Valor Econômico
Não haverá solução no futuro a não ser
transferir renda para um número cada vez maior de pessoas
A desigualdade de renda entre os
brasileiros caiu em 2022 para o nível mais baixo da última década, segundo
dados divulgados recentemente pelo IBGE. Esta queda ocorreu tanto devido à
recuperação do mercado de trabalho para os trabalhadores menos qualificados no
período pós-pandemia, como pelo aumento das transferências de renda do programa
Auxílio Brasil, na tentativa de Bolsonaro de ganhar a eleição presidencial. Mas
a desigualdade por aqui permanece entre as mais elevadas do mundo.
Muitos analistas destacaram que esta queda da desigualdade foi bem-vinda, mas esperam que as futuras quedas dependam mais do trabalho do que de transferências, pois não haveria como aumentar ainda mais os gastos com o Bolsa Família. Outros analistas aventaram a possibilidade de que a queda na oferta de trabalho que ocorreu no final de 2022 teria sido causada por esse aumento das transferências, pois os beneficiários prefeririam receber as transferências do que procurar um trabalho formal. Quão realistas são estas preocupações?
Para analisar estas questões, precisamos
entender as transformações que ocorreram no mercado de trabalho brasileiro nas
últimas décadas. Dados do IBGE mostram que tem havido uma redução contínua do
emprego em ocupações que realizam tarefas rotineiras na economia brasileira,
tanto as cognitivas, que envolvem cálculos simples, controle de estoque e de
qualidade e protocolo, como as rotineiras manuais, como a operação de máquinas,
transporte e montagem. Além disto, ocupações manuais, como faxina, limpeza,
conserto e reforma também perderam espaço. Essas tarefas, que em 2012 ocupavam
64% da mão de obra, agora ocupam 60%.
Evidências de vários países mostram que
estas tarefas agora estão sendo realizadas por máquinas. Um estudo recente, por
exemplo, mostrou que houve queda dos salários, aumento do desemprego e da
desigualdade nas regiões do Brasil, México e Argentina em que mais robôs foram
introduzidos nas empresas1. Assim, tarefas que antes eram desempenhadas por
trabalhadores, agora estão sendo realizadas por máquinas, como os call-centers,
que empregavam milhares de trabalhadores no Nordeste, e os caixas de
supermercados, que estão sendo substituídos aos poucos pelo auto-atendimento. O
mesmo está ocorrendo, de forma bem mais acelerada, nos EUA.
Isto pode explicar a redução da oferta de
trabalho que tem ocorrido ao longo do tempo entre os trabalhadores com
escolaridade mais baixa no Brasil. A taxa de participação entre os que não
completaram o ensino médio, por exemplo, declinou de 52% para 46% entre 2012 e
2022, em linha com a queda das ocupações rotineiras e manuais. Estes empregos
foram substituídos por robôs e não voltam mais. Assim, muitos trabalhadores que
desempenhavam estas tarefas desistiram de procurar emprego, o que explica a
queda na participação.
Esta queda ocorreu principalmente entre os
jovens, que passaram a estudar mais, em busca de habilidades para terem uma
ocupação que não seja substituível por robôs no futuro. As ocupações que mais
aumentaram sua participação no mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos
são as não-rotineiras analíticas e interativas, que envolvem pesquisa, ensino,
planejamento, diagnóstico, negociação e coordenação, por exemplo.
O avanço acelerado da inteligência
artificial, como o Chat-GPT, poderá acelerar o ritmo de desaparecimento de
empregos. Se isto ocorrer, será necessário expandir os programas de
transferências de renda para que as pessoas não passem fome. Não haverá como
reduzir a desigualdade através da geração de empregos, como defendem os
analistas, simplesmente porque não haverá geração de empregos para humanos com
baixa qualificação.
O novo livro de Daron Acemoglu, o
economista mais produtivo do mundo, e Simon Johnson (“Power and Progress”)
discute exatamente estas questões. Os autores argumentam que o tipo de inovação
que é gerada nas empresas de tecnologia determina se o crescimento futuro será
includente ou excludente. Atualmente, grande parte das inovações são
direcionadas para a automação de tarefas que antes eram exercidas por humanos,
de forma que os ganhos ficam concentrados nas elites. Segundo os autores, a
sociedade precisa regular as empresas de tecnologia que dominam o setor para
exigir que o progresso tecnológico seja útil para nós, humanos, gerando mais
informação e criando novas tarefas, e não nos substituindo.
Do ponto de vista do trabalhador, será
necessário formar pessoas que tenham mais habilidades analíticas e interativas,
que possam usar as informações que estão sendo geradas pelas novas tecnologia
para empreender e criar. Mas como iremos formar pessoas com estas habilidades
se as crianças brasileiras mal sabem ler e escrever corretamente?
Os resultados de uma pesquisa internacional
lançada esta semana, que avaliou a capacidade de leitura de crianças de 10 anos
de idade em vários países (PIRLS), mostrou que o nível de leitura dos alunos
brasileiros está entre os mais baixos dos 42 países analisados. Vale notar que
o ciclo inicial do ensino é o único que tinha mostrado crescimento de
aprendizado nas avaliações nacionais nos últimos trinta anos. Desesperador.
Em suma, como o Brasil está adotando
tecnologias geradas nos países avançados que substituem humanos nas tarefas
rotineiras e manuais e como as nossas crianças não estão conseguindo ler e
escrever aos 10 anos de idade, não haverá solução no futuro a não ser
transferir renda para um número cada vez maior de pessoas. E não é que as
pessoas não queiram trabalhar, é que suas habilidades não serão mais
necessárias no mercado de trabalho. Cada vez mais pessoas irão viver de renda
no Brasil.
1 “The
impact of robots in Latin America: Evidence from local labor markets”, por
Brambilla, Cesar, Falcone e Gasparini.
*Naercio Menezes Filho, professor Titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e Diretor do CPAPI
Nenhum comentário:
Postar um comentário