domingo, 17 de setembro de 2023

Celso Rocha de Barros - A luta por uma ministra negra

Folha de S. Paulo

Se petistas consideram imperativo político mais urgente no STF, devem argumentar sem subterfúgios

Nas últimas semanas, parte da militância virtual petista passou a atacar duramente o humorista Gregorio Duvivier por sua defesa da nomeação de uma mulher negra para o STF. Duvivier, na verdade, só apoiou uma reivindicação do movimento negro, um dos movimentos sociais que fundaram o PT.

Como o pessoal não teve coragem de criticar o movimento negro, bateram no humorista, para dar a impressão de que, se Lula não nomear uma ministra negra, estará contrariando a "esquerda do Leblon", e não a massa de brasileiros e brasileiras negras que moram a dezenas de pontos de ônibus de distância do bairro do Manoel Carlos.

Não é muito difícil entender por que Lula indicou Zanin e, ao que parece, pode indicar outro jurista que lhe seja próximo para o STF.

Desde o julgamento do mensalão, quando o STF começou a prender políticos, à exceção de Dilma Rousseff –que caiu– os presidentes nomearam ministros que lhes eram próximos. Tendo diante de si o Congresso mais conservador de todos os tempos, presidido por um político que foi próximo de Bolsonaro, Lula procura se blindar.

Outros traumas recentes ajudam a entender a reatividade de parte da militância petista. Por trás dos ataques aos críticos de esquerda do governo é fácil perceber o medo de um novo junho de 2013, que começou como movimento de esquerda, mas foi sequestrado pela direita quando cresceu.

Esses cálculos políticos fazem sentido, e têm seu peso. Mesmo assim, acho que a demanda do movimento negro deve pesar mais.

De qualquer forma, se os militantes petistas que criticaram Duvivier consideram o imperativo político mais urgente, devem apresentar seus argumentos abertamente à militância, inclusive à militância do movimento negro, sem subterfúgios.

Mesmo se você achar que deve prevalecer o cálculo político, deve ser franco: é uma derrota para a esquerda que o primeiro indicado de Lula para o STF, e provavelmente o segundo, sejam homens brancos (como eu). Os dois podem ser, no futuro, ótimos ministros. Mas também há ótimos ministros em potencial entre as negras e os negros brasileiros.

O episódio também é um caso clássico de como o racismo se perpetua porque produz consequências além dos episódios de discriminação direta.

Simplesmente não há negros suficientes nos círculos jurídicos que os presidentes brasileiros frequentam para que, quando surgir a questão "quem eu posso indicar que seja mais próximo de mim?" o nome de uma negra ou de um negro lhes venha à mente.

É um mecanismo parecido ao que torna as ministras mulheres, como Ana Moser, mais vulneráveis nas reformas ministeriais: cai quem não tem apoio partidário, e séculos de machismo impediram que as mulheres brasileiras adquirissem força nos partidos políticos.

Um dos motivos de lutar por representatividade é justamente contrabalançar esses mecanismos em que a sub-representação de hoje gera a sub-representação de amanhã.

Não se trata de introduzir viés de gênero ou viés racial nas instituições. Trata-se de colocar gente lá cujas experiências de vida lhes tornem mais capazes de corrigir o que as instituições brasileiras já têm de enviesado.

Afinal, vejam o que aconteceu com as taxas de pobreza quando um operário, nascido na miséria, projetado politicamente por liderar outros operários, tornou-se presidente da República.

 

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