O Globo
Presidente resolveu falar a seu público mais
convertido, enquanto pesquisas apontam corrupção e segurança como maiores
preocupações dos brasileiros
Uma das piores coisas que podem acontecer a
um governo é um presidente experimentado, que passou a vida sendo louvado pelo
tino político e pela forma intuitiva como governa, se ver defendendo pautas e
prioridades completamente desconectadas daquelas que a população considera mais
importantes.
É o que parece estar acontecendo com Lula,
sobretudo neste início de ano. Outro fator que agrava a situação e atrapalha a
possibilidade de o governo corrigir a rota é haver poucos expoentes do entorno
próximo do presidente com senioridade e coragem para dizer a ele que está
errando e deveria rever o rumo.
No primeiro mandato, o círculo próximo ao petista era composto de pessoas que tinham intimidade com ele e autoridade política para confrontar algumas de suas decisões. Independentemente do que aconteceu com eles em investigações posteriores, Luiz Gushiken, José Dirceu e Antonio Palocci, entre outros, tinham cacife para confrontar as certezas sempre veementes que fizeram Lula chegar aonde chegou na política, mas nem sempre são o melhor caminho no exercício da Presidência.
O mesmo não se pode dizer do atual grupo de
ministros. O único que teria peso suficiente para dizer a Lula que as coisas
não vão bem seria Fernando Haddad, mas nem sempre os planos do ministro da
Fazenda parecem convergir com os do presidente.
Tanto é verdade que bastou a arrecadação de
janeiro e fevereiro crescer — fruto de fatores que podem ser sazonais, em razão
de medidas adotadas pela Fazenda no ano passado, como a taxação de offshores e
fundos exclusivos — para o presidente esfregar as mãos e sair defendendo mais
gastos, como se o problema da percepção não tão positiva da população em
relação a seu governo decorresse da falta de obras, entregas de casas ou outros
projetos tradicionalmente defendidos por ele.
As pesquisas divulgadas nesta semana pelos
institutos Quaest e Atlas, se forem analisadas detalhadamente e sem
negacionismo pelo governo, mostram que a população não percebe o bom momento da
economia e vê a corrupção e a segurança pública como os principais problemas do
Brasil.
Além disso, as recentes incursões de Lula em
temas de política externa se mostraram completamente dissociadas das
prioridades internas e mesmo da percepção que a maioria da população tem a
respeito dos temas que ele aborda de improviso segundo um viés ideológico
próprio, não submetido a crivos técnicos do Itamaraty, que parece ter virado um
apêndice da influência do assessor especial Celso Amorim.
O levantamento do Atlas aponta, com larga
margem de diferença para os demais, corrupção e segurança pública como temas
que mais preocupam os brasileiros. Eis uma pista que deveria ser seguida para
entender o mau momento da avaliação de Lula. São dois assuntos a que o petista
não tem se dedicado em discursos e agendas e sobre os quais sua administração
não tem nada a apresentar.
Pelo contrário: os dois debates são travados
do ponto de vista ideológico e, no que concerne à corrupção, o desmonte do
arcabouço de transparência, como os acordos de leniência, e a reversão de
decisões judiciais a granel pela Justiça estão associados, no debate público, a
uma ação coordenada com a esquerda e o governo.
Simplesmente ignorar essa percepção e achar
que é disseminado no conjunto da sociedade o entendimento de que todas as
condenações da última década eram perseguição e uma tentativa de “criminalizar”
a política é querer provar a quadratura do círculo e moldar a realidade às
próprias crenças.
O mesmo que Lula faz, aliás, ao propagar aos
quatro ventos a veia democrática de Nicolás Maduro e declarar uma crença, que
soa infantil para alguém tão experimentado, na realização de eleições limpas no
país vizinho. Neste ano, o presidente resolveu falar a seus convertidos mais à
esquerda e, aparentemente, a mais ninguém.
Um comentário:
Verdade.
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