Valor Econômico
A julgar pela lista de demandas indústria
automobilística ainda vai dar muito trabalho para o governo
No início da década de 1980, sob a
liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, os metalúrgicos do ABC faziam greves
por melhores salários. Hoje, as paralisações das fábricas são conduzidas pelas
próprias empresas, sob a alegação de queda nas vendas. O enredo se inverteu.
Mas parar linhas de produção continua a ser uma forma eficaz de chamar a
atenção da sociedade e, principalmente do governo, que tem demonstrado boa
vontade na busca de soluções para amparar o setor.
Na semana passada, a Volkswagen anunciou paralisações em todas as suas fábricas do Brasil. Três dias depois o governo anunciou a liberação de mais R$ 300 milhões para o programa de incentivos fiscais para compra de carros com descontos. Outros R$ 500 milhões já haviam sido liberados no início de junho. Concedidos ao setor como créditos tributários, os recursos foram obtidos por meio da reoneração do diesel.
Imagens de pátios abarrotados de carros na
imprensa inicialmente deixaram muita gente intrigada: os R$ 500 milhões não
teriam dado conta? As empresas explicaram que como as locadoras, que são
grandes clientes, haviam ficado de fora na primeira etapa do programa, os
estoques continuaram elevados, o que levou à necessidade de suspender a
produção por um período.
O governo entendeu a situação. O ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, deu várias explicações a respeito em entrevistas.
As empresas têm instrumentos para parar
fábricas facilmente. Os dissídios coletivos já incluem cláusulas de
flexibilidade que permitem desligar as máquinas e mandar os funcionários para
casa a qualquer momento. Os métodos mais usados são suspensão temporária dos
contratos de trabalho, bancos de horas e férias coletivas.
Desde o dia 3, parte dos empregados da
General Motors em São José dos Campos (SP) também foi dispensada do trabalho. A
empresa alegou a necessidade de “medidas para ajustar a produção à demanda e
garantir a sustentabilidade do negócio”. O “layoff” vai durar cinco meses,
podendo ser prorrogado por mais cinco, segundo a empresa.
Mas a aproximação da indústria
automobilística com o governo não se limita aos incentivos fiscais para compra
de carros com desconto e os problemas de queda nas vendas. Uma vasta agenda tem
levado os representantes das montadoras a tomar cafezinho com frequência nos
gabinetes em Brasília.
Novos fabricantes chegam ao país com
interesses divergentes das empresas que estão aqui há décadas. Isso envolve,
por exemplo, a tributação de carros importados. As discussões envolvem, ainda,
o tipo de energia que vai mover os carros que vão circular no Brasil.
Para a indústria automobilística, que
passou toda a gestão de Jair Bolsonaro (PL) quase sem pisar no Palácio do
Planalto ou na Esplanada dos Ministérios por encontrar dificuldades nas agendas
dos integrantes do governo, é um deleite voltar a contar com um velho
conhecido, não só dos tempos de sindicato, mas dos dois primeiros mandatos de
Lula na Presidência. Sem contar sua influência durante o governo de Dilma
Rousseff.
Há uma nítida afinidade do atual chefe do
Executivo com um setor que o remete ao passado. Por mais que anos, décadas,
tenham se passado, trata-se de um ambiente conhecido por ele e do qual surgiram
muitas das lideranças do Partido dos Trabalhadores.
Graças a Lula, o setor voltou a ter
interlocutores no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços, extinto no governo anterior. Parecia incomodar os representantes de
montadoras ter que disputar com banqueiros, por exemplo, espaço da agenda do
ex-ministro da Economia, Paulo Guedes.
Além de demandas acumuladas no governo
anterior, a indústria precisa do governo para definições que dependem do poder
público. É o caso da futura matriz energética veicular e da política de
controle de emissões.
A transformação pela qual essa indústria
passa empolga Lula e muitos dos integrantes dos governos federal e estaduais. A
eletrificação dos carros é um tema fascinante e chama a atenção do presidente
da República e de seu vice, Geraldo Alckmin, também pela perspectiva de
acelerar pesquisa e inovação no país.
Há uma grande expectativa, por exemplo, de
que a recém-anunciada fábrica de carros elétricos na Bahia, da chinesa BYD,
afogue mágoas deixadas pela Ford, que há dois anos parou de produzir no país,
fechando todas as fábricas, incluindo a de Camaçari (BA), e a de São Bernardo,
no ABC, reduto de Lula.
Na semana passada, a vice-presidente global
da BYD, Stella Li, retribuiu, em Brasília, a visita que Lula fez ao presidente
da companhia, na China, em abril. Esta semana ela esteve em Salvador, ao lado
do governador Jerônimo Rodrigues (PT), que também em abril passou 15 dias
percorrendo fábricas e voltou de lá nitidamente encantado.
A julgar pela lista de demandas, que não
para de crescer, e pelo vaivém de lobistas do setor em Brasília, essa indústria
ainda vai dar muito trabalho para o governo.
Mas o grande desafio, e questão de honra para Lula, é manter o parque industrial automotivo, que já não oferece a quantidade de empregos dos tempos em que bastava fazer uma greve para evitar demissões e elevar salários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário