PEC aprovada na Câmara é apenas o primeiro passo
O Globo
Nenhuma reforma é tão complexa, desafiadora
e transformadora quanto a tributária. O trabalho mal começou
A aprovação da reforma
tributária na Câmara dá um passo fundamental para a reformulação do
caótico sistema de impostos brasileiro. É apenas o primeiro, porém. A Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 45 traça um plano de transição até 2033 para a
nova estrutura de tributos. Ele terá de ser seguido à risca. Fora isso, ainda
há imperfeições que devem ser corrigidas.
Uma vez que a PEC esteja aprovada no Senado, o primeiro desafio será técnico. Para os dois novos impostos criados — CBS e IBS —, será necessário desenvolver um mecanismo automático de créditos, por meio do qual as empresas possam descontar do que recolherem aquilo que outras já pagaram — só o consumidor final pagará a alíquota cheia. Tais compensações precisam ser implementadas num sistema eletrônico capaz de integrar instâncias fiscais de todo o país. Não será trivial.
Com base nos dados desse sistema deverão
ser estimadas as alíquotas, de modo a não elevar a carga tributária, e a
distribuição dos fundos criados para ressarcir entes federativos que perderem
arrecadação. Caberá a leis complementares determinar não apenas as alíquotas ao
longo e ao final da transição, mas o funcionamento do Conselho Federativo que
cuidará da distribuição desses fundos, por um período estipulado inicialmente
em 50 anos.
O texto da PEC deixa para leis
complementares tarefas fundamentais, como regras para os setores financeiro,
imobiliário, de seguros, planos de saúde e loterias. Ou o critério para
cobrança no destino no caso de serviços. Ou os alvos e alíquotas do imposto
seletivo, criado para punir o consumo de produtos nocivos como álcool ou
cigarro. Ou ainda os produtos da cesta básica, contemplada com isenção (medida
injusta, pois beneficia indiscriminadamente qualquer consumidor, pobre, rico ou
de classe média). Ou mesmo as regras para processos administrativos.
Para facilitar a tramitação, o texto foi
infestado de exceções: saúde, educação, combustíveis, meios de transporte de
todo tipo, atividades artísticas, produtos para deficientes físicos, higiene
pessoal, saúde menstrual etc. Para não falar da manutenção da Zona Franca de
Manaus (equívoco não apenas tributário). É fundamental, com o tempo, verificar
o que se justifica. Embora alíquotas reduzidas não sejam equivalentes aos
regimes especiais em vigor, para mantê-las será necessário elevar a carga dos
demais setores. Privilégios de uns sempre custam para outros.
A reforma prevê apresentação, em 180 dias,
de projeto para redesenhar o Imposto de Renda. Nesse momento, mais importante
que discutir fetiches da esquerda, como taxação de grandes fortunas ou
heranças, será extinguir privilégios inaceitáveis que persistem em regimes
especiais, como lucro presumido ou Simples, garantindo impostos baixíssimos a
uma elite de profissionais como médicos ou advogados.
Nenhuma reforma é tão complexa, desafiadora
e transformadora quanto a dos impostos. Talvez a sociedade brasileira não se dê
conta do sinal de maturidade institucional transmitido pela Câmara ao aprovar a
PEC 45. Ela traça um plano que coloca o Brasil num rumo virtuoso de maior
equidade tributária. Mas ele precisará ser perseguido. Ao longo do tempo, a
transparência trazida pelos novos tributos deixará evidente a injustiça de
exceções e regimes especiais. Se tiver a coragem de enfrentá-los, o Congresso
atual mostrará ser um dos melhores de todos.
Uso de câmeras nas fardas será benéfico
para polícia fluminense
O Globo
Determinação do STF contribui para maior
transparência e redução da letalidade policial
Fará bem à segurança do Rio o uso de
câmeras corporais pelas tropas de elite das polícias Militar e Civil, como
Bope, o Batalhão de Choque e Core. O equipamento já é usado desde maio de 2022
pelos agentes fluminenses, mas as forças especiais — cujas operações costumam
ser mais letais — não haviam sido incluídas no programa. Agora, por
determinação do STF, também gerarão imagens de suas ações.
O uso de câmeras pelas tropas de elite
sempre foi tratado como tabu no governo. Em sua primeira entrevista depois da
posse neste ano, o governador Cláudio Castro (PL) disse ser “radicalmente
contra” a medida e prometeu “lutar judicialmente em todas as instâncias” para
barrá-la. De acordo com ele, o equipamento seria contraproducente, pois poderia
revelar ao crime organizado técnicas, estratégias e armamentos, pondo em risco
a vida dos agentes. Outra preocupação era a possibilidade de vazamento das
imagens.
O ministro Edson Fachin, relator da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como
ADPF das Favelas, reconheceu que as câmeras podem prejudicar certas atividades
de inteligência, mas argumentou que não necessariamente todas as operações das
forças especiais. Diante da decisão do STF, uma resolução conjunta das polícias
Civil e Militar determinará em que circunstâncias as tropas de elite poderão
dispensar o equipamento e como serão feitos a gestão, o compartilhamento e os
pedidos de acesso às imagens.
Ainda que as câmeras sejam dispensadas em
determinadas situações, a ação da polícia fluminense ganhará transparência com
a inclusão das forças especiais. Não fazia sentido instalar o equipamento em
quase todos os batalhões e deixar de fora justamente aqueles que apresentam
maior índice de letalidade. O argumento, legítimo, de preservar a vida dos
agentes não pode servir para encobrir a truculência que marca as ações
policiais no Rio.
Do ponto de vista científico, está mais que
demonstrado, no mundo todo, como o uso de câmeras nas fardas é benéfico tanto
para a sociedade quanto para os próprios agentes. Uma pesquisa do Unicef e do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, com a implantação do
equipamento em São Paulo, a letalidade policial caiu 62,7% (de 697 mortes em
2019 para 260 em 2022). Um estudo da Fundação Getulio Vargas corrobora os
ganhos para a segurança. As câmeras evitaram 104 mortes entre julho de 2021 e
julho de 2022, além de levar a um aumento de 24% na apreensão de armas.
Ninguém pode ser contra maior transparência
nas ações de segurança. É um equívoco achar que as câmeras restringem o
trabalho da polícia. Isso só seria verdadeiro se ela sistematicamente violasse a
lei. As câmeras mostrarão apenas o que acontecer, nem mais nem menos. As
imagens ficarão sob gestão da própria corporação e só serão publicadas em caso
de necessidade, mediante critérios para preservar privacidade e segurança.
Serão de enorme valia para esclarecer fatos nebulosos em investigações da
própria polícia. Não há o que temer.
Renda agrícola deve cair e desacelerar a
economia
Valor Econômico
A reversão da renda agrícola deve levar os
juros a caírem mais do que o previsto
O desempenho da agropecuária não só fez o
PIB do primeiro trimestre crescer mais que o esperado, 2,9%, como também é um
dos maiores impulsionadores do mega saldo de R$ 45,5 bilhões da balança
comercial brasileira no primeiro trimestre. Mas o presidente Lula não deverá
ter ventos tão favoráveis como em seu primeiro mandato, com a explosão dos
preços das commodities empurrada pelo fantástico crescimento da China na
primeira década do século. A renda da agropecuária, que puxa a expansão
econômica, vai diminuir um pouco em 2023 e mais em 2024, quando os analistas
projetam um PIB menor.
Os números da balança comercial indicam que
os preços deixaram de ser favoráveis para os produtos da agropecuária no
mercado externo no primeiro trimestre - a mesma coisa ocorreu também para os
bens oriundos da indústria extrativa e de transformação. Os preços obtidos
pelas exportações agropecuárias recuaram 3,4% no período, mas foram compensados
por um aumento expressivo no volume vendido, de 15,2%. Este fator desfavorável
foi ainda mais acentuado na indústria extrativa, cujas commodities tiveram
preços 19,5% menores, e volume exportado de 20,2%, insuficiente para que o
valor obtido com as vendas deixasse de ser negativo, de 3,4%. A indústria de
transformação não teve nem avanço no volume nem em preços, registrando
praticamente estabilidade no valor (0,1%).
As exportações de manufaturados
estacionaram - US$ 86,6 bilhões de janeiro a junho, ante US$ 86,4 bilhões no
mesmo período de 2022 - com queda nas vendas a seus principais mercados, como
Estados Unidos (-1,7%) e União Europeia (-7,7%). A exceção, no caso, foi a
exportação para a Argentina, que cresceu 26,5% no período. Para o resultado
como um todo, as commodities, especialmente agropecuárias, contribuíram com o
grosso do saldo. As vendas para China, Hong Kong e Macau e resto da Ásia
(excluindo Oriente Médio) somaram 44,3% do total exportado. A China, nosso
maior mercado comprador de bens primários, garantiu US$ 30 bilhões do saldo
comercial do semestre (US$ 45,5 bilhões).
A previsão oficial de superávit comercial
no ano é de US$ 84,7 bilhões, 28% superior ao do ano passado. A performance da
agropecuária causou um choque de renda positivo de 2,4% do PIB ao ano, ou de
cerca de 8% do fim de 2021 ao primeiro trimestre do ano, segundo o Bráulio
Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (FGV Ibre) e consultor da LCA Consultores, em estudo divulgado pela
Carta do Ibre de julho (Valor, 6 de julho).
Segundo Borges, a renda total criada pelos
setores de commodities no Brasil variava de 3% a 3,5% do PIB em 2019-2020, mas
no período de 2021 ao primeiro trimestre de 2023 cresceu para 7,5% a 8% do PIB.
O choque de renda das commodities teve magnitude semelhante ao da explosão dos
preços desses bens entre 1999-2011 - no pico do ciclo, a participação delas na
renda foi de 5% do PIB -, com a diferença de que agora esse efeito positivo foi
concentrado em um par de anos e não deve ter continuidade, segundo o
economista.
Borges calculou que o valor adicionado a
preços básicos da agropecuária (equivalente ao PIB descontados os impostos) foi
de 7% a 8% valor total da economia na média de 2017 a 2019 para 13,5% na média
desde o fim de 2020. Em 2021, o VAPB do agro somou R$ 727 bilhões e o da
indústria extrativa, R$ 454 bilhões. Seus efeitos de disseminação econômicos,
porém, são distintos. A renda do setor extrativo tem um multiplicador um, ou
seja, esgota-se no investimento em si e é transferido para a sociedade via
lucros. No caso da renda agrícola, a cadeia de efeitos é maior assim como seu
multiplicador, que é de quase dois, ou seja um impulso de R$ 1 de renda criada
acrescenta quase R$ 2 na economia por meio dos negócios propiciados pelo
acréscimo na cadeia de fornecedores, distribuidores, transportadores,
fabricantes de insumos, contratação de mão de obra etc.
A renda gerada pelas commodities
agropecuárias contou a seu favor, em 2021 e 2022, com aumento de preços e
depreciação cambial, mas esses dois fatores parecem ter ficado para trás. “Boa
parte do salto da renda aconteceu por preço e não por quantidade”, afirma
Borges. Agora, há queda de preços, apreciação cambial e aumento dos volumes.
Com isso, a renda deve se reduzir a R$ 630 bilhões este ano e R$ 625 bilhões em
2024. Com a reversão, o PIB cresceria só 0,5% no ano que vem, considerando-se
apenas o comportamento da renda com commodities agrícolas.
Em outros cálculos, para outros fins, o Banco Central identifica efeitos igualmente poderosos da renda agropecuária. No relatório de inflação de junho, o Banco Central aponta que o “Valor Adicionado Bruto (VAB), excluindo-se a agropecuária, cresceu 0,1%, no primeiro trimestre, com recuo de 0,1% da indústria e avanço de 0,6% no setor de serviços”. O BC também prevê desaceleração na economia. Borges vê outras consequências: a reversão da renda agrícola deve levar os juros a caírem mais do que o previsto.
O sul da confusão
Folha de S. Paulo
Crise do Mercosul ganha novo capítulo com
ameaça uruguaia e emergência argentina
Os chefes de
Estado do Mercosul reuniram-se na terça (4) em Puerto Iguazú com
uma boa novidade, em meio ao agravamento da crise crônica de ineficiência do
bloco.
A alvíssara foi a retomada do hábito
civilizado de sentarem-se à mesa os quatro presidentes das nações fundadoras
—Brasil, a anfitriã Argentina, Paraguai e Uruguai. Ponto para a diplomacia de
normalização empreendida pelo governante brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), após os estragos da passagem de Jair Bolsonaro (PL).
A ameaça de rompimento do Uruguai respondeu
pela piora do drama que há décadas frustra a promessa de que a união aduaneira
traria vantagens substanciais e crescentes aos sócios do bloco.
O presidente
uruguaio, Luis Lacalle Pou, recusou-se a assinar o comunicado final do
encontro na cidade argentina situada na Tríplice Fronteira. Ele pleiteia
licença para fechar um acordo bilateral com a China, o que Brasil e Argentina
enxergam como infactível, dadas as regras da associação do Mercosul.
O problema é que as duas maiores economias
do bloco não oferecem resposta convincente ao argumento uruguaio de que,
passados mais de 30 anos de sua fundação, o Mercosul não selou nenhum acordo
relevante com outros países ou associações nacionais do planeta.
A sempre postergada aliança com a União
Europeia, para materializar-se, vai precisar de um longo e incerto processo de
negociações e ratificações pelos governos de cada uma das dezenas de nações
envolvidas. Não está no horizonte visível o final desse longo percurso.
A própria Argentina atravessa mais um de
seus cataclismos de financiamento externo periódicos, com inflação fora de
controle e riscos elevadíssimos de insolvência. O presidente Alberto Fernández,
às vésperas de uma eleição nacional, empenha-se em aplicar remendos que pelo
menos adiem o estouro dos diques. Pede socorro ao FMI e ao governo brasileiro.
O Mercosul perdeu-se quando tentou dar um
salto maior que as suas pernas. Em vez de trabalhar para consolidar o livre
comércio entre os parceiros e deixá-los liberados para fazer as suas alianças
externas, pretendeu tornar-se uma união aduaneira, que funciona como uma só
nação na hora de negociar acordos com terceiros.
O bloco não avança, como atesta a
pasmaceira de suas alianças externas, nem deixa os seus membros avançarem
individualmente.
Já a retórica e as bravatas politiqueiras
dentro da associação não têm limites. Enquanto os modelos econômicos de Brasil
e Argentina se apartam como o óleo da água, Lula repisa a ideia de uma moeda
comum no âmbito do Mercosul.
É como discutir o sexo dos anjos com
bárbaros às portas da cidade.
Evoé, Zé Celso!
Folha de S. Paulo
Grande diretor sai de cena, mas deixa legado
inventivo nas artes e na política
A morte de José Celso Martinez Corrêa
subtrai da cena cultural brasileira uma personalidade exuberante, que
permanecia inquieta e em atividade aos seus 86 anos.
Nome de enorme relevância na dramaturgia e
na cultura do país, o criador do grupo Oficina era ele mesmo, em sua presença
dionisíaca, a alma e a ativação das ideias estéticas e políticas que encenava
com inventividade revolucionária.
Criado no final da década de 1950, com
participação de nomes como Renato Borghi e Fauzi Arap, o teatro Oficina marcou
época em 1967 com a apresentação de "O Rei da Vela", peça
escrita pelo modernista Oswald de Andrade nos anos 1930.
Numa explosão de referências e alegorias,
que iam do universo operístico ao circense, passando pelo teatro de revista, a
montagem tornou-se um clássico do tropicalismo —movimento estético que eclodiu
na música popular com Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Foi uma época em que a efervescência da
produção cultural viu-se diante da onda autoritária que se seguiu ao golpe
militar de 1964.
A encenação, sob a direção de Zé Celso, da
peça "Roda Viva", em 1968, a primeira escrita por Chico Buarque, foi
alvo de violentas agressões por parte de grupos da direita reacionária. O teatro já
havia sido consumido por um incêndio, em 1966, que o diretor
atribuiu a apoiadores do regime.
Com a promulgação do AI-5, em dezembro de
1968, e o endurecimento da repressão política, as prisões se sucederam e muitos
foram forçados ao exílio.
Foi o caso do diretor, que, após ser preso
e torturado por agentes da ditadura, deixou o país em 1974 para viver em
Portugal. No período de desterro, realizou o filme "25", com Celso
Lucas, sobre a independência de Moçambique e questões relativas ao futuro
pós-colonial.
De volta ao Brasil, em 1978, retomou as
atividades do Oficina, renovou suas experiências teatrais e esteve sempre
presente na vida artística e política do país.
O diretor deixa um legado que se ressentirá
de sua animação vital, mas que permanecerá
na história e na atuação de gerações de artistas, encenadores e admiradores que
ele formou e influenciou ao longo de décadas.
O prédio do Oficina, com projeto da arquiteta Lina Bo Bardi, ganhou reconhecimento internacional e será mantido como patrimônio arquitetônico e cultural tombado pelo estado e pela cidade de São Paulo. Evoé, Zé Celso!
O dever de regular as redes sociais
O Estado de S. Paulo
Lobby das big techs é parte da vida
democrática, mas não pode impedir o Congresso de fazer seu trabalho: o País
continua necessitado de uma adequada regulação das redes sociais
O Estadão relatou como o Google e a Meta –
dona do Facebook, WhatsApp e Instagram – atuaram junto aos parlamentares para
que o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, o PL das Fake News, fosse retirado da
pauta de votação da Câmara. Especialmente intenso durante duas semanas, o lobby
das empresas de tecnologia surtiu efeito. Segundo o jornal, ao menos 33
deputados mudaram de posicionamento entre a aprovação do requerimento de
urgência do PL 2.630/2020, no dia 19 de abril, e a retirada de pauta, no dia 2
de maio.
A mobilização política promovida pelas big
techs em torno ao PL das Fake News despertou controvérsias. Para o presidente
da Câmara, Arthur Lira, ela ultrapassou “os limites do contraditório
democrático”. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), chegou a estabelecer, por liminar, o que o Google e outras empresas
poderiam dizer sobre o projeto de lei, o que representou evidente abuso. No
Estado Democrático de Direito, juiz não é árbitro do debate público. Por sua
vez, a Polícia Federal abriu investigação para apurar a conduta do Google no
caso. Segundo Marcelo Oliveira Lacerda, diretor de Relações Governamentais e
Políticas Públicas do Google, a empresa gastou R$ 2 milhões na campanha contra
o projeto.
Se há indícios de alguma ilegalidade, é
necessário, por óbvio, apurá-los. De toda forma, faz parte do jogo democrático
o lobby de empresas, organizações da sociedade civil e grupos de interesse. Da
mesma forma, também faz parte da vida legislativa – portanto, não deve ser
motivo de escândalo – que um projeto de lei seja retirado de pauta, em razão de
algum tipo de pressão. E o mesmo se deve dizer da mudança de posicionamento de
parlamentares em relação ao PL 2.630/2020. É assim que o regime democrático funciona.
Mais do que uma deficiência em si, os
efeitos do lobby das big techs sobre a tramitação do PL das Fake News revelam
um Congresso permeável às influências da sociedade civil, o que, a princípio, é
positivo. O Legislativo não pode ser indiferente à sociedade. Outra questão se
refere ao modo como essa pressão sobre o Congresso é feita. Certamente não é
positivo para o regime democrático que o debate público seja tomado por
desinformação, suscitando falsos e desproporcionais medos na população. Nesse
caso, em vez de liberdade, haveria manipulação e dominação.
Não existem respostas fáceis para essas
tensões. Há, no entanto, alguns princípios fundadores que não podem ser
esquecidos. Há liberdade de expressão no País. Um juiz não tem competência para
arbitrar o que pode ser dito no debate público. Por outro lado, a convivência
social pacífica – o que inclui o exercício das liberdades individuais – demanda
um mínimo de regulação jurídica. Demanda a lei.
A própria trajetória da tramitação do PL
das Fake News ilustra a necessidade de um marco regulatório adequado para as
redes sociais. Não para autorizar que o ministro Alexandre de Moraes faça o que
fez – o que é inconstitucional –, mas para proporcionar um ambiente em que os
direitos de todos sejam respeitados, sem a prevalência do poder de alguns sobre
todos os demais. A ausência de normas jurídicas adequadas impede a devida
responsabilização, com a vigência da lei do mais forte.
Em artigo no Estadão (‘Fake news’, censura
e anonimato, de 2/6/2023), Afranio Affonso Ferreira Neto advertiu que o cenário
atual das redes sociais, sem a devida identificação dos usuários, constitui “a
irresponsabilidade do descarado e lucrativo anonimato”, o que contraria a
Constituição. “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”,
diz o art. 5.º, IV.
É necessário retomar a tramitação do
projeto de lei sobre a regulação das redes sociais. O lobby faz parte da vida
democrática. Mas não faz parte da vida democrática que o Congresso, órgão por
excelência da representação popular, fique refém de algum lobby. A retirada de
pauta do PL 2.630/2020 não pode significar o abandono do projeto. O País
continua carente de um marco adequado. O Congresso tem uma tarefa importante a
cumprir.
O atraso à espreita
O Estado de S. Paulo
Nova política de compras governamentais
repete velha fórmula de proteger a indústria nacional a título de gerar
empregos. Só funcionará agora se não desestimular a competitividade
O governo Lula da Silva pretende criar um
comitê interministerial para discutir a política de compras públicas. O grupo
terá a missão de discutir as regras para aquisição de produtos e serviços nas
contratações da nova edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As
atividades da comissão também estarão ligadas à política de reindustrialização
a ser lançada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços (Mdic), ou “neoindustrialização”, como diz o vice-presidente Geraldo
Alckmin.
Até aí, pode-se dizer que o governo não
inovou. Há dois anos, sob a presidência de Joe Biden, os Estados Unidos
lançaram o programa “Buy American”. Iniciativas semelhantes já foram executadas
muitas vezes por governos republicanos e democratas. Tais políticas podem
causar impactos relevantes na economia e na geração de empregos e, por essa
razão, são acompanhadas com lupa por outros países, pelo temor de que elas
sejam usadas como desculpa para a adoção de medidas protecionistas.
No caso brasileiro, os antecedentes não são
muito abonadores. Comissão semelhante foi criada em 2011, durante a
administração Dilma Rousseff. À época, o mecanismo era chamado de “margem de
preferência” e permitia ao governo pagar até 25% a mais por produtos e serviços
nacionais nas licitações públicas – sob a justificativa de elevar investimentos,
aumentar a competitividade, gerar empregos, incentivar a inovação tecnológica e
privilegiar setores com capacidade de trazer dinamismo à economia.
Como costumamos alertar neste espaço, mais
importante do que uma boa ideia é sua implementação, sobretudo em se tratando
de políticas públicas. Em outras palavras: de boas intenções, o inferno está
cheio. Em 2011, por meio desse instrumento, o País aceitou pagar 20% a mais nas
compras de confecções e calçados produzidos localmente, aí incluídos tênis, bonés
e boinas militares. Como bem se sabe, tal política foi incapaz de trazer
dinamismo à indústria de transformação.
O comitê interministerial de compras
públicas deixou de existir em 2020, por meio de um dos “revogaços” adotados
pelo governo Jair Bolsonaro. O decreto que recriará o grupo ainda não foi
publicado, mas, segundo o Estadão, prevê assentos para os ministros do Mdic, da
Casa Civil, da Fazenda, da Ciência e Tecnologia e da Gestão, além da
presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os
membros do comitê, ainda de acordo com a reportagem, poderão sugerir políticas
de incentivo a setores específicos, via crédito ou subsídio.
Eis aqui o maior desafio ao sucesso desse
tipo de política. Uma coisa é definir os princípios do programa e, com base
neles, selecionar setores, produtos e serviços que nele se enquadram.
Outra é selecionar os setores, produtos e
serviços previamente para só depois definir os princípios do mecanismo – mesmo
tipo de pensamento que esteve por trás da fracassada política dos “campeões
nacionais”, que irrigou empresas com crédito barato do BNDES à custa do Tesouro
Nacional.
Uma vez que a decisão de resgatar o comitê
já foi tomada pelo governo, espera-se que desta vez os trabalhos sejam
norteados por diretrizes capazes de modernizar a indústria e aumentar sua
produtividade, mas principalmente resultar em reais benefícios à sociedade.
Entre os eixos que podem ser alvo da política, segundo a reportagem, está a
saúde. De fato, as dificuldades que o País enfrentou ao longo da pandemia
seriam ainda maiores não fossem a Fiocruz e o Instituto Butantan. A depender da
forma como isso seria feito, ampliar a autonomia na fabricação de vacinas pode
ser algo defensável.
O risco está em usar essa política para
restringir ainda mais as importações e proteger setores pouco competitivos
drenando recursos públicos. Isso seria repetir o passado, quando tudo que o
País precisa é olhar para o futuro, inspirar-se nas experiências bem-sucedidas
de um agronegócio cada vez mais eficiente e competitivo e considerar as
oportunidades criadas pela transição energética, uma agenda que o Brasil tem
plena condição de liderar.
Maduro, o candidato único
O Estado de S. Paulo
Como sempre, o ditador venezuelano alija da
disputa eleitoral seu mais forte opositor
A Controladoria-Geral da Venezuela, órgão
de controle fiscal do governo de Nicolás Maduro, tornou inelegível, no fim do
mês passado, a ex-deputada María Corina Machado, pré-candidata da oposição às
eleições presidenciais do ano que vem.
Já se tornou uma tradição: sempre que
aparece um opositor com alguma chance de desafiar sua permanência no poder,
Maduro põe para funcionar sua formidável máquina autoritária para inviabilizar
a ousadia. Assim, a eleição venezuelana não passa de uma farsa, encenada apenas
para dar verniz de legitimidade à tirania chavista.
A inelegibilidade de María Corina, a voz
mais radical da oposição venezuelana, deu-se sob o argumento de que houve
irregularidades em seu mandato como deputada. Não houve processo, nem
administrativo nem judicial, no qual lhe fosse garantido amplo direito de
defesa. O que se viu foi apenas a determinação de um órgão fiscal do Executivo.
Quinze dias antes, todos os integrantes do
Conselho Nacional Eleitoral (CNE), responsável por organizar as eleições
primárias da oposição, renunciaram, sem maiores explicações. A rigor, o CNE
está desfeito sem haver clareza sobre sua renovação a tempo de supervisionar a
escolha do candidato de oposição.
Sem o comando do CNE, a Plataforma
Unitária, composta pelos partidos de oposição, declarou-se empenhada em
realizar as primárias de qualquer maneira. Não é preciso ser catedrático em
política bolivariana para entender a tática de Maduro de deslegitimar o
resultado das primárias – ainda mais se o nome escolhido for considerado
inelegível por seu regime – ou de competir contra um opositor de menor
envergadura.
Por ter se dado num regime de exceção, a
condenação a María Corina nada teve de excepcional. Nos últimos anos, três
outros expoentes da oposição foram declarados inelegíveis: Henrique Capriles,
Freddy Superlano e Juan Guaidó, hoje autoexilado nos Estados Unidos. O
histórico de eleições no país desde a ascensão de Maduro ao poder, há dez anos,
reduz a expectativa, já bastante diminuta, de que o pleito de 2024 não seja
eivado de fraudes. Inúmeros exemplos dessas práticas foram observados na
reeleição de Maduro, em 2018, por organismos internacionais e pelo Observatório
Eleitoral Venezuelano.
A arquitetura autoritária construída por
Hugo Chávez, reforçada por seu pupilo Maduro, favorece esse cenário, tornando a
fraude uma consequência natural. Há tempos o Legislativo, o Judiciário e a
imprensa perderam sua autonomia para se tornarem braços do regime. Já o aparato
de repressão do Estado, inclusive as milícias paramilitares, certamente estará
ativo ao longo do processo eleitoral, como já se viu em todas as votações anteriores
sob o chavismo.
Ou seja, nada de novo na Venezuela chavista. Não há contorcionismo retórico nem teoria da relatividade imoral que impeçam o mundo de ver o que só fanáticos ou desonestos dizem não enxergar: que a “democracia” venezuelana não existe senão como fachada para a tirania de Maduro, cuja máquina ditatorial é programada para matar, no nascedouro, qualquer chance de a oposição desafiar seu poder.
Robôs como suporte à saúde
Correio Braziliense
Um recente estudo feito pela Jama Medicina
Interna, com pacientes atendidos por médicos humanos e pela ferramenta GPT,
mostrou a agilidade e a acurácia das máquinas ao fazer diagnósticos médicos
Na maioria dos países que vivenciaram a
pandemia da covid-19, a relação de dependência das pessoas com a tecnologia
cresceu em ritmo exponencial, especialmente nos dois primeiros anos — 2020/2021
—, quando o isolamento social tornou-se premissa para evitar a disseminação da
doença.
Assim como as autoridades e os
profissionais em saúde foram postos à prova, com equipes na linha de frente,
tentando suspender a avalanche de mortes que se somavam em vários estados
brasileiros, foram intensificados também múltiplos usos da tecnologia, a
exemplo da telemedicina e do aperfeiçoamento da Inteligência Artificial (IA).
ChatGPT, Bard, Perplexity AI, Wechat, enfim, a chamada IA Generativa — tipo de
sistema de IA capaz de gerar texto, imagens ou outras linguagens em resposta a
solicitações de usuários — passa por uma revolução com a criação de novos
conteúdos, de forma rápida e assertiva, inclusive na área de saúde.
Um recente estudo feito pela Jama Medicina
Interna, com pacientes atendidos por médicos humanos e pela ferramenta GPT,
mostrou a agilidade e a acurácia das máquinas ao fazer diagnósticos médicos.
Embora não soubessem que estavam conversando com uma IA, 80% das pessoas
preferiram o atendimento feito pelo robô.
Recentemente, o Google anunciou a evolução
de sua plataforma de Inteligência Artificial e seu próprio modelo de linguagem,
o PaLM (para concorrer com o GPT, da OpenAI, e com o LlaMA, da Meta). A empresa
global ressaltou que, entre as várias áreas que estão usando, existe uma
específica para o atendimento médico: o Med-PaLM-2, que passou com excelência
no exame de proficiência americano. A ferramenta foi testada por médicos
especialistas e é capaz de ler exames (inclusive de raio-X), resumir conceitos
e elaborar relatórios médicos. Além disso, a inteligência artificial permite a
utilização das técnicas de machine learning e redes neurais, as quais
possibilitam a leitura de exames de imagem, como raio-X e ressonância
magnética, e a leitura de exames como o ecocardiograma.
Na saúde, a IA funciona como uma enciclopédia.
Existe uma base de dados com grande parte de diagnósticos feitos em determinado
hospital e que estejam registrados em sistema, detalhando o histórico dos
pacientes. Esses dados são cruzados de livros de medicina, de todo o Catálogo
Internacional de Doenças. Assim, a IA reconhece e identifica sinais, sintomas e
exames e, a partir daí, recomenda o diagnóstico mais provável.
Um dos principais ganhos na aplicação da IA
na saúde refere-se à chamada personalização em escala, ou seja, a possibilidade
de prestar um atendimento personalizado, com qualidade, para uma grande
quantidade de pessoas. Mas o detalhe é que nem mesmo quem criou esses aparatos
tecnológicos tem certeza de onde tudo isso vai parar. Prova disso é que, em
maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta de que é preciso
muita cautela ao usar as novas linguagens em busca de diagnósticos e
tratamentos.
Antes mesmo de pensarmos na capacidade de um robô fazer um diagnóstico médico e, além disso, ser responsabilizado por isso, é imperativo pensar na IA como um apoio na produtividade, na realização do pré-diagnóstico, de forma que ajude o profissional de saúde, o qual deve ser responsável e sempre checar todas as informações passadas pela máquina antes de realizar um atendimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário