Valor Econômico
Infelizmente, o Brasil continua sendo a
maior decepção entre os quatro países do grupo original
No dia em que começa a reunião de cúpula
dos líderes do Brics, em Joanesburgo, é oportuno atualizar os dados sobre o
crescimento dessas nações que, 20 anos atrás, eram consideradas as grandes
potências econômicas emergentes do século XXI.
Infelizmente, o Brasil continua sendo a
maior decepção entre os quatro países do grupo original, formado também por
Rússia, Índia e China.
Vale recordar que esse grupo surgiu de um
estudo feito em 2003 pelo economista Jim O’Neil, então do Goldman Sachs, e
assinado também por Dominic Wilson e Roopa Purushothaman.
O estudo é detalhista e ousado em “profecias”. Projeta o crescimento do Produto Interno Bruto, ano a ano, para cada um dos quatro países desde o ano 2000 até 2050, quando o quarteto, em conjunto, deveria superar o PIB do G6, formado por EUA, Alemanha, Japão, França, Inglaterra e Itália. A África do Sul não fez parte do estudo e só entrou no grupo em 2011.
Pode ser que a profecia da Goldman Sachs
ainda se realize - afinal, faltam 27 anos para 2050. Pelo que se viu até agora,
porém, as projeções estão sendo cumpridas apenas por China e Índia. Aliás, se o
grupo original fosse renomeado hoje com base nos desempenhos, seu nome deveria
ser invertido: Cirbs.
A pedido da coluna, o economista Robinson
Moraes, do Valor Data, atualizou os números da corrida dos quatro Brics. Os
gráficos ao lado mostram no fim da fila o Brasil, que nos primeiros 22 anos do
século teve crescimento acumulado do PIB de 60,3%, muito abaixo do projetado
pela Goldman Sachs, de 116,9%.
Mesmo tendo sofrido dois grandes impactos
por causa de sanções aplicadas pelas potências ocidentais após a tomada da
Crimeia (2014) e a invasão da Ucrânia (2022), a Rússia ainda teve crescimento
maior que o do Brasil. Seu PIB no período avançou 89,7%, menos que o projetado
no estudo do Brics, de 142,6%.
As linhas dos gráficos indicam claramente
que o desempenho dos dois países asiáticos contrasta com o dos dois outros
parceiros. O Goldman projetava 285,4% para a China e 241,7% para a Índia e os
resultados foram, respectivamente, 487,9% e 303,2%.
As curvas das linhas de Brasil e Rússia são
semelhantes. Ambos avançaram de acordo com as projeções na primeira década do
século e superaram de forma razoável a grande crise global de 2008, mas
perderam tração econômica a partir de 2014.
No caso da Rússia, os embargos em razão das
guerras explicam boa parte do atraso. Brasil e Rússia, porém, são potências
emergentes que se mantiveram altamente dependentes da produção e exportação de
commodities, em contraste com os dois asiáticos, que avançaram na produção
industrial e tecnológica. No caso brasileiro, as opiniões variam de acordo com
as crenças e ideologias dos economistas. A desindustrialização, um fato
incontestável, certamente explica em grande parte o fracasso econômico ante às
expectativas do setor financeiro internacional retratadas no estudo do Brics.
A ampliação do grupo é o principal assunto
em discussão na reunião de cúpula que começa nesta terça-feira na África do
Sul. Em artigo no Valor,
o jornalista Assis Moreira mostrou que os membros do Brics correm o risco de se
tornarem satélites da China. Disparadamente à frente dos outros parceiros, os
chineses tentam usar o Brics como massa de manobra em seu confronto econômico
com os EUA. Nesse sentido, pressionam os demais para expandir o grupo com a
admissão de outros países.
O presidente Lula estaria propenso a apoiar essa ampliação, mas qualquer decisão, como observou o Valor em editorial de ontem, será incômoda para o país. A ampliação dilui o poder do Brasil e cria arestas com os EUA pelo alinhamento à China. A manutenção do status quo pode provocar atritos com China e Rússia e esvaziar o bloco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário