O Estado de S. Paulo
O PL das Fake News mostra a dificuldade do Congresso, bem como a complexidade do assunto
No filme Rede de Intrigas de 1976, Howard
Beale, um apresentador de noticiário na televisão, é demitido devido à baixa
audiência do seu programa. Em um surto emocional ao vivo, Beale anuncia que vai
se matar na televisão na semana seguinte. A emissora decide mantê-lo no ar e
estreia o programa A Hora da Raiva, onde Beale desabafa sua raiva contra a
sociedade e o sistema.
Em uma cena clássica do cinema, Beale grita
“I’m mad as hell and I am not going to take it any longer” (“Estou furioso e eu
não vou mais tolerar isso”, na minha tradução livre). Ouvem-se pessoas gritando
o mesmo por suas janelas na cidade de Nova York. É a previsão do entretenimento
dominando a comunicação saudável. O que importa é a distração em si.
Se Paddy Chayefsky, o criador do roteiro do filme Rede de Intrigas, encontrasse Orwell e Huxley, a distopia resultante poderia ser muito parecida com o que vivemos hoje com as redes sociais.
Existem plataformas que permitem a
manipulação do conhecimento coletivo, indivíduos se tornam ao mesmo tempo “mad
as hell”, mas também conformistas e passivos.
Redes sociais têm se mostrado canais
importantes para discursos de ódio e desinformação que podem ter consequências
no mundo real, como violência e discriminação contra minorias.
Especialistas acreditam que as mídias
sociais podem estar minando a comunicação humana e a coesão social ao
substituir redes artificiais por redes reais. Há evidência de que as pessoas
clicam em notícias com chamadas negativas – o impacto sobre a saúde mental dos
usuários ainda não é claro.
Como lidar com isso? Alguns argumentam que
melhores práticas de moderação, regulação externa ou novas tecnologias podem
superar os desafios apresentados pelas mídias sociais. Mas a profundidade do
problema vai além da regulamentação. Caímos no clássico problema da regulação
centralizada: quem será o responsável por determinar as regras de regulação? O
PL das Fake News mostra a ignorância e a dificuldade do Congresso, bem como a
complexidade do assunto.
Quando as instituições são mais rígidas do
que a velocidade dadesinformação,aregulaçãodescentralizada parece ser o melhor
caminho. Como podemos estimular redes sociais mais saudáveis?
“Orwell temia que a verdade nos fosse
ocultada. Huxley temia que a verdade se afogasse em um mar de irrelevância.”
Esta é a análise do antigo livro de Neil Postman, Amusing Ourselves to Death:
Public Discourse in the Age of Show Business. Acrescento que podemos temer
ambas as coisas – e as tentativas de regulação das mídias sociais.
*Professora do Insper, PH.D. em Economia
pela Universidade de Nova York em Stony Brook
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