Valor Econômico
O mais provável é que uma nova era de mais crescimento e menos inflação se consolide no segundo semestre
George Akerlof, professor na Universidade
da Califórnia, Berkeley, ganhou o Nobel em economia em 2001. Robert Shiller dá
aula na Universidade de Yale e recebeu o Nobel em economia em 2013. Juntos,
escreveram “Animal Spirits: How human psychology drives the economy, and why it
matters for global capitalism” (Princeton University Press, 2009).
O livro, como sugere o título, é um esforço de trazer ensinamentos da economia comportamental, em geral trabalhada no campo da microeconomia, para a discussão de temas macroeconômicos, como os ciclos econômicos. Não é um desafio trivial, pois muito do que se sabe sobre os vieses cognitivos em que se baseiam as análises nessa área - e algumas políticas, como as de perfil regulatório - é baseado em estudos sobre o comportamento individual, o que não se transmite tão diretamente para o espaço coletivo.
A ideia central do livro pode ser, em
parte, assim resumida: “A mente humana é construída para pensar em termos de
narrativas, de sequências de eventos com uma lógica interna e dinâmica que
aparecem como um todo unificado (...). A confiança de uma nação, ou de qualquer
grande grupo, tende a girar em torno de histórias. De particular relevância são
as histórias de uma nova era, aquelas que pretendem descrever mudanças
históricas que impulsionarão a economia para uma era totalmente nova (...). A
confiança não é apenas o estado emocional de um indivíduo. É uma visão da
confiança alheia, e das percepções alheias sobre a confiança alheia. É também
uma visão do mundo - um modelo popular de eventos atuais, uma compreensão
pública do mecanismo de mudança econômica conforme informado pela mídia e pelas
discussões populares”.
Lembrei dessas ideias de Akerlof e Shiller
ao pensar sobre como está se dando a virada de semestre para a economia
brasileira. Em especial, do notável aumento da confiança dos analistas
econômicos - e da mídia nacional, em especial - sobre para onde vai nossa
economia na segunda metade de 2023. De quedas na inflação e nos juros, à
valorização da bolsa e do real, tudo é visto como apontando para “uma nova
era”. Em que medida essa maior confiança pode levar a uma melhora do desempenho
econômico?
A atual narrativa sobre nossa economia foi
construída, penso, em torno de quatro acontecimentos, em parte desconectados.
Primeiro, o resultado muito positivo do PIB
da agropecuária e a forte queda no preço das commodities, em parte por conta da
dificuldade da economia chinesa se recuperar no pós-pandemia, diferente do
ocorrido na maioria dos países. Isso levou a significativas revisões das
projeções de crescimento, para cima, e da inflação, para baixo, em que pese a
previsão ainda ser de retração da atividade no resto do ano e de os núcleos
seguirem bem acima da meta.
Segundo, a interrupção do discurso de
reversão das reformas aprovadas em governos anteriores, que têm se mostrado
bastante benéficas. Não é claro se e por quanto tempo isso irá durar, mas pouco
se ouviu mais recentemente sobre reverter as reformas trabalhista e
previdenciária, destituir o presidente do Banco Central, reinstituir a TJLP,
reestatizar a Eletrobras etc. A resistência do Congresso a rever as reformas,
como ora se vê em relação ao marco regulatório do saneamento, foi bastante
importante. Também relevante foi manter em 3% da meta de inflação para os
próximos anos, depois de o presidente da República enfaticamente defender
elevá-la.
Com a manutenção da meta e a queda das
taxas e das projeções de inflação a Selic deve cair mais cedo e mais rápido do
que se previa antes. O mercado está comprado nessa aposta e em que isso vai
melhorar as finanças corporativas e valorizar as ações das empresas voltadas
para o mercado doméstico, compensando as quedas nas ações dos produtores de
commodities. Se acontecer, pela lógica de Akerlof e Shiller, isso vai reforçar
a retomada do crescimento.
Terceiro, a boa recepção ao novo arcabouço
fiscal, para o que também contribuíram os indicadores fiscais relativamente
favoráveis herdados do governo anterior, em especial para a razão dívida
pública/PIB. A revisão do PIB para cima e dos juros para baixo reforça o
conforto com o fiscal, em que pesem pelo menos três fatores: o forte aumento
dos gastos públicos neste e no próximo ano; o fato de a contenção dos gastos
nos anos seguintes ser apenas um promessa, que pode ser difícil de cumprir,
dado o piso de aumentos de vários itens; e, a dependência do arcabouço do
aumento da receita, com um Congresso resistente a mais impostos, corretamente,
dada nossa alta carga tributária e o ônus que ela traz ao nosso potencial de crescimento.
Quarto, o fato de que o ciclo de alta dos
juros nos EUA e na Europa, ainda que não encerrado, se aproxima do fim sem ter
gerado uma recessão. Isso tem reforçado o cenário dos sonhos dos investidores,
em que a inflação cai sem necessitar de uma contração mais significativa do
PIB. O receio de se gerar uma crise financeira deve segurar os juros, mas não
se deve afastar o risco de que a inflação não ceda e o cenário se complique.
Várias coisas podem dar errado, mas o mais
provável é que a narrativa de uma nova era de mais crescimento e menos inflação
e juros mais baixos se consolide neste segundo semestre. O cenário à frente,
porém, parece menos tranquilo.
*Armando Castelar Pinheiro é
professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e
pesquisador-associado do FGV Ibre
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