Diário Oficial publicou sua nomeação. Na
melhor hipótese, prevalecera o espírito de caserna.
O ministro Alexandre de Moraes foi pego de
surpresa. No dia da invasão, afastou o governador de Brasília, Ibaneis Rocha,
enquanto Lula decretava uma intervenção na segurança pública do GDF. Mandou
prender o ex-secretário de Segurança Anderson Torres, que fora ministro da
Justiça de Bolsonaro. Já iniciou o julgamento dos bolsonaristas presos no
acampamento em frente ao Estado Maior do Exército, em 9 de janeiro — cerca de
1,4 mil pessoas. Foram ouvidos até agora 81 militares.
Ontem, Moraes determinou que o governo
informe se cumpriu integralmente duas decisões anteriores assinadas por ele: a
obtenção das imagens de “todas as câmeras do Distrito Federal” e a oitiva de
todos os envolvidos na contenção dos atos de 8 de janeiro.
Mandou ouvir, também, o general Gonçalves
Dias e, novamente, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que é peça-chave
da investigação. Em sua casa, fora apreendida uma minuta de decreto de
Bolsonaro que anularia as eleições e destituiria Moraes da presidência do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Anderson, o candidato a vice Braga Neto, os
generais Luiz Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (GSI), e o então
comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, estavam dispostos a
impedir a posse de Lula, se fosse dada a ordem para isso.
Bolsonaro foi demovido pelos ministros Ciro
Nogueira (Casa Civil), Fabio Faria (Comunicações), e o almirante Flávio Rocha
(Assuntos Estratégicos). Foi aconselhado a deixar o país num jantar com o
ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Tofolli, na casa de Faria. Em
Miami, ao lado de Anderson e do filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bolsonaro
acompanhou o 8 de janeiro de camarote.
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