Folha de S. Paulo
Biografia de Derek Parfit equilibra bem
esquisitices da vida do pensador com importância de sua obra
Se não existe Deus, tudo é permitido,
escreveu Dostoiévski. O filósofo moral Derek Parfit foi mais específico. Uma vez, durante uma
aula em Harvard, ele se voltou para os alunos e disse: "vocês não veem, se
a moral não for objetiva, nossas vidas perdem todo sentido".
A anedota consta de "Parfit", a biografia que David Edmonds escreveu
sobre o filósofo inglês, morto em 2017. Trata-se de um livro extraordinário,
que consegue não só transformar uma vida sem maiores acontecimentos em algo que
se lê como um romance mas também explicar muito da filosofia de Parfit e
mostrar por que ela é importante.
Filho de missionários, Parfit se tornou
ateu lá pelos oito anos, quando pela primeira vez refletiu sobre o problema do
mal (como um Deus onipotente e benevolente permite o mal?). Sua vida acadêmica
foi basicamente uma sucessão de primeiros lugares seguidos de prêmios por bom
desempenho. Passou por Eton, Balliol e All Souls, em Oxford. Mais tarde, já com
mais nome, reservava alguns semestres para dar aulas do outro lado do
Atlântico. Harvard, NYU e Rutgers, entre outras escolas de prestígio.
Se, na juventude, nada além do sucesso acadêmico o distinguia dos pares, a
partir da meia idade foi colecionando uma série de excentricidades, como
circular nu em Oxford. Seu perfeccionismo, além de aterrorizar editores,
praticamente o impedia de escrever. Ele nunca concluía nada, e a cada ano de
atraso as obras ganhavam mais páginas.
Embora Parfit não seja muito conhecido fora dos círculos filosóficos, suas
ideias moldam discussões pertinentes da atualidade, como o pacto
intergeracional (o que devemos aos habitantes do futuro?), o altruísmo efetivo
(modos de fazer o bem) e até questões sobre aposentadoria (qual o grau de
identidade entre meu eu atual e meu eu futuro?), além, é claro, do problema da
objetividade de juízos morais. Sem um Deus, dá para escapar do relativismo?
Parfit achava que sim.
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