Desmatamento no Cerrado exige mais de governadores
O Globo
Região continua a bater recordes com omissão
e falta de rigor na permissão legal para derrubar vegetação
Os governadores de Maranhão, Tocantins,
Piauí e Bahia devem
explicações sobre o que acontece no Cerrado. A omissão deles é a principal
causa do desmatamento descontrolado. A última medição do Inpe registrou 11 mil
km2 de vegetação destruída, a maior extensão desde 2015. Os principais focos
estão justamente nos quatro estados, região conhecida como Matopiba, onde
acontece 75% do desmatamento. Entre 2003 e 2022, uma área do tamanho do Estado
de São Paulo foi transformada em lavoura ou pasto. O ritmo atual continua
frenético e deverá, em 2024, superar a marca do ano passado.
Na Amazônia, a destruição da floresta costuma ser ilegal, com ação de criminosos em terras da União. O caso do Cerrado é distinto. Estados e municípios emitem documentos dando permissão para derrubar vegetação nativa em propriedades privadas, respeitado o limite de preservação entre 20% e 35% estabelecido no Código Florestal. Como mostrou reportagem do GLOBO, metade dos 2.833 km2 de Cerrado desmatados no Maranhão entre 2022 e 2023 obteve aprovação da Secretaria do Meio Ambiente do estado.
No papel, tudo parece correto. Na realidade,
há omissão contumaz. Não há rigor na concessão das permissões, falta um banco
de dados consolidado, e as inspeções são falhas. Proprietários rurais costumam
fazer autodeclaração ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), e tudo fica por isso
mesmo. Apenas 2% dos CARs estão validados, segundo análise da Climate Policy
Initiative/PUC-Rio. As inspeções estão longe do necessário. Com a conivência
dos governadores, não surpreende que siga crescendo o desmatamento, sob o manto
da legalidade de faz de conta.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
espera fazer um pacto com os governadores no âmbito do PPCerrado, um plano de
ação para prevenir e controlar desmatamento e queimadas. O objetivo é acabar
com a devastação ilegal até 2030 e pôr em funcionamento um sistema de
compensação para o desmatamento legal. Em fase de implantação, o PPCerrado
ainda não surtiu efeito prático. É urgente que tenha consequências. Em
manifestações públicas, os governadores do Matopiba dizem ter a preservação
ambiental como prioridade. Alguns foram à COP28, em Dubai, defender o
crescimento sustentável. Está na hora de transformar palavras em ações.
Na última reunião do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama), na primeira semana de março, o secretário de Controle
de Desmatamento, André Lima, chamou a atenção para os dados do segundo semestre
de 2023. Mantido o ritmo de desmatamento observado entre agosto e dezembro, o
próximo dado oficial sobre a destruição da vegetação nativa no Cerrado poderá
chegar a 12 mil km2, com o quinto ano consecutivo de aumento.
Por ser importante demais para o Brasil, o
Cerrado não pode virar sinônimo de descaso com a legislação ambiental. Ao todo,
54% da produção agrícola do país e 44% do rebanho bovino estão lá. A região
abriga propriedades rurais que se tornaram exemplos mundiais de produtividade.
A capacidade de gestão é espantosa. Prova disso é a resposta imediata aos
solavancos da demanda global por alimentos. O desafio, portanto, não é escolher
entre o crescimento dos negócios no campo e a preservação do meio ambiente. O
Brasil precisa atingir os dois objetivos ao mesmo tempo.
Obesidade deve ser tratada como uma questão
de saúde pública
O Globo
População acima do peso no planeta soma 1
bilhão. Proporção no Brasil está acima da média mundial
Maus hábitos alimentares têm levado à
expansão da obesidade no
mundo. Estudo publicado na revista científica The Lancet estimou em 1 bilhão a
população de obesos em 2022. Feita pelo consórcio de pesquisadores NCD-RisC,
com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS),
a estimativa inclui 879 milhões de adultos e 159 milhões de crianças e
adolescentes entre 5 e 19 anos (é considerado obeso quem tem Índice de Massa
Corporal, IMC, acima de 30 kg/m2). O número representava 12,5% da população
mundial. Crianças e adolescentes com sobrepeso quadruplicaram em pouco mais de
três décadas. Tal situação sugere que a tendência é a obesidade continuar a
aumentar, sem perspectiva de reversão.
O estudo avaliou 220 milhões de pessoas em
190 países. Constatou que os maiores índices de obesidade estão nos países de
renda média como o Brasil — e não nos mais ricos. A Turquia apresenta a taxa
mais alta de mulheres obesas na Europa: 43%. Para os homens, é a Romênia, com
38%. Enquanto apenas 10% da população francesa é obesa, ela chega ao quádruplo
disso nos Estados Unidos (44% das mulheres e 42% dos homens). A maior proporção
de adultos obesos (60%) está na Polinésia e Micronésia.
De 1990 a 2022, a obesidade na população
adulta mais que dobrou entre as mulheres (de 8,8% para 18,5%) e quase triplicou
entre os homens (de 4,8% para 14%). Nas meninas passou de 1,7% a 6,9%. Nos
meninos, de 2,1% para 9,3%. No Brasil, a parcela acima do peso supera a média
mundial — 33% das mulheres, 25% dos homens, 14% das meninas e 17% dos meninos.
A pesquisa também calculou a população abaixo
do peso (IMC inferior a 18). Ela está em queda e, com isso, passou a haver mais
países com obesos. Não há correlação entre pobreza e população abaixo do peso.
Muitos países pobres enfrentam uma dupla epidemia: de má nutrição e obesidade.
Nos países ricos, a obesidade infantil está concentrada nas famílias pobres.
Nos de baixa renda, é problema da classe média. À medida que a renda sobe, mais
crianças se tornam obesas. Muitas regiões convivem com os dois problemas,
principalmente países em desenvolvimento como o Brasil.
O corpo humano evoluiu para sobreviver aos
invernos e à fome acumulando gordura, depois difícil de perder. A isso se somam
a oferta generosa de comida ultraprocessada barata e o estilo de vida
sedentário. O resultado é a obesidade disseminada. Doenças decorrentes do
excesso de peso — cânceres, distúrbios cardiovasculares, diabetes etc. —
pressionam o sistema público de saúde. Por isso é preciso definir políticas
que, desde a escola, ajudem a população a se informar e se alimentar de forma
saudável. Obesidade também é questão de saúde pública.
Apuração de golpismo chega a novo patamar
Folha de S. Paulo
Ex-chefes das Forças implicam Bolsonaro em
plano para subverter resultado das urnas; melhor é PGR assumir acusação
Nunca foi segredo que Jair Bolsonaro (PL)
tencionava atentar contra a democracia, antes e depois das eleições em que foi
derrotado —e também se sabe que as instituições e a sociedade não permitiram
que o golpismo avançasse.
O que se investiga hoje é quais foram os
planos do ex-mandatário, até que etapa de execução chegaram e quantos estavam
dispostos a segui-los. Essa apuração chegou a um novo patamar com os
depoimentos de então comandantes das Forças Armadas à Polícia Federal.
De acordo com os relatos dos
ex-chefes do Exército e da Aeronáutica, minutas de decretos com
medidas de exceção, como a encontrada na casa do ex-ministro da Justiça
Anderson Torres e revelada na época pela Folha, não eram apenas sugestões
de auxiliares tresloucados de escalões inferiores.
O próprio Bolsonaro, conforme o testemunho do
general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, teria
apresentado propostas de decretação de estado de defesa e de sítio e operação
de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante reuniões em dezembro de 2022.
Àquela altura, o intento não seria outro além
de impedir a posse do governo eleito. Freire Gomes contou ter se recusado a pôr
em prática a trama golpista —e chegou a
ameaçar o ex-presidente de prisão, segundo o brigadeiro Carlos de
Almeida Baptista Júnior, então chefe da Aeronáutica e também opositor declarado
das medidas.
É óbvia a gravidade de tais testemunhos, que
implicam ainda o ex-ministro da Defesa e o ex-comandante de Marinha. A apuração
tem agora elementos bem mais fortes do que a mera delação premiada do
ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Deve-se evitar o açodamento nas conclusões,
todavia. Decerto haverá versões diferentes para os fatos —na sexta-feira (15),
foi derrubado o sigilo de 27 depoimentos à PF. Nem mesmo há até aqui denúncia
formal contra Bolsonaro.
Se ela vier a ser feita a aceita, o devido
processo legal, com amplo direito ao contraditório, deve averiguar como
ocorreram as reuniões relatadas e se chegaram ao ponto de configurar tentativa
criminosa de golpe de Estado e abolição do Estado de Direito, como se prevê na
lei de defesa de democracia, sancionada em 2021.
Seria melhor que a Procuradoria-Geral da
República assumisse o papel de parte acusadora, havendo elementos para tanto. O
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, hoje é ao mesmo
tempo condutor anômalo do inquérito e vítima em potencial da conspiração
investigada.
A corte precisa ser julgadora imparcial em um
eventual caso que, em qualquer hipótese, será inédito, difícil e delicado.
Emergência neurológica
Folha de S. Paulo
Governos devem focar nessas doenças, ligadas
ao envelhecimento populacional
Da perspectiva da saúde individual, efeitos
importam mais que causas. São eles a diminuir a qualidade de vida dos
pacientes, e foi ajustando esse foco que nova análise do relatório "Fardo
Global da Doença" apontou as
enfermidades neurológicas como problema central do presente.
O estudo publicado no periódico The Lancet
Neurology revela que, em 2021, 43% da população mundial, 3,4 bilhões de
pessoas, enfrentaram doenças do sistema nervoso, como demências, cefaleias ou
acidentes vasculares cerebrais (AVC).
Essas patologias cresceram mais de 50% desde
a década de 1990, e ultrapassaram as cardiovasculares, antes consideradas mais
prevalentes. Tal mudança decorre de vários fatores, até metodológicos.
O escopo de distúrbios neurológicos do
relatório avançou de 15 para 37, incluindo síndromes como complicações da
Covid-19. Além disso, o AVC passou a ser classificado como problema
neurológico, e não mais cardiovascular.
O AVC não deixou de ter como origem a
obstrução de vaso sanguíneo no cérebro. Os efeitos desses acidentes num órgão
vital, como paralisias, é que pesaram mais que a etiologia para classificá-los
entre as patologias neurológicas.
Há, porém, fenômeno subjacente mais
significativo que alterações de critérios: o envelhecimento da população. Com
mais idosos, aumenta a prevalência de moléstias características dessa faixa
etária, como Alzheimer, Parkinson e AVCs.
A tendência é global e se manifesta
também em países de renda média, como o Brasil. Entre os censos de
2010 e 2022, a parcela de habitantes com 65 anos ou mais no país passou de 14
milhões (7,4%) para 22 milhões (10,9%) —o aumento absoluto foi de 57,4%.
A Organização mundial da Saúde (OMS) avalia
que a região das Américas não conta com o preparo desejável para lidar com o
envelhecimento progressivo.
Nada menos que 75% dos brasileiros idosos dependem exclusivamente do SUS. Desde 2018, o serviço tem diretrizes para essa fase da vida, com foco em tratamento, prevenção e qualidade de vida —como deve ser e como se torna doravante imperioso aprofundar.
Haja lábia
O Estado de S. Paulo
Rui Costa acha que a queda na popularidade de
Lula vem das falhas da comunicação, mas não há marketing capaz de vender um
produto ruim
Um dos principais auxiliares do presidente
Lula da Silva, o ministro Rui Costa (Casa Civil) assim identificou a razão da
notável corrosão na popularidade do chefe: a comunicação do governo.
Minimizando as pesquisas que indicaram crescente reprovação ao presidente e
tentando reduzir o peso de qualquer fragilidade da atual gestão, Costa acha que
é preciso aperfeiçoar a comunicação do governo e aproximá-lo de quem lê
notícias via WhatsApp. “É alcançar as pessoas com informações corretas”, disse
ele, em entrevista recente à GloboNews. O ministro do PT está convicto de que
os números da popularidade não representam a realidade do governo.
Questão de fé, por definição, não se discute.
Segundo a parolagem petista, o atual mandato do demiurgo só tem produzido boas
notícias; o problema estaria na percepção popular, ruim porque o governo não
conseguiu fazer suas “informações corretas” chegarem às redes. Em outras
palavras, a piora não teria se dado em razão dos fatos: além dos bons
resultados apresentados, o presidente estaria cumprindo fielmente seu
desiderato de trabalhar para reunir eleitores, famílias e amigos afastados por
divergências políticas, governaria com sabedoria e conciliação, tentando
conjugar as ideias do PT com outras forças e pensamentos fora das tribos
petistas, e não teria espalhado diatribes que afrontam mentes moderadas –
católicas, evangélicas, judaicas ou agnósticas.
Pelo menos neste caso, Costa não recorreu à
habitual criminalização do inimigo preferencial da esquerda: a “grande mídia
corporativa”. Tampouco lançou mão de teorias conspiratórias comuns aos governos
de natureza populista – a crença numa grande articulação entre veículos
jornalísticos, como um esforço intencional da mídia e dos críticos para
desestabilizar o governo. Em outros termos e outros tempos, a narrativa de
perseguição da imprensa não raro era também adotada pelo então presidente Jair
Bolsonaro. Mas a intenção de Costa de fazer chegar as “informações corretas” ao
distinto público denota a habitual má vontade lulopetista com o trabalho da
imprensa.
Se o problema está na percepção pública,
sugere Rui Costa, no fim das contas quem será responsabilizado por isso é a
comunicação do governo – aquela que, em última instância, atua na mediação
entre o que o governo faz e como atinge a opinião de cidadãos. Ao aderir à
tese, o ministro reforça a máxima segundo a qual a comunicação é o “mordomo”
das crises dos governos, isto é, aquele sobre o qual habitualmente recai a
culpa, ainda que seja necessário reconhecer as deficiências da comunicação
lulopetista, em que imperam a falta de conhecimento sobre as exigências do
ambiente digital, as falhas improvisadas ou bem pensadas do grande líder e a
pajelança palaciana, incapaz de achar uma voz crítica que dissuada, divirja,
aponte ao presidente as armadilhas das bombas que solta. Ao contrário, não
falta quem surja para dobrar a aposta e justificar as lambanças do
companheiro-em-chefe, como ocorreu no trágico episódio da comparação do
conflito de Israel com o Hamas ao Holocausto.
Se Lula fala e faz o que quer, como quer e
para quem quer (e não para quem precisa), não há estratégia de comunicação
genial o suficiente para consertar o defeito de origem. Eis o ponto: marketing
político ou comunicação oficial não substituem o que só um bom produto pode
suprir. Na ausência deste, não há boa estratégia, mensagens, bons canais ou
quaisquer outras artimanhas narrativas para convencer o distinto público do
contrário e assegurar outra percepção popular. O governo Lula tem se mostrado
um produto que passou do prazo de validade, concebido para as afinidades
tribais, não para um País complexo e uma população diversa e com expectativas
de mudança real em suas condições de vida. Antes de tentar seduzir os
brasileiros com a ladainha antediluviana sobre luta de classes, que não faz
nenhum sentido para os cidadãos que querem liberdade para aproveitar as novas
oportunidades de trabalho e empreendedorismo, é preciso chegar à vida real das
pessoas – que Lula, ocupado demais consigo mesmo e com seus devaneios, parece
desconhecer. O ministro pode não enxergar, mas o culpado pelos problemas de
comunicação está no gabinete presidencial, a poucos metros do seu.
Rédeas para a inteligência artificial
O Estado de S. Paulo
Europa aprova lei dura para proteger os
cidadãos e a democracia de danos colaterais da nova tecnologia, mesmo sob o
risco de limitar a aplicação de sistemas de IA na economia
O Parlamento Europeu aprovou a mais ampla e
dura legislação do planeta sobre o uso da inteligência artificial (IA). A
decisão do bloco de conter os danos colaterais causados pela nova tecnologia
certamente servirá de referência a outros países. Com a proteção de seus
cidadãos e do próprio sistema democrático como prioridade, os legisladores
europeus resistiram às pressões do setor nascente e impuseram inúmeras travas e
obrigações de transparência para a interação entre usuários e máquinas. No
Brasil, onde um projeto de lei sobre o assunto tramita a passos de cágado no
Congresso Nacional, espera-se convicção similar.
As normas consagradas pela União Europeia
(UE) vão muito além das adotadas pelos Estados Unidos e pela China. Todos esses
arcabouços legais certamente sofrerão ajustes e atualizações em prazo mais
curto do que o vislumbrado neste momento, dada a velocidade espantosa de
desenvolvimento da IA. No caso europeu, ao contrário da crítica de empresas do
setor de que a nova legislação é abrangente demais, os órgãos de controle a
consideraram insuficiente. O que está no papel, entretanto, parece ser um bom
começo.
A lei sobre inteligência artificial deverá
entrar em vigor somente depois de aprovada pelos Parlamentos dos países do
bloco. Suas regras refletem uma preocupação ética com a potencial disseminação
de desinformação, preconceitos e discursos de ódio por meio de conteúdos
produzidos pela IA. A possibilidade de manipulação das opiniões e escolhas dos
cidadãos europeus foi outro risco a ser levado em conta.
Entre suas normas estão a obrigatória
rotulagem de qualquer texto, áudio ou imagem produzido por IA e a exibição dos
materiais que serviram de base para a produção do conteúdo final. As pessoas
podem até vir a considerar real e de origem essencialmente humana uma
informação que, na verdade, foi parida por uma máquina. Mas as chances de
chegar a essa conclusão serão reduzidas com os alertas e os dados adicionais
exigidos pela UE. Tais regras de transparência são especialmente relevantes no
modelo de inteligência artificial generativa, como o disponível desde o ano
passado pelo ChatGPT, que permite a elaboração de conteúdos tão coerentes como
os realizados por humanos.
A legislação, entretanto, vai além e abarca a
preservação da integridade e dos direitos básicos de cada cidadão europeu. O
uso de sistemas de IA para criar bases de dados de reconhecimento facial foi
proibido. Da mesma forma, estão vetados os instrumentos para a exploração de
vulnerabilidades humanas, como a captação de emoções das pessoas em escolas e
locais de trabalho.
A inclusão de regras contra ameaças já
identificadas do uso da IA sobre as instituições nacionais e do bloco europeu
também visa a defender o cidadão. Em uma de suas principais decisões, os
legisladores determinaram a necessária supervisão humana quando ferramentas de
alto risco forem utilizadas na educação, nas eleições, nos processos judiciais,
nos procedimentos de imigração e nos serviços públicos e privados.
O salto a ser observado na economia mundial
pela adoção da IA parece não ter precedentes na história da humanidade. O Bank
of America estima uma contribuição de US$ 15 trilhões dessa tecnologia ao
Produto Interno Bruto (PIB) mundial até 2030, o que justifica a competição de
potências no setor. Ao aprovar barreiras legais ao uso dessa ferramenta em seu
território, a União Europeia obviamente mostrou-se ciente de que seus ganhos
econômicos podem ser mais limitados do que em outras partes do mundo.
Deixar de ganhar, nesse caso, é justificável
e exemplar. Já a exposição de cidadãos, de serviços públicos e das instituições
democráticas aos eventuais malefícios da nova tecnologia, ao contrário, seria
intolerável. Não se espera que, no Brasil, os legisladores se limitem a copiar
e colar a legislação europeia sobre a IA ou qualquer outra em vigor. Mas, por
suas claras prioridades, será indispensável o estudo do caso europeu no
processo de construção de um arcabouço legal sobre inteligência artificial que
defenda os cidadãos brasileiros e sua democracia.
A China a 5%
O Estado de S. Paulo
Embora mais modesta, meta para o PIB de 2024
exigirá de Pequim maior apoio ao setor privado
O governo da China fixou o crescimento
econômico de 5% como sua meta para este ano. Não se trata de estimativa, mas de
um marco que, embora mais modesto, não será nada fácil de ser alcançado. Maior
do que a mais recente projeção do Banco Mundial, de expansão de 4,6%, e abaixo
do desempenho de 5,2% no ano passado, a meta exibe os limites para o país
retomar o nível de atividade mais robusto da década passada. Nos detalhes do
plano de Pequim, entretanto, não figura apenas a estratégia de contornar os
fatores que puxam para baixo o crescimento chinês. Há também a reorientação
para uma economia mais competitiva em alta tecnologia e energia limpa e
impulsionada pelo setor privado.
A China dificilmente voltará a crescer a
taxas de dois dígitos, como nos anos 2000. Mas o anúncio do primeiro-ministro
Li Qiang na abertura do ano legislativo do Congresso Nacional do Povo, no
último dia 5, expressa a convicção do Politburo chinês de que deve haver um
piso a ser observado para o crescimento do Produto Interno Bruto. Se conseguirá
cumprir, é outra história.
Crescer a 5% será um desafio. A China
enfrenta, sobretudo, uma queda acentuada no consumo doméstico, que resulta em
alto nível de capacidade ociosa de produção e em deflação. Elevar a confiança
do consumidor não depende apenas da expansão monetária, já em curso. Essencial
será eliminar a sensação de risco provocada pela crise imobiliária, que levou
consumidores chineses – prejudicados ou não pelo estouro da bolha – a limitar
os gastos e a poupar ainda mais.
Uma solução definitiva para o setor
imobiliário, por mais crucial que seja, demandará tempo e energia. O governo
chinês tem evitado a quebradeira das empreiteiras, estatizou o segmento da
construção habitacional, antes dominado por gigantes como a Evergrande, e
restringiu o acesso dessas empresas ao crédito de bancos comerciais. Tudo
indica que as medidas anunciadas até o momento são insuficientes. A crise
irradiou-se no setor financeiro, nas contas públicas de governos locais e no
bolso de cidadãos que investiram em imóveis.
Substancial parte do plano para este ano
envolve o investimento público adicional de US$ 138,9 bilhões. Boa parte desses
recursos será direcionada aos setores de alta tecnologia e de energia limpa e à
pesquisa científica. Pequim não esconde seus objetivos de alavancar a produção
de bens de alta qualidade, sobretudo pelo setor privado, e de atingir
autossuficiência na fabricação de semicondutores. A nova estratégia corrige a
política de Xi de privilegiar as estatais na concessão de crédito e de
incentivos. Será novamente a vez das empresas privadas.
A China, obviamente, terá de lidar com problemas de fundo, como o desemprego elevado entre os jovens e a ausência de políticas de proteção social. A redução da população chinesa é um dilema ainda mais complexo. Ao fixar uma diretriz menos ambiciosa para seu crescimento econômico neste ano, o país revela seus limites e desafios. Ao resto do mundo, Pequim pelo menos oferece alguma previsibilidade no campo econômico-comercial. Se atingir sua meta de 5%, já terá feito muito.
Inflação de alimentos não deveria ser a
primeira preocupação
Valor Econômico
Os preços dos alimentos já foram o principal
motivo de preocupação sobre a evolução do IPCA, mas seu lugar foi substituído
pelos serviços
Não há problemas sérios com a inflação, fora
o fato de que ela está demorando mais do que o previsto para chegar à meta de
3%. Pode-se discutir os motivos para isso, mas os preços dos alimentos não
estão entre os principais. No ano passado, o primeiro do terceiro mandato de
Lula, o IPCA foi de 4,62%, enquanto a variação dos alimentos despencou de
11,64% para 1,03%. As mais recentes pesquisas sobre desempenho do governo
mostram erosão significativa da popularidade do presidente Lula e da avaliação
de seu governo. Lula então reuniu vários ministros da área econômica e política
para discutir a inflação dos alimentos. Sempre se pode melhorar alguma coisa
nessa área, mas há pouca coisa que o governo possa fazer para mudar uma
situação que, afinal, não lhe foi desfavorável.
Na campanha eleitoral e em seus primeiros
dias após a posse, Lula disse que “o povo tem que voltar a comer um
churrasquinho, a comer uma picanha”. Não se chegou a tanto, mas o preço dessa
peça caiu 8,21% nos doze meses encerrados em fevereiro. Comer em casa ficou
apenas 1,96% mais caro, embora refeições fora do domicílio tenham subido 4,96%,
não muito mais que o IPCA acumulado no período, de 4,5%.
A principal razão para que haja elevação
forte de alguns produtos nos últimos meses, como o arroz (30% em um ano), são
os efeitos das mudanças climáticas. Enchentes no Rio Grande do Sul, contraponto
à seca na Amazônia, no Centro-Oeste e no Nordeste, reduziram a safra, e o calor
fez serviço nefasto no seu companheiro de prato, o feijão, em algumas
variedades. No Rio de Janeiro, onde a variedade preta é mais consumida, houve
alta de 20,11%. Em São Paulo, o aumento do arroz foi mitigado pela queda de
7,1% no feijão carioca.
A carestia na cesta básica em geral afeta a
sensação a respeito do custo de vida se há saltos nos preços das carnes e
laticínios, bens proteicos vitais, ao lado da dobradinha arroz-feijão. Mas
carnes e peixes recuaram 2%, aves e ovos, 3,47%, leite e derivados, 3,66%,
enquanto os pães, outro item essencial na mesa do brasileiro, avançaram 2,09%,
menos da metade do índice cheio de inflação.
Uma parcela importante dos preços a cesta de
alimentos brasileira é determinada pelas cotações das bolsas internacionais, em
especial carnes, soja, café, suco de laranja e recentemente o milho, dos quais
o Brasil é um grande exportador mundial. Em 2022, quando essas commodities
subiram muito no mercado externo, seus derivados pesaram desagradavelmente no
bolso dos brasileiros. Óleo de soja e milho dispararam, mas os preços estão
desinflando com alguma rapidez nos últimos meses. Em fevereiro, sempre na conta
de doze meses, o óleo de soja (e as gorduras em geral) recuou 11,48%, embora
quebras na safra de azeite de oliva tenham tornado o produto um bem tão valioso
- a ponto de ser objeto de roubos na Espanha, um dos maiores produtores -, e
elevado seu preço em 44% no Brasil.
Outros integrantes na mesa de refeições, como
frutas, hortaliças e legumes, vivem sazonalidade desfavorável no início do ano,
estação das chuvas. Altas de 56% na cenoura e de 11% na cebola são normais,
embora neste verão tenham sido bem mais acentuadas pelas ondas de calor acima
do usual, que continuam assolando o Sudeste e o Centro-Oeste, assim como os
ferozes aguaceiros que destroem as plantações de hortaliças e legumes nas
vizinhanças das metrópoles.
Os preços dos alimentos já foram o principal
motivo de preocupação sobre a evolução do IPCA, mas seu lugar foi substituído
pelos dos serviços. O crescimento da renda e da massa salarial e a redução da
inflação criaram um anteparo para a queda do IPCA, que se tornou muito mais
lenta do que poderia sugerir a alta carga de juros. A inflação subjacente de
serviços cai devagar, e nas últimas leituras houve sobressaltos com a evolução
dos serviços intensivos em trabalho. Os preços dos serviços crescem diretamente
em função do aumento do salário mínimo, que, no governo Lula, voltou a ter
aumento real.
O reajuste do Bolsa Família e a queda da
inflação também estão aumentando o consumo das famílias, o que, com os outros
fatores, pode exercer pressão sobre a inflação, mas em geral trazem percepção
muito favorável às políticas do governo. Alguma perda de prestígio pode ser
descontada da paralisia da economia no segundo semestre de 2023. Mas é pouco
provável que a situação dos assalariados tenha piorado recentemente.
Além disso, o índice de pobreza extrema no Brasil caiu de 33 milhões de pessoas para 20 milhões. É razoável supor que a situação de bem-estar da população melhorou nos últimos meses. Por isso não se entende a preocupação de Lula com alimentos. Deve-se torcer para que ele evite medidas demagógicas para resolver problemas que não existem. É possível aprimorar a política de estoques reguladores de alimentos básicos e reforçar dotação orçamentária ao Pronaf, da agricultura familiar, cuja produção se concentra com razão nesses bens, política no passado bem-sucedida. Mas para levar a inflação a nível civilizado, de 3%, o governo deveria se preocupar em zerar o déficit público, que amorteceria muito as expectativas inflacionárias.
Economia e felicidade
Correio Braziliense
O Relatório Mundial da Felicidade destaca a
influência determinante da economia na sensação de bem-estar das pessoas
Desigualdade econômica, problemas de saúde
pública e educação, corrupção e violência são desafios enfrentados pelo Brasil
que, superados ou ao menos reduzidos, poderiam deixar a população mais feliz. A
partir de dados do Gallup World Poll, a World Happiness Foundation (WHF)
organiza o Relatório Mundial da Felicidade, que destaca, entre outros itens, a
influência determinante da economia na sensação de bem-estar das pessoas.
A pesquisa avalia fatores como o Produto
Interno Bruto (PIB) per capita e outros itens como generosidade e apoio social
impactam nos cidadãos. Países com maiores índices de desigualdade econômica
tendem a ter menor sentimento de felicidade.
Para o presidente da WHF, Luis Gallardo, a
percepção de corrupção no país é identificada como um fator que mina a
confiança nas instituições públicas, afetando negativamente o bem-estar social.
Os dados se baseiam na escala Cantril, na qual os participantes classificam
suas vidas de 0 a 10, o que faz com que a análise desses números forneça uma
compreensão mais profunda das razões pelas quais determinados países obtêm ou
não pontuações elevadas no ranking da felicidade.
O investimento nos setores de saúde e
educação também são preponderantes. Tristes os países que não conseguem reunir
esforços para essas duas áreas – seja por falta de recursos, seja por não
acreditarem em projetos como esses –, variáveis que fortalecem a dignidade da
população, abrindo oportunidades de trabalho e senso crítico para fazer
escolhas mais positivas.
No último levantamento, divulgado em 2023, a
Finlândia foi considerada o país mais feliz do mundo, pelo sexto ano seguido.
Na sequência, vêm Dinamarca, Irlanda, Israel e Holanda. Diante do conflito com
o Hamas, pode ser que os israelenses tenham modificado a percepção deles. O
Brasil ocupou o 49º lugar. Caiu 11 posições, atrás de nações como Uruguai,
Chile, Nicarágua e Guatemala.
Faltam passos gigantescos para que o poder
público brasileiro — e aqui estão os ministérios da Saúde e da Educação, bem
como as secretarias estaduais e municipais — se mobilize numa grande corrente
em prol da sociedade.
Cabe destacar ainda o significativo
envolvimento do brasileiro nas redes sociais, que pode funcionar como uma
ferramenta poderosa para promover políticas de bem -estar. Essa abordagem
estratégica envolveria a utilização das redes como um meio eficaz de comunicação
e engajamento com a população, permitindo que as autoridades governamentais
alcançassem e envolvessem um grande número de pessoas nas discussões.
As redes sociais podem ajudar na disseminação
simultânea de informações, no diálogo aberto e na participação ativa dos
cidadãos na formulação e implementação de políticas voltadas para o bem-estar
da sociedade. Métodos como campanhas de conscientização, enquetes públicas,
transmissões ao vivo de eventos e debates, compartilhamento de informações
relevantes sobre saúde, educação e oportunidades econômicas.
O Brasil sabe a receita: reduzir as disparidades econômico-sociais, ampliar as oportunidades de emprego, de vagas nas escolas públicas em todos os níveis e desenvolver políticas públicas de segurança são alguns dos ingredientes. É enorme o desafio, e longo o caminho a ser percorrido até o país ganhar destaque como referência em 20 de março, eleito pela Organização das Nações Unidas (ONU) o Dia Internacional da Felicidade.
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