Valor Econômico
Fim prematuro da carreira do ex procurador
da Lava Jato poderia deixar um legado para o país
A imagem do powerpoint virou meme, mas ela
esconde uma lição para o combate à corrupção no Brasil. A cassação de Deltan
Dallagnol, em muitos sentidos, remonta àquele 14 de setembro de 2016. Olhando
retrospectivamente, o slide com círculos, setas e Lula no centro foi o primeiro
erro crucial da Operação Lava Jato.
Os procuradores, policiais federais e
fiscais da Receita, além do próprio ex-juiz federal Sérgio Moro, nunca
esconderam que a Operação Mãos Limpas italiana foi o modelo seguido pela Força
Tarefa de Curitiba para investigar e condenar os envolvidos no maior escândalo
de corrupção já descoberto no Brasil.
Além do uso de novos e velhos instrumentos
como conduções coercitivas e acordos de colaboração premiada, os integrantes da
Lava Jato se valeram da espetacularização das ações e a comunicação ostensiva
na imprensa e nas redes sociais para angariar apoio popular – e judicial – para
as suas ações contra os políticos e executivos de grandes empresas envolvidos.
Curiosamente, a Operação Mãos Limpas começou a perder credibilidade e sofrer retrocessos quando alguns de seus expoentes cederam ao canto da sereia da política. Por aqui aconteceu o mesmo.
Na coletiva à imprensa realizada com o
propósito de anunciar a apresentação da primeira denúncia contra Lula, no caso
do triplex do Guarujá, Deltan e seus colegas extrapolaram e foram além da
apresentação dos indícios e provas que embasavam a ação.
O famoso slide, em que o nome Lula aparece
como um alvo na mira de acusações como “mensalão”, “petrolão + propinocracia”,
“poder de decisão”, “governabilidade corrompida”, “maior beneficiado” e
“enriquecimento ilícito”, foi visto por muitos como a face mais evidente de que
a Força Tarefa tinha um objetivo político, e não apenas técnico-investigativo.
A crítica sobre o uso da Lava Jato para
fins eleitorais mudou de patamar com o segundo erro fundamental de seus
integrantes: a decisão do juiz Sérgio Moro de abandonar a magistratura para se
tornar Ministro da Justiça do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro. Ao deixar
os casos da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba para se juntar àquele que
mais encarnou os discursos antipetista e contra o sistema político, Moro deu
ainda mais motivos para se duvidar da isenção de toda a Operação.
A reação à Lava
Jato ganhou força no momento em que seus mais célebres personagens – Deltan
Dallagnol, pelo lado da acusação, e Sergio Moro, como juiz – deixaram
transparecer que poderiam ter um projeto político pessoal, ocupando um espaço
provocado pelas suas próprias ações e se aproximando de Bolsonaro.
As revelações da Vaza Jato, com a
divulgação pelo site The Intercept das mensagens trocadas entre os integrantes
da Força Tarefa e Moro, não teriam tido o impacto que produziram se essa
suspeita não estivesse no ar. Na sequência, as candidaturas de Moro ao Senado e
Dallagnol à Câmara dos Deputados, deram ainda mais razão a seus inimigos
políticos.
A cassação do
mandato de Deltan Dallagnol não é o primeiro e nem será o último capítulo da
reação do sistema político e judicial à Lava Jato. Os danos às carreiras do
ex-procurador – e muito provavelmente de Sérgio Moro – são o lado mais visível
desse processo, embora sejam as consequências de menor impacto.
A ambição eleitoral de Dallagnol e de Moro,
e sua aliança com bolsonarismo, deram os argumentos que fundamentaram todas as
decisões judiciais que anularam as condenações no maior escândalo de corrupção
de nossa história.
Mais do que isso, o envolvimento do
ex-procurador e do ex-juiz na política também serviram de base para a demonização
do sistema de combate à corrupção e a aprovação de uma série de normas e
jurisprudências que enfraqueceram os instrumentos de controle, do esvaziamento
da lei de improbidade administrativa à retirada da competência da Justiça comum
para apreciar casos de corrupção travestida de caixa dois eleitoral.
Ainda levaremos anos para compreender tudo
o que aconteceu depois da Lava Jato no Brasil, mas os casos de Dallagnol e Moro
oferecem pelo menos uma lição imediata para nosso aprimoramento institucional.
A fim de se
aumentar o custo da espetacularização política das ações de autoridades e
reduzir os incentivos para a alavancagem eleitoral de suas carreiras, fica
muito evidente a necessidade da imposição de uma quarentena longa para a
candidatura de agentes públicos como procuradores, magistrados, membros de
Tribunais de Contas, fiscais e militares.
Ironicamente, a aprovação de uma legislação
impondo uma quarentena para que agentes políticos possam disputar eleições
poderia ser um legado positivo que a entrada frustrada de Deltan Dallagnol na
política poderia deixar para o país.
*Bruno Carazza é professor associado da
Fundação Dom Cabral e autor do livro 'Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro'
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