Folha de S. Paulo
Queda na avaliação mostra dissonância entre
indicadores e sentimento das pessoas
As eleições nos EUA neste ano mostram um
cenário preocupante para o presidente democrata, Joe Biden.
Apesar de uma economia pujante, com desemprego em mínimas históricas e inflação em
queda, Biden amarga um segundo lugar nas intenções de voto.
Guardadas as diferenças entre as sociedades,
o risco Biden pode ameaçar o governo Lula, cuja
popularidade vacila sob o peso das expectativas de reversão do desastre causado
por Bolsonaro.
Pesquisa Quaest publicada nesta semana revela a crescente insatisfação do eleitorado e a percepção de que a economia piorou nos últimos 12 meses. Contudo, reportagem da Folha mostrou que o governo Lula tem bom desempenho em 66 dos 90 quesitos avaliados.
Além disso, a economia cresceu 2,9% em 2023,
com queda acentuada da inflação, queda do desemprego e da taxa de juros, elevação
da renda real do trabalho, reforço dos programas sociais, alívio do
endividamento familiar e superávit recorde na balança comercial.
A dissonância entre indicadores objetivos e o
sentimento das pessoas pode ser causada pelo ambiente político e midiático e
pelas aspirações materiais, bem como por erros de avaliação.
Primeiro, a conexão entre a economia e a
sensação de bem-estar da população foi hackeada. Com o perdão do trocadilho, há
boi na linha: a comunicação do governo é impotente perante a capilaridade do
aparato de comunicação da extrema direita, que converte vitórias do governo em
derrotas e amplifica eficientemente os deslizes.
Segundo, o ambiente de "terceiro
turno" inflama o antagonismo político e prende a imprensa e as redes
antissociais a questões federais. O efeito é o governo federal ser
responsabilizado por questões negativas da alçada estadual (como violência urbana),
enquanto governos
estaduais de oposição se apropriam de ações federais positivas, tais
como o anúncio de que a Toyota investirá R$ 11 bilhões em São Paulo, no
contexto do programa Mover do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Terceiro, a agenda do governo foca questões
distantes do cotidiano da população: o novo marco fiscal, a reforma tributária,
a desoneração da folha de pagamento e a taxação de fundos exclusivos são temas
relevantes, mas não sensibilizam o cidadão comum.
Quarto, as concessões a grupos opositores
geram ressentimento na base de apoio do governo. Corte de recursos a universidades federais e a ausência
de reajuste ao funcionalismo contrastam com reajuste dos salários das forças policiais (incluindo
as que participaram da tentativa de manipular as eleições em 2022), com a
isenção tributária a estabelecimentos religiosos e a diplomacia cuidadosa com a
Faria Lima.
Quinto, o PIB
literalmente parou no segundo semestre de 2023: o mergulho dos
investimentos, a queda
no consumo das famílias e a diminuição do ritmo de criação de empregos formais geram
insegurança. A desindustrialização agrava o cenário, inibindo a geração de bons
empregos: 90% das vagas oferecidas em 2023 exigem apenas ensino médio completo.
Para piorar, os eventos climáticos devem
produzir contração da agropecuária em 2024 e já pressionam o preço dos
alimentos, um importante regulador da tensão social (FMI
2011). Com efeito, a taxa de inflação sentida pelos estratos de baixa
renda triplicou desde novembro de 2023 (o,20% para 0,66%).
Há também o problema da carestia: mesmo que a
inflação caia, o nível de preços de bens e serviços continua alto. Neste
contexto, a taxação (correta) das plataformas estrangeiras afasta a classe
média.
Por fim, como o ritmo das aspirações
materiais excede a atual capacidade do governo de entregar boas notícias, a
sensação de que nada muda prevalece. A elevação da renda e a melhoria na
comunicação podem aliviar este mal-estar.
Em tempos de uberização da política, o
"Brasil delivery" da esquerda anda mal avaliado. Que o desafio de
Biden sirva de lição ao governo Lula.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em
economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário