São inexplicáveis os afagos de Lula à ditadura de Maduro
O Globo
Não tem cabimento comparar casos do próprio
petista e de oposicionista venezuelana impedida de concorrer
Dos dez países com que o Brasil faz
fronteira, a Venezuela é
o que mais gera dores de cabeça. Garimpeiros ilegais usam o território
venezuelano quando a fiscalização aumenta em terras indígenas e voltam ao
brasileiro quando diminui. Grupos criminosos atuam nos quase 3 mil quilômetros
de divisa, e venezuelanos têm buscado o Brasil para escapar da crise
humanitária provocada pelo regime chavista. Ameaças recentes de invasão da
Guiana fizeram ressurgir o espectro de um conflito armado a poucos quilômetros
de Roraima e Amazonas. Por fim, brasileiros e venezuelanos ainda têm a
responsabilidade de coordenar esforços pela preservação da maior floresta
tropical do mundo.
Com uma agenda dessas, é compreensível que o presidente do Brasil seja obrigado a estabelecer uma relação produtiva com a liderança venezuelana, ainda que se trate de um regime autoritário. Somente com canais abertos e um ambiente de cooperação, os interesses brasileiros podem avançar. Mas isso nada tem a ver com a atitude benevolente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante os desmandos do ditador Nicolás Maduro. A condescendência com o regime chavista, que Lula não perde a oportunidade de expressar, contradiz sua própria biografia e ofende a memória dos brasileiros que lutaram e lutam pela democracia.
Depois de, no ano passado, receber Maduro com
honras de chefe de Estado e de declarar, sobre a ditadura venezuelana, que “o
conceito de democracia é relativo”, Lula voltou à carga nesta semana. Insinuou
que María Corina Machado, principal líder da oposição venezuelana, está
“chorando” por ter sido declarada inelegível pelo Judiciário submisso a Maduro.
Em seguida, ele tentou explicar o inexplicável: “Só disse a vocês que houve
aqui neste país, eu fui impedido de concorrer às eleições de 2018. Em vez de ficar
chorando, indiquei outro candidato que disputou as eleições”.
Ora, a declaração não tem o menor cabimento.
Lula não participou do pleito por uma decisão tomada pelo Judiciário
independente num regime democrático. Seu substituto, Fernando Haddad, disputou
num sistema eleitoral livre de fraudes, sem ser perseguido ou prejudicado pelas
instituições. A prova evidente de que a situação brasileira nada tem de similar
à venezuelana é Lula ter recorrido, ter sido libertado e hoje ocupar a
Presidência da República. Se quisesse fazer comparação histórica, deveria ter
lembrado a ditadura militar, quando foi preso de forma arbitrária e temeu pela
própria vida.
Todas as instituições acadêmicas dedicadas a
classificar os sistemas políticos concordam que o regime venezuelano não é
democrático. No ranking de democracia de 167 países da Economist Intelligence
Unit, a Venezuela ocupa a 142ª posição, pior que Cuba (135ª) e perto da China
(148ª). No da Varieties of Democracy (V-Dem), está pior que a Rússia de
Vladimir Putin. Na avaliação da Freedom House, está entre os países com
declínio de liberdade mais dramático nos últimos dez anos.
Ao saber das declarações de Lula, María
Corina reagiu.“O senhor está validando os abusos de um autocrata que viola a
Constituição”, afirmou. “Maduro tem medo de me confrontar porque sabe que o
povo venezuelano está hoje na rua comigo.” Lula, eleito por uma frente ampla
para afastar a ameaça autoritária do Brasil, deveria ser mais coerente com sua
biografia e suas credenciais democráticas.
Adiar critério para distinguir usuários de
traficantes preserva injustiças
O Globo
Julgamento no Supremo deveria ser mais ágil
para cumprir objetivos da Lei Antidrogas
Ainda não foi desta vez que o Supremo
Tribunal Federal (STF)
concluiu o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para
uso pessoal, tema cuja discussão se arrasta há quase uma década. Na sessão de
quarta-feira, a análise foi interrompida quando o ministro Dias Toffoli pediu
vista do processo. Ele tem até 90 dias para devolver o caso, e uma nova data de
julgamento terá de ser marcada pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
Até agora, o placar é de 5 votos a favor e 3
contra a descriminalização. A favor, votaram os ministros Barroso, Gilmar
Mendes, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Manifestaram-se contra
Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques. Mesmo dentro de cada grupo, há
divergências. Fachin defende que cabe ao Congresso fixar a quantidade de
maconha a partir da qual alguém seria considerado traficante em vez de usuário.
Mendonça tem posição semelhante, mas propõe um parâmetro provisório de 10 gramas
até que o Parlamento tome uma decisão. Zanin e Nunes Marques, mesmo tendo
votado contra a descriminalização, são favoráveis a 25 gramas. Gilmar, Barroso,
Moraes e Rosa, a 60 gramas.
O tema é delicado e o consenso difícil, mas
não é mais possível adiar uma decisão sobre o assunto. O Congresso,
predominantemente conservador, não quer que o STF se ocupe da questão das
drogas, mas tem sido omisso em relação a um vácuo na legislação atual. A Lei
Antidrogas, de 2006, substituiu a prisão de usuários por advertência, prestação
de serviços comunitários ou cumprimento de medida socioeducativa. Mas não
deixou claro o que se entende por usuário. Daí a necessidade de estabelecer
parâmetros objetivos para distingui-lo do traficante. Outro ponto importante: a
legislação atual proíbe o plantio de maconha, mas diz que a União pode
autorizá-lo para fins medicinais e científicos. Falta clareza sobre as
circunstâncias, criando obstáculos para quem usa medicamentos baseados em
canabidiol.
O intuito da Lei Antidrogas era evitar a
prisão de usuários, muitas vezes com quantidades mínimas (a ação em julgamento
diz respeito a um detendo flagrado com 3 gramas de maconha). Por falta de
parâmetro, o efeito foi o oposto, legando ao país um encarceramento maciço. Na
prática, a prisão de usuários com pequenas quantidades tem apenas fornecido mão
de obra para as facções criminosas que operam e aliciam seus integrantes nos
presídios.
Sem critério objetivo para distinguir usuário
de traficante, cria-se uma fábrica de injustiças. Uma mesma quantidade de droga
pode levar alguém para lá ou para cá, dependendo de seu perfil socioeconômico.
Jovens, negros e pobres têm maior probabilidade de ir para a prisão, mesmo com
quantidades mínimas de droga. Enquanto o Congresso continua omisso, é dever do
STF estabelecer os parâmetros para que seja atingida a meta da Lei Antidrogas:
reduzir encarceramentos injustos.
Inflação de serviços retarda queda de juros
global
Valor Econômico
Os bancos centrais não sabem quanto tempo vai
durar a resistência dos avanços de preços dos serviços, que impede o fim do
ciclo de políticas monetárias restritivas
Na reta final para derrubar a inflação nos
países desenvolvidos e em outros emergentes, como o Brasil, os bancos centrais
enfrentam o desafio da resistência dos preços dos serviços. A preocupação dos
BCs se voltou, em maior ou menor grau, para algo que antes não estava no radar
- aumentos de salários. Provavelmente é uma questão temporária. A renda do
trabalho só passou à frente dos índices de preços quando estes recuaram,
propiciando ganhos reais compensatórios de uma fase de perdas de remuneração.
Os bancos centrais não sabem quanto tempo vai durar essa fase, que impede o fim
do ciclo de políticas monetárias restritivas. O discurso das autoridades
monetárias dos Estados Unidos e zona do euro ontem foram todos na mesma direção
a esse respeito.
O ímpeto da inflação de serviços é semelhante
na zona do euro, nos EUA e no Brasil, ainda que difiram nas condições
prospectivas das economias. O crescimento no bloco monetário europeu foi ontem
rebaixado nas projeções do BCE, de 0,8% para 0,6%. A inflação projetada para o
ano caiu de 2,7% para 2,3%, pelo índice cheio, já bem próximo à meta, mas o
núcleo de inflação (exclui energia e alimentos), foi de 2,6% e o índice de
serviços chegou a 3,9% em fevereiro. “Precisamos de mais evidências e de mais
dados”, disse Christine Lagarde, presidente do BCE. “Saberemos um pouco mais em
abril e muito mais em junho”, afirmou, sinalizando uma data tentativa para a
reversão dos juros de 4%, os maiores desde a criação da moeda única.
O presidente do Federal Reserve, Jerome
Powell, tem um problema maior, pois a economia americana, apesar dos juros mais
altos em muito tempo, exibe um fôlego inédito para tal aperto monetário. Em
depoimento no Congresso americano, ele praticamente repetiu o comunicado do
banco após sua mais recente reunião, cuja mensagem é esperar para ver sinais
consistentes e sustentáveis de queda da inflação. Apesar de os preços estarem
caindo, o mercado de trabalho continua apertado, os gastos do consumo seguem em
bom ritmo, alimentados em parte pelo avanço dos salários.
A definição dos próximos passos da política
monetária depende então do que ocorrerá com os preços dos serviços. O BIS, o
banco central dos bancos centrais, alertou que se eles aumentarem “a diminuição
do ritmo de desinflação poderá levar a política monetária a permanecer apertada
por mais tempo”. Esses preços se mantêm resistentes, mesmo após a queda da
inflação dos alimentos e da energia, na Europa e EUA, onde avançaram em doze
meses encerrados em janeiro entre 4% e 6%.
O BCE está preocupado com a evolução dos
salários, que estão apenas recuperando as perdas passadas com a redução da
inflação recente. Ainda que o mercado de trabalho nos dois lados do Atlântico
esteja surpreendentemente favorável à mão de obra diante da alta dos juros,
esse movimento terá vida curta diante do menor crescimento projetado para as
duas economias. Tanto o Fed quando o BCE, no entanto, estão convictos de que os
juros atingiram o pico necessário para levar a inflação para as metas. Não há
riscos visíveis de que os juros precisem de mais um empurrão para cima, embora
não há certeza de quando eles poderão se mover para baixo.
No Brasil, o Banco Central está preocupado há
alguns meses com a dinâmica do mercado de trabalho e seus reflexos nos
salários. A taxa de desemprego, de 7,6% em janeiro, a menor desde 2015, tem
sido acompanhada por um modesto crescimento acima da inflação dos salários. A
última ata do Comitê de Política Monetária registra que ele “seguirá atento à
dinâmica dos rendimentos nas diversas pesquisas para melhor avaliar o grau de
ociosidade no mercado de trabalho e seus potenciais impactos sobre a inflação
de serviços”. Não há conclusão definitiva sobre isso.
Ontem, o diretor de Política Monetária, Diogo
Guillen, disse que, por enquanto, “não há pressão nenhuma sobre os salários”.
No entanto, a inflação desancorada por períodos longos, segundo ele, perpetua a
reindexação dos vencimentos e “vai criando um farol apontando para o lado
errado”.
A definição da política monetária dos países
desenvolvidos será importante para balizar até certo ponto a taxa de juros
doméstica. Guillen, ao dizer ontem o óbvio, que a orientação futura do BC é
condicional, sinaliza que a indicação de queda da Selic de 0,5 ponto percentual
para pelos menos duas reuniões consecutivas está com os dias contados, como os
investidores esperam. A mudança determinará a taxa terminal de juros - em torno
de 9% segundo a maioria do Focus, chegando a 8,5% no ano que vem.
O cenário externo instável, no entanto, pode mudar a equação dos juros. Bancos americanos pequenos voltaram a dar sinal de instabilidade. Ontem a agência federal de seguros divulgou que o número de bancos “fracos” subiu para 52 no último trimestre de 2023, o maior salto recente. A volta de turbulências no setor bancário dos EUA pode levar o Fed a reduzir logo os juros, mas acentuar a aversão ao risco e empurrar o dólar para cima, o que será ruim para o Brasil.
Nunes precisa explicar obras sem licitação
Folha de S. Paulo
Reportagens da Folha e do UOL mostram alto
gasto em ações emergenciais contra cheias, em detrimento de obras estruturais
Algo estranho acontece na cidade de São
Paulo. Obras emergenciais, realizadas pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) com o
objetivo de enfrentar enchentes, têm sido responsáveis por alagamentos que
antes não existiam, segundo moradores da capital paulista ouvidos pela
reportagem da Folha.
Isso não é tudo. De setembro de 2021 a
dezembro de 2023, a mesma prefeitura contratou 140 obras emergenciais desse
tipo, destinadas à contenção de margens de córregos. Custaram aos
cofres públicos nada menos que R$ 2,2 bilhões, o equivalente a dois
terços de toda a verba empenhada no período em iniciativas de combate às
cheias.
Como se sabe, ações que tenham o carimbo da
urgência estão dispensadas de passar por licitação. Faz sentido que seja assim:
há momentos em que o poder público precisa dar uma resposta tão célere a algum
infortúnio que não há tempo de garantir a devida concorrência no processo de
contratação.
Nenhum paulistano, por sua vez,
desconhece as situações
de calamidade que as chuvas provocam na metrópole de uma hora
para a outra —de modo que pode parecer natural o recurso às obras emergenciais
para lidar com essas intempéries, mais frequentes nos primeiros meses do ano.
Há, contudo, sinais estranhos abaixo da
superfície. Por exemplo, os R$ 2,2 bilhões gastos pela gestão Nunes seriam
suficientes para concluir ao menos 15 obras do Plano Diretor de Drenagem, mas
só 3 foram entregues até o fim de 2023.
Ainda que a prefeitura argumente que um tipo
de intervenção não compete com o outro, o fato é que as ações sem licitação
consumiram muito mais dinheiro público do que as iniciativas estruturais —as
quais mereceram R$ 65 milhões.
E isso em uma gestão que, sem marca
própria, destaca-se
pelo recapeamento e, sobretudo, pela explosão de despesas
livres de processo licitatório. Auditoria do Tribunal de Contas do Município
mostrou que, de 2017 para 2022, o salto foi de 10.400%, uma enormidade carente
de explicação.
Segundo reportagem do UOL, pelo menos 223 de
307 contratos emergenciais sem licitação tocados pela gestão Nunes têm indícios
de combinação de preços entre empresas concorrentes.
Além disso, especialistas afirmam que as
intervenções pontuais, ainda que não se prestem a desvios de recursos, são
pouco recomendadas para o combate de enchentes, porque costumam ter prazo de
validade curto e tendem a agravar o problema rio abaixo.
É urgente que se proceda a uma investigação
séria desse caso —e Nunes deveria ser o primeiro a desejá-la, para ter a
oportunidade de se defender de possíveis suspeitas de corrupção ou de
incompetência.
Conquista histórica
Folha de S. Paulo
Liberação do aborto na Carta francesa protege
direito, defendido por esta Folha
Nesta semana, a França se tornou a primeira
nação a permitir em sua Constituição a interrupção da gravidez por
decisão da mulher.
A inclusão do aborto na Carta, mesmo que o
procedimento já fosse legalizado no país até a 14ª semana de gestação desde
1975, tem especial relevância porque o tema está sujeito, em todo o mundo, a
oscilações ideológicas tanto no Legislativo como no Judiciário.
A medida francesa protege esse direito das
mulheres contra retrocessos, que têm se tornado menos improváveis com a
polarização política e a ascensão global de uma direita populista reacionária.
Exemplo recente foi a revogação da
legalização do aborto pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que em 1973 havia
aprovado entendimento contrário.
É mais difícil mudar uma lei do que uma
decisão judicial —e ainda mais complicado derrubar um direito estabelecido na
Constituição. Mesmo assim, há investidas contra normas que garantem o aborto.
Na Hungria, onde a prática foi legalizado em
1953, o governo de Viktor Orbán baixou um decreto em 2022 que obriga mulheres
que buscam o procedimento a ouvirem os batimentos cardíacos do feto.
Também em 2022, deputados brasileiros tentaram
proibir a interrupção da gravidez em qualquer caso, com o chamado
"Estatuto do Nascituro", mas foram contidos por manobra regimental da
oposição.
Por aqui, o Supremo Tribunal Federal tomou a
dianteira e examina ação sobre a descriminalização do procedimento —o que não é
o mais recomendável.
A Constituição brasileira não se refere ao
aborto em suas cláusulas. Assim, qualquer decisão do STF será baseada em
interpretações sobre direitos individuais passíveis de questionamentos, que
podem alimentar os discursos que apontam ativismo judicial da corte, em
detrimento do Legislativo.
A sociedade e o Congresso deveriam debater o tema, sem dogmas, para atualizar a lei sobre o aborto conforme recomendações da OMS e as experiências dos países que legalizaram a prática, A questão deve ser observada à luz da saúde pública e dos direitos das mulheres, como defende esta Folha.
A imoralidade de Lula
O Estado de S. Paulo
Ao agredir a oposição venezuelana e defender
o companheiro Maduro, Lula reafirma o padrão de sua diplomacia imoral, em que
ditadores são festejados e dissidentes políticos, ridicularizados
O presidente Lula da Silva está mesmo
empenhado em se credenciar como o guia genial do tal “Sul Global” contra os
“imperialistas” americanos. Para antagonizar os Estados Unidos, fustigar o
Ocidente e proclamar sua vocação de salvador dos pobres e oprimidos na
geopolítica internacional, Lula manda às favas o histórico da diplomacia
brasileira de prudência, neutralidade e respeito à democracia, e arrasta
consigo o Brasil e sua política externa. Combina a habitual fala sem filtros em
temas espinhosos dos quais nada entende com a defesa obscena de ditaduras e
ditadores. A Lula pouco importa o que autocratas fazem contra a democracia e os
direitos humanos – basta que se insurjam contra os Estados Unidos.
A recente declaração de Lula sobre a
Venezuela é só mais um exemplo desse pensamento deletério. Lula se disse
“feliz” com a definição da data para a eleição presidencial venezuelana – a
eleição que Nicolás Maduro controla com mão de ferro, pelo domínio que tem
sobre a Justiça e sobre as regras do sistema eleitoral do país, o que tem lhe
garantido sufocar a oposição, atentar contra a imprensa independente e
perpetuar a ditadura chavista.
Questionado se acreditava que a eleição seria
justa, Lula alegou ter recebido informações do próprio companheiro Maduro, ora
vejam, de que observadores internacionais serão convidados a monitorar o
pleito. E, num misto de grosseria e misoginia, sugeriu à oposição da Venezuela
“não ficar chorando”, referência clara ao fato de que a mais forte candidata
oposicionista, María Corina Machado, foi impedida pela Suprema Corte chavista
de disputar as eleições. Para Lula, bastaria à oposição escolher outro candidato
– como se María Corina não tivesse sido vítima de flagrante perseguição e como
se qualquer outro candidato pudesse concorrer livremente num ambiente
totalmente controlado por Maduro.
Não foi uma gafe ou um escorregão retórico
movido pelo improviso. Trata-se de um padrão e, como tal, um atestado de suas
convicções. É longa a sua coleção de declarações em favor de ditaduras, a
começar pela própria Venezuela, um país “democrático” até demais, segundo Lula,
por realizar “mais eleições que o Brasil”. Relativizando as barbaridades
promovidas por Maduro, o presidente brasileiro afirmou que o “conceito de
democracia é relativo”. Para Lula, democracia não é a soberania popular, a
garantia das liberdades de expressão e de imprensa, a intransigência com
qualquer forma de arbítrio de tiranos. Em seu relativismo, os ditadores
companheiros são “democratas” porque se julgam intérpretes das aspirações do
“povo”.
Lula é cruel com aqueles que ousam enfrentar
os ditadores companheiros. Em 2010, por exemplo, ele defendeu a “Justiça”
cubana e criticou presos políticos que ali faziam greve de fome contra o regime
dos irmãos Castro. Na sua diplomacia da imoralidade, equiparou os valentes
dissidentes cubanos aos presos comuns no Brasil.
Há muitos outros casos em que a indecência
lulopetista se manifestou dessa maneira. Recorde-se que Lula defendeu o ditador
Daniel Ortega inúmeras vezes, a despeito das escancaradas violações de direitos
humanos cometidas pelo nicaraguense – e, numa reunião do Conselho de Direitos
Humanos da ONU em março do ano passado, o Brasil se recusou a acompanhar os
mais de 50 países que denunciaram a prática de crimes contra a humanidade pela
tirania de Ortega.
Lula saltou do abismo moral para se alinhar
ao que há de mais retrógrado e autoritário. Ao fazê-lo, descredenciase como
líder global digno de respeito internacional e debilita a política externa
brasileira, obliterando suas oportunidades de integração econômica e de
cooperação para a paz, a democracia e as liberdades fundamentais. Sua política
externa está ancorada num princípio absoluto e maniqueísta: a hostilidade ao
Ocidente e o alinhamento automático a tudo o que é antagônico aos valores
ocidentais. Quando esse sectarismo ideológico substitui a visão de Estado, o
voluntarismo ignora a decência e a diplomacia é feita com cacoetes de
esquerdismo infantil, não há jeito. Não há mais o que esperar de Lula senão
essa imoralidade sem limites.
Retrocesso político e social
O Estado de S. Paulo
Eleição de expoentes do bolsonarismo para
presidir a CCJ e a Comissão de Educação da Câmara retrata a força de uma
oposição em tudo contrária à boa política e aos interesses do País
Dois expoentes do bolsonarismo na Câmara dos
Deputados foram eleitos para a presidência de duas das mais importantes
comissões permanentes da Casa, no dia 6 passado. Caroline de Toni (PL-SC)
dirigirá os trabalhos da poderosa Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJ). Já Nikolas Ferreira (PL-MG) ficará a cargo da Comissão de
Educação. Nem este nem aquela têm os atributos necessários para conduzir bem
ambos os colegiados. Mas isso não tinha qualquer importância para os que
viabilizaram seus nomes. Caroline de Toni e Nikolas Ferreira não foram parar no
comando da CCJ e da Comissão de Educação para trabalhar pelo País. Lá eles
estarão, apenas e tão somente, para espezinhar o governo Lula da Silva.
O histórico parlamentar de Caroline de Toni e
Nikolas Ferreira não autoriza uma nesga de esperança de que ambos venham a
trabalhar em prol do melhor interesse público no exercício de suas novas
atribuições no Poder Legislativo. A inadequação do par é notória. Ademais, não
seria exagero afirmar que a catarinense e o mineiro personificam como poucos o
traço mais distintivo do bolsonarismo: a negação da política, entendida como a
capacidade de fazer concessões para alcançar um mínimo denominador comum em termos
de políticas públicas.
Devotados discípulos de Jair Bolsonaro, tanto
Caroline como Nikolas emulam as táticas empregadas pelo “mito” para aniquilar
qualquer debate civilizado no nascedouro – e, de quebra, ainda destruir a
reputação de adversários, tratados como inimigos a serem eliminados do jogo
político. Decerto há um anseio em setores da sociedade por esse tipo de atitude
indecorosa, para dizer o mínimo. Afinal, ambos aportaram em Brasília trazendo a
tiracolo votações muito expressivas, em particular o mineiro, o deputado federal
mais bem votado do País nas eleições de 2022 (1,47 milhão de votos). Triunfos
eleitorais, porém, por mais acachapantes que sejam, nem de longe podem ser
vistos como sinal de preparo para as lides próprias da política.
Moderação é palavra-chave em qualquer
democracia digna da designação. O sistema de freios e contrapesos, em última
análise, não se presta a outra coisa senão a garantir que nenhum Poder ou
mandatário sobrepuje os demais. Em outras palavras: ao se controlarem
mutuamente, os Poderes, harmônicos, mas independentes entre si, repelem
extremistas. Nesse sentido, não só é salutar, como é altamente desejável que a
oposição ao governo no Congresso, qualquer governo, seja a um só tempo forte e
atuante. E isso se materializa, entre outras formas, pela ocupação de papéis de
destaque em comissões permanentes e temáticas. Mas, afinal, de que oposição se
está falando? Eis o busílis.
A oposição bolsonarista já deu mostras à
exaustão, literalmente, de que não está a serviço do País, da democracia,
tampouco da liberdade. Essa oposição só serve aos interesses de Bolsonaro e dos
próprios parlamentares – que vivem de usar seus mandatos de representação como
insumos para angariar engajamento nas redes sociais e assim granjear
influência. No caso particular da ascensão de Caroline de Toni e Nikolas
Ferreira às duas prestigiosas comissões, serve também aos interesses do
presidente da Câmara, Arthur Lira. A eleição de deputados radicalizados do PL –
partido com a maior bancada na Casa – para cargos de altíssima relevância é
decorrência direta dos acordos políticos que foram costurados por Lira com
vistas à sua sucessão no comando da Câmara. Isso indica que Lira está mais
preocupado no momento em manter seu poder de fazer o sucessor do que com os
desatinos que decerto serão cometidos na condução da CCJ e da Comissão de
Educação.
O governo Lula da Silva precisa ser
escrutinado por uma oposição altiva, firme e, sobretudo, democrática. Uma
oposição leal, no sentido de apontar para direções alternativas que conduzam o
País a bom lugar. As novas lideranças da CCJ e da Comissão de Educação,
contudo, retratam a força de uma oposição em tudo contrária a isso.
O provisório que vira permanente
O Estado de S. Paulo
Manutenção do Perse expõe embate entre
Legislativo e Executivo em processo cheio de erros
A facilidade com que medidas de caráter
provisório se transformam em permanentes está no centro do embate entre
Executivo e Legislativo sobre o Programa Emergencial de Retomada do Setor de
Eventos (Perse), criado durante a pandemia para atenuar os estragos do
isolamento a restaurantes, bares, hotéis e tantos outros ligados ao
entretenimento. Onze mil empresas recorreram ao programa que as libera de todos
os tributos federais – Imposto de Renda, PIS/Cofins e CSLL.
A disputa para transformar em permanente algo
que deveria ser temporário envolve também o poder dos lobbies, medição de
forças entre Planalto e Congresso e a aflitiva busca da Fazenda por manter em
pauta seu programa de meta zero para o resultado fiscal, em muito
desacreditado. Nessa babel de interesses, o ministro Fernando Haddad se viu
obrigado a recuar do propósito de reonerar de imediato o setor que, como bem
mostrou, mais do que recuperou a receita perdida durante a pandemia.
Todo o processo dá uma amostra de como os
meandros políticos muitas vezes dificultam o andamento da economia. Não está em
questão a necessidade de ajudar setores que se viram, de uma hora para outra,
incapazes de gerar caixa por causa do sumiço dos clientes, refugiados em suas
casas para evitar o contágio por covid. Livrá-los ao menos do ônus dos impostos
foi uma forma justa de socorro que, é claro, reduziu a arrecadação federal, mas
não elevou despesas.
Se o cálculo da perda de arrecadação federal
estava incorreto, como defende o ministro, é outra história. O fato é que a
situação excepcional da covid passou, a vida voltou ao normal e, realmente, não
fazia sentido prorrogar um programa emergencial que já havia cumprido o seu
objetivo. Mas isso não impediu o Congresso de prolongar o Perse, em mais uma
demonstração de fragilidade do Executivo.
As sucessivas indicações do Ministério da
Fazenda de que o programa tem sido fraudado e usado, inclusive, em operações de
lavagem de dinheiro, incorrem em duplo erro: a falta de transparência, pela não
comprovação dos supostos ilícitos, leva a denúncias vazias; e mesmo que tenha
havido fraude, isso não é motivo para extinção de programa algum.
Irregularidades são combatidas com fiscalização, repressão e punição. Se fraude
fosse razão para acabar com programas, o Bolsa Família já teria terminado há
muito tempo.
Fernando Haddad desistiu de confrontar a
decisão dos parlamentares por meio de medida provisória (MP) extinguindo o
Perse, mas pediu ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que mantenha a MP para
contabilizar o aumento de receita em seu relatório bimestral. Em contrapartida,
ofereceu manter o programa em outro patamar, com “visão focada” a ser detalhada
em projeto de lei.
Não é exagero dizer que toda a negociação em torno do Perse é um emaranhado de erros que expõe a relação esgarçada entre Legislativo e Executivo. Um dissenso que em nada contribui para o avanço do País e que resume de forma clara que interesses setoriais têm conseguido sistematicamente se sobrepor a avaliações técnicas sobre os efeitos de políticas de incentivo econômico.
Dia de reflexão, luta e reconhecimento
Correio Braziliense
Homens e mulheres sabem que a sociedade já
superou obstáculos na igualdade de gêneros, mas há muito para ser feito
O Dia Internacional da Mulher não é feito de
comemorações, festas, celebrações. Embora muitos ainda acreditem que seja assim
– apenas um momento de presentear com flores e abraçar esposa, colegas de
trabalho e amigas – se torna importante destacar o caráter político do 8 de Março
e reverenciar a trajetória de lutas que culminaram numa data tão especial. Mais
uma vez, o dia de hoje deve abrir portas tanto para a reflexão como para as
conquistas, prestar atenção nos desrespeitos e registrar os avanços na
legislação, e ficar de olho nos preconceitos e nas batalhas em nome dos
direitos civis.
Homens e mulheres sabem que a sociedade já
superou obstáculos na igualdade de gêneros, mas há muito para ser feito,
especialmente quanto à violência contra elas em todo o mundo. Na semana
passada, todos viram e ouviram, estarrecidos, a notícia do estupro coletivo de
uma brasileira, na Índia. “Que mundo é esse?”, é de se perguntar. A resposta,
trágica, é simples: Um mundo que, em muitas de suas regiões, vê a mulher como
presa fácil para o abate animalesco.
No Brasil, os dados ainda são assustadores.
No ano passado, pelo menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a
cada 24 horas. No total, houve registro de mais de 3 mil mulheres vítimas de
agressões, torturas, ofensas, assédio e feminicídio, num aumento de 22,4% em
relação a 2022. Os números foram divulgados pela Agência Brasil, com base na
Rede de Observatórios da Segurança e no boletim “Elas vivem: Liberdade de ser e
viver”.
Os relatos chocam pela crueldade dos
agressores, que se valem de um tapa no rosto, um corte no pescoço ou um tiro no
coração para abater a mulher, a companheira, a namorada. Os dados monitorados
apontaram 586 vítimas de feminicídio, mostrando que, a cada 15 horas, uma
mulher morreu em razão do gênero, nas mãos de parceiros ou ex-parceiros
portando armas brancas ou armas de fogo.
Se as estatísticas de violência contra a
mulher assustam a população e preocupam autoridades, há passos decisivos para
coibir os abusos, com orgulho para o Brasil. Um deles é a lei federal Maria da
Penha, que entrou em vigor em 22 de setembro de 2006 e tem reconhecimento
internacional como ferramenta importante para o enfrentamento da violência
contra as mulheres.
Mas se o Dia Internacional da Mulher é de
reflexão e luta, é também de fortalecimento, valorização, reconhecimento. Sem
esperar nada em troca, e fazendo valer a solidariedade, muitas mulheres agem de
boa vontade para socorrer os semelhantes. Com gestos de carinho, com os ouvidos
prontos para escutar sofrimentos alheios ou oferecendo um prato de comida a
quem tem fome, elas, sozinhas ou coletivamente, fazem sua parte para um mundo
melhor. E mais digno.
Humanidade é palavra feminina, e engloba
homens e mulheres. Presente e futuro, palavras masculinas, devem oferecer
espaço para todos e todas. “Ser humano”, comum de dois gêneros, é o fundamental
para a harmonia, a busca de igualdade e justiça. Afinal, num planeta tão
conturbado, a paz não depende apenas de um dia, mas de bilhões e bilhões de
minutos de união. E encontros fraternos.
Com fé em dias melhores e a crença de que, de mãos dadas, fica mais fácil encarar os duros revezes do inesperado, pode haver também esperança. As hostilidades devem ficar no passado, como “uma roupa que não nos serve mais”, para lembrar as palavras do compositor Belchior. Que um dia, não muito longe deste 2024, datas como o Dia Internacional da Mulher sejam de entendimento, e não apenas de votos de parabéns. Ou frágil aperto de mãos.
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