Folha de S. Paulo
Se petistas consideram imperativo político
mais urgente no STF, devem argumentar sem subterfúgios
Nas últimas semanas, parte da militância
virtual petista passou a atacar duramente o humorista Gregorio
Duvivier por sua defesa da nomeação de uma mulher negra para o STF. Duvivier, na
verdade, só apoiou uma reivindicação do movimento negro, um dos movimentos
sociais que fundaram o PT.
Como o pessoal não teve coragem de criticar
o movimento negro, bateram no humorista, para dar a impressão de que, se
Lula não nomear uma ministra negra, estará contrariando a "esquerda do
Leblon", e não a massa de brasileiros e brasileiras negras que moram a
dezenas de pontos de ônibus de distância do bairro do Manoel Carlos.
Não é muito difícil entender por que Lula indicou Zanin e,
ao que parece, pode indicar outro
jurista que lhe seja próximo para o STF.
Desde o julgamento do mensalão, quando o STF começou a prender políticos, à exceção de Dilma Rousseff –que caiu– os presidentes nomearam ministros que lhes eram próximos. Tendo diante de si o Congresso mais conservador de todos os tempos, presidido por um político que foi próximo de Bolsonaro, Lula procura se blindar.
Outros traumas recentes ajudam a entender a
reatividade de parte da militância petista. Por trás dos ataques aos críticos
de esquerda do governo é fácil perceber o medo de um novo junho
de 2013, que começou como movimento de esquerda, mas foi sequestrado pela
direita quando cresceu.
Esses cálculos políticos fazem sentido, e
têm seu peso. Mesmo assim, acho que a demanda do movimento negro deve pesar
mais.
De qualquer forma, se os militantes
petistas que criticaram Duvivier consideram o imperativo político mais urgente,
devem apresentar seus argumentos abertamente à militância, inclusive à
militância do movimento negro, sem subterfúgios.
Mesmo se você achar que deve prevalecer o
cálculo político, deve ser franco: é uma derrota para a esquerda que o primeiro
indicado de Lula para o STF, e provavelmente o segundo, sejam homens brancos
(como eu). Os dois podem ser, no futuro, ótimos ministros. Mas também há
ótimos ministros em potencial entre as negras e os negros brasileiros.
O episódio também é um caso clássico de
como o racismo se
perpetua porque produz consequências além dos episódios de discriminação
direta.
Simplesmente não
há negros suficientes nos círculos jurídicos que os presidentes brasileiros
frequentam para que, quando surgir a questão "quem eu posso indicar que
seja mais próximo de mim?" o nome de uma negra ou de um negro lhes venha à
mente.
É um mecanismo parecido ao que torna as
ministras mulheres, como Ana
Moser, mais vulneráveis nas reformas ministeriais: cai
quem não tem apoio partidário, e séculos de machismo impediram que as
mulheres brasileiras adquirissem força nos partidos políticos.
Um dos motivos de lutar por representatividade
é justamente contrabalançar esses mecanismos em que a sub-representação de hoje
gera a sub-representação de amanhã.
Não se trata de introduzir viés de gênero
ou viés racial nas instituições. Trata-se de colocar gente lá cujas
experiências de vida lhes tornem mais capazes de corrigir o que as instituições
brasileiras já têm de enviesado.
Afinal, vejam o que aconteceu com as taxas
de pobreza quando um operário, nascido na miséria, projetado politicamente por
liderar outros operários, tornou-se presidente da República.
Nenhum comentário:
Postar um comentário