Folha de S. Paulo
Inquéritos e movimentos para derrubar
iniciativas de Lula mostram desordem política do governo
O Congresso está
livre, pesado e solto. Ainda é má notícia para o governo. Note-se a quantidade
de CPIs que vão sendo aprovadas, algumas delas capazes de produzir espuma
tóxica. Há também planos para derrubar iniciativas de Luiz Inácio Lula da
Silva tais como os decretos anti-armas ou demarcações de terras
indígenas.
Por enquanto, são escaramuças e focos de
guerrilhas políticas. Mas indicam a grande dificuldade do governo de fazer um
acordo suficiente para pacificar em particular a Câmara, o que quer dizer Arthur Lira (PP-AL),
seu presidente, e lideranças agregadas.
O acordo é intragável e pode ser venenoso. Basicamente, significa entregar a Lira e seu comando colegiado uma variante do controle sobre o fluxo de emendas parlamentares.
A vida de Lula não seria fácil de qualquer
maneira, pois este é um Congresso especialmente direitista, por motivos
variados, em um país que escolhe em massa prefeitos e parlamentares de direita
e onde quase metade votou em Jair
Bolsonaro. O clima é tal que até Lira se diz liberal desde criancinha e se
faz de fiador das "reformas", sob aplauso de donos do dinheiro.
A CPI
do MST pode causar queimaduras, embora até aqui não passe de um recado
do agro para Lula e uma tentativa de lançamento da campanha de Ricardo Salles
(PL-SP), vulgo Boiada, à prefeitura de São Paulo.
A CPI dos Atos Golpistas anda meio zumbi,
mas deve começar na semana que vem. Pode morrer de inapetência, do governo e da
oposição de extrema direita, que corre o risco de ver seus tiros saírem pela
culatra. Isto é, em mais complicações para as lideranças políticas, digitais e
empresariais do bolsonarismo. Mas também pode render mentiras lunáticas para
alimentar redes sociais, que aceitam qualquer coisa, e animar a militância
demente.
Vai haver uma por enquanto desanimada CPI
das ONGs, investigações desde 2002. Na
lista há também uma CPI das Americanas, que seria muito divertida se fosse
séria, e a da das apostas esportivas.
Na rotina do Congresso, essas investigações
costumam cair no oblívio, no esquecimento entediado. Ainda assim, por serem
tantas são sinal de desordem do Planalto e de que o comando parlamentar dá
corda para quem quer fazer barulho. Apesar do sucesso da tramitação do dito
arcabouço fiscal, Lula 3 não consegue propor uma pauta dominante, que jogue
para o lado diversionismos malandros ou bloqueie iniciativas de risco.
O movimento em geral é o da direita que
quer dar uma demonstração de força para Lula, como o do agro e de líderes
políticos evangélicos. O governo não consegue dialogar nem com os liberais
"frente ampla" que o apoiaram no segundo turno em 2022, que estão em
desapontamento amargo. Muito menos ainda inventou um jeito de conversar com o
agro e evangélicos, osso duríssimo.
Política no Congresso não é, óbvio, reflexo
de movimentos sociais. Mas articulações ou armistícios sociais importam —por
falar nisso, note-se que até o Conselhão, de volta, foi mais ignorado do que de
costume. Claro que há limites para a conversa, até porque muita gente dessa
direita quer apenas ver Lula pelas costas, para usar termos amenos. Parte dela
queria golpe. Não está nada fácil, reconheça-se.
Os anos de 2003 e 2004, o primeiro biênio
de Lula 1, também foram tensos e confusos, por outros motivos. Com a bagagem
puída de mais de 13 anos de poder, uma direita enorme, política digital, uma
década de tumulto institucional e de depressão econômica, além de um Estado
exaurido, a tarefa agora é bem mais complicada. Pode ficar um tanto menos se
houver um programa político e reformista atraente e acordos para mudar o
ambiente. Ainda não há e o "milagre do crescimento" não virá tão
cedo, se vier.
Um comentário:
Muito bom o artigo.
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