O Globo
As versões do advogado de Mauro Cid
produziram muitos efeitos
O terceiro advogado de Mauro Cid tinha dado
— até o momento em que escrevo, tarde de segunda (21 de agosto) — pelo menos
cinco entrevistas desde que assumira a defesa do tenente-coronel, na terça, dia
15. Na última, domingo (20), falou ao Estadão:
— Vou dar 20 ou 30 versões. Posso dizer o
que quiser. A versão da defesa, efetivamente, vai vir nos autos.
A comunicação da obviedade é clara: a versão da defesa ainda não existe. Não existe a defesa. Não ainda. Há o verbo, em movimento e reforma constantes, do advogado. Há testes especulativos e recados. Que produzem (produziram) efeitos. Mais que expectativas — a de que Cid confessaria, a maior de todas—, efeitos.
Nunca foi Cid a falar-prometer.
A versão da defesa, a de Cid, virá nos
autos; e talvez nem seja constituída pelo advogado-entrevistado. Que talvez nem
tenha tempo de chegar às 20 versões. Que deu um punhado de entrevistas em menos
de semana, projetando possibilidades e mobilizando atenções-apreensões, sem
haver lido os autos. Está também no Estadão de anteontem:
— Eu não li os autos.
Talvez nem tenha tempo para lê-los. Não que
lhe faltasse tempo.
A versão da defesa estará nos autos — que o
defensor-falador ainda não havia lido. Não que não trabalhasse.
Há quem considere o pacote de exposição
midiática uma trapalhada. Avaliação que não exclui a improbabilidade de o
advogado se ter posto a falar sem o aval do cliente. Recebeu Veja, na quarta
(16), para primeira rodada de experimentações narrativas, pouco depois de sair
do Batalhão de Polícia do Exército, onde Cid está preso. E estaria novamente
com ele antes da última conversa com o Estadão.
Falou à Veja e foi mantido — e continuou
falando. Poderia estar lendo os autos. A agenda priorizou as entrevistas.
Trabalhava. Falou e falou. Nunca foi o cliente a falar-comprometer-se.
À Veja, plantou a perspectiva de confissão
de Cid. Foi explícito na veiculação da hipótese. Depois, recuaria. No meio do
caminho, a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Bolsonaro e esposa e uma
admitida conversa — nenhum problema per se —
com o advogado do ex-presidente.
Na sexta (18), à GloboNews, disse — como
dissera ao Estadão — que não falara em joias e se apresentou na incomum posição
de advogado exclusivamente para o Rolex. Só tratara — tratava, trataria — do
relógio. Uma espécie de advogado de item. Veja não tardaria a divulgar os
áudios. Transcrevo:
— Ele [Cid] assume que foi pegar as joias.
“Resolve isso lá”. Ele foi e resolveu.
A revista, então, pergunta:
— Quando o senhor fala “resolve isso”,
“vende as joias”, é ordem de Bolsonaro?
O advogado é objetivo:
— É.
O ex-presidente como mandante. Seu cliente,
mero cumpridor de missões, potencial confessor. Recados. Efeitos. Recuos. E
então o empilhamento de versões. À GloboNews:
— Não disse que foi a mando de Bolsonaro.
Não disse que ele [Cid] estava dedurando.
Disse que fora a mando de Bolsonaro. Não
disse que o cliente estava dedurando. Nessa difusão cambiante de perspectivas,
sempre a distribuição de recados. E, mais que as expectativas geradas, os
efeitos. Há algo permanente em todas as versões-recados: a preocupação do
cliente com o pai — a prioridade da defesa sendo a proteção do general Lourena
Cid, muito exposto no caso.
E há o que evolui no conjunto de
especulações-mensagens: a forma do desprezo por Bolsonaro. Inicialmente, a
falação se orienta para um caminho de defesa, digamos, independente, que não se
importará em responsabilizar — entregar — aquele que seria o mandante. Texto
que se reorganizaria para uma convergência de argumentos, o desprezo por
Bolsonaro sendo produto do sentimento do advogado, que deveria mesmo se conter
para que — ele não tem simpatia pelo ex-presidente — o desgosto não
contaminasse a defesa.
Ao Estadão, no domingo, o advogado de Cid —
poderia ser o de Bolsonaro — declararia:
— Chegou presente de fora. Eles [a
Presidência da República] têm um departamento encarregado de despachar,
reportar, catalogar e verificar esses tipos de presentes. E tem dois setores, o
público e o privado. O encarregado chefe desse departamento, que sequer o
Bolsonaro conversa, vai lá e faz a catalogação. Ele bota lá como público e é
público. Os outros ele diz que é particular, então é particular. Então isso é
do presidente. E ele faz o que quiser, pode vender. Claro, caso tenha
acontecido um erro, deve se apurar juridicamente. Mas isso aí tem um problema,
tem um erro de direito, pode ter sido induzido a erro. Pode acontecer? Pode.
A convergência argumentativa entre defesas,
o outrora mandante de súbito tornado legítimo dono das joias, com as quais
poderia fazer o que quisesse, mui limitada pela forma — dinheiros vivos — como
se comerciou as peças. É o próprio advogado de Cid, na versão à Veja, quem
explica:
— A questão é que isso pode ser
caracterizado também como contrabando. Tem a internalização do dinheiro e crime
contra o sistema financeiro.
Efeitos.
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