terça-feira, 22 de agosto de 2023

Pedro Cafardo - Por que os Brics deveriam ser Cirbs

Valor Econômico

Infelizmente, o Brasil continua sendo a maior decepção entre os quatro países do grupo original

No dia em que começa a reunião de cúpula dos líderes do Brics, em Joanesburgo, é oportuno atualizar os dados sobre o crescimento dessas nações que, 20 anos atrás, eram consideradas as grandes potências econômicas emergentes do século XXI.

Infelizmente, o Brasil continua sendo a maior decepção entre os quatro países do grupo original, formado também por Rússia, Índia e China.

Vale recordar que esse grupo surgiu de um estudo feito em 2003 pelo economista Jim O’Neil, então do Goldman Sachs, e assinado também por Dominic Wilson e Roopa Purushothaman.

O estudo é detalhista e ousado em “profecias”. Projeta o crescimento do Produto Interno Bruto, ano a ano, para cada um dos quatro países desde o ano 2000 até 2050, quando o quarteto, em conjunto, deveria superar o PIB do G6, formado por EUA, Alemanha, Japão, França, Inglaterra e Itália. A África do Sul não fez parte do estudo e só entrou no grupo em 2011.

Pode ser que a profecia da Goldman Sachs ainda se realize - afinal, faltam 27 anos para 2050. Pelo que se viu até agora, porém, as projeções estão sendo cumpridas apenas por China e Índia. Aliás, se o grupo original fosse renomeado hoje com base nos desempenhos, seu nome deveria ser invertido: Cirbs.

A pedido da coluna, o economista Robinson Moraes, do Valor Data, atualizou os números da corrida dos quatro Brics. Os gráficos ao lado mostram no fim da fila o Brasil, que nos primeiros 22 anos do século teve crescimento acumulado do PIB de 60,3%, muito abaixo do projetado pela Goldman Sachs, de 116,9%.

Mesmo tendo sofrido dois grandes impactos por causa de sanções aplicadas pelas potências ocidentais após a tomada da Crimeia (2014) e a invasão da Ucrânia (2022), a Rússia ainda teve crescimento maior que o do Brasil. Seu PIB no período avançou 89,7%, menos que o projetado no estudo do Brics, de 142,6%.

As linhas dos gráficos indicam claramente que o desempenho dos dois países asiáticos contrasta com o dos dois outros parceiros. O Goldman projetava 285,4% para a China e 241,7% para a Índia e os resultados foram, respectivamente, 487,9% e 303,2%.

As curvas das linhas de Brasil e Rússia são semelhantes. Ambos avançaram de acordo com as projeções na primeira década do século e superaram de forma razoável a grande crise global de 2008, mas perderam tração econômica a partir de 2014.

No caso da Rússia, os embargos em razão das guerras explicam boa parte do atraso. Brasil e Rússia, porém, são potências emergentes que se mantiveram altamente dependentes da produção e exportação de commodities, em contraste com os dois asiáticos, que avançaram na produção industrial e tecnológica. No caso brasileiro, as opiniões variam de acordo com as crenças e ideologias dos economistas. A desindustrialização, um fato incontestável, certamente explica em grande parte o fracasso econômico ante às expectativas do setor financeiro internacional retratadas no estudo do Brics.

A ampliação do grupo é o principal assunto em discussão na reunião de cúpula que começa nesta terça-feira na África do Sul. Em artigo no Valor, o jornalista Assis Moreira mostrou que os membros do Brics correm o risco de se tornarem satélites da China. Disparadamente à frente dos outros parceiros, os chineses tentam usar o Brics como massa de manobra em seu confronto econômico com os EUA. Nesse sentido, pressionam os demais para expandir o grupo com a admissão de outros países.

O presidente Lula estaria propenso a apoiar essa ampliação, mas qualquer decisão, como observou o Valor em editorial de ontem, será incômoda para o país. A ampliação dilui o poder do Brasil e cria arestas com os EUA pelo alinhamento à China. A manutenção do status quo pode provocar atritos com China e Rússia e esvaziar o bloco.

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