sexta-feira, 19 de maio de 2023

Bruno Carazza* - Reflexões sobre o caso Dallagnol

Valor Econômico

Fim prematuro da carreira do ex procurador da Lava Jato poderia deixar um legado para o país

A imagem do powerpoint virou meme, mas ela esconde uma lição para o combate à corrupção no Brasil. A cassação de Deltan Dallagnol, em muitos sentidos, remonta àquele 14 de setembro de 2016. Olhando retrospectivamente, o slide com círculos, setas e Lula no centro foi o primeiro erro crucial da Operação Lava Jato.

Os procuradores, policiais federais e fiscais da Receita, além do próprio ex-juiz federal Sérgio Moro, nunca esconderam que a Operação Mãos Limpas italiana foi o modelo seguido pela Força Tarefa de Curitiba para investigar e condenar os envolvidos no maior escândalo de corrupção já descoberto no Brasil.

Além do uso de novos e velhos instrumentos como conduções coercitivas e acordos de colaboração premiada, os integrantes da Lava Jato se valeram da espetacularização das ações e a comunicação ostensiva na imprensa e nas redes sociais para angariar apoio popular – e judicial – para as suas ações contra os políticos e executivos de grandes empresas envolvidos.

Curiosamente, a Operação Mãos Limpas começou a perder credibilidade e sofrer retrocessos quando alguns de seus expoentes cederam ao canto da sereia da política. Por aqui aconteceu o mesmo.

Na coletiva à imprensa realizada com o propósito de anunciar a apresentação da primeira denúncia contra Lula, no caso do triplex do Guarujá, Deltan e seus colegas extrapolaram e foram além da apresentação dos indícios e provas que embasavam a ação.

O famoso slide, em que o nome Lula aparece como um alvo na mira de acusações como “mensalão”, “petrolão + propinocracia”, “poder de decisão”, “governabilidade corrompida”, “maior beneficiado” e “enriquecimento ilícito”, foi visto por muitos como a face mais evidente de que a Força Tarefa tinha um objetivo político, e não apenas técnico-investigativo.

A crítica sobre o uso da Lava Jato para fins eleitorais mudou de patamar com o segundo erro fundamental de seus integrantes: a decisão do juiz Sérgio Moro de abandonar a magistratura para se tornar Ministro da Justiça do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro. Ao deixar os casos da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba para se juntar àquele que mais encarnou os discursos antipetista e contra o sistema político, Moro deu ainda mais motivos para se duvidar da isenção de toda a Operação.

A reação à Lava Jato ganhou força no momento em que seus mais célebres personagens – Deltan Dallagnol, pelo lado da acusação, e Sergio Moro, como juiz – deixaram transparecer que poderiam ter um projeto político pessoal, ocupando um espaço provocado pelas suas próprias ações e se aproximando de Bolsonaro.

As revelações da Vaza Jato, com a divulgação pelo site The Intercept das mensagens trocadas entre os integrantes da Força Tarefa e Moro, não teriam tido o impacto que produziram se essa suspeita não estivesse no ar. Na sequência, as candidaturas de Moro ao Senado e Dallagnol à Câmara dos Deputados, deram ainda mais razão a seus inimigos políticos.

A cassação do mandato de Deltan Dallagnol não é o primeiro e nem será o último capítulo da reação do sistema político e judicial à Lava Jato. Os danos às carreiras do ex-procurador – e muito provavelmente de Sérgio Moro – são o lado mais visível desse processo, embora sejam as consequências de menor impacto.

A ambição eleitoral de Dallagnol e de Moro, e sua aliança com bolsonarismo, deram os argumentos que fundamentaram todas as decisões judiciais que anularam as condenações no maior escândalo de corrupção de nossa história.

Mais do que isso, o envolvimento do ex-procurador e do ex-juiz na política também serviram de base para a demonização do sistema de combate à corrupção e a aprovação de uma série de normas e jurisprudências que enfraqueceram os instrumentos de controle, do esvaziamento da lei de improbidade administrativa à retirada da competência da Justiça comum para apreciar casos de corrupção travestida de caixa dois eleitoral.

Ainda levaremos anos para compreender tudo o que aconteceu depois da Lava Jato no Brasil, mas os casos de Dallagnol e Moro oferecem pelo menos uma lição imediata para nosso aprimoramento institucional.

A fim de se aumentar o custo da espetacularização política das ações de autoridades e reduzir os incentivos para a alavancagem eleitoral de suas carreiras, fica muito evidente a necessidade da imposição de uma quarentena longa para a candidatura de agentes públicos como procuradores, magistrados, membros de Tribunais de Contas, fiscais e militares.

Ironicamente, a aprovação de uma legislação impondo uma quarentena para que agentes políticos possam disputar eleições poderia ser um legado positivo que a entrada frustrada de Deltan Dallagnol na política poderia deixar para o país.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor do livro 'Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro'