segunda-feira, 18 de março de 2024

Lygia Maria - Ficção identitária

Folha de S. Paulo

Filme indicado ao Oscar mostra como obsessão da militância por opressão estimula caricaturas de minorias na literatura

Na última década, o Oscar tem buscado premiar mais panfletos sociais e políticos do que filmes. O fenômeno é resultado da ascensão do movimento identitário, que cobra por indicação e premiação de histórias de opressão de minorias, e reclama quando elas não recebem estatuetas.

Mas, neste ano, não se viu a tradicional indignação por um filme dirigido por um negro (Cord Jefferson), com elenco negro e baseado no livro de um escritor negro (Percival Everett) não ter sido premiado nas categorias de melhor filme e ator —venceu em roteiro adaptado.

Talvez porque o excelente "Ficção Americana" satirize aspectos nefastos do movimento identitário.

Thelonious "Monk" Ellison, escritor e professor universitário negro, tenta publicar um livro baseado numa peça de Ésquilo. Contudo, mesmo que o editor avalie bem a obra, não a vê como relevante para a experiência afro-americana.

Como resposta irônica, Monk oferece sob pseudônimo um livro sobre uma família negra pobre disfuncional, envolvida com criminalidade, e permeado por gírias. O trabalho é sucesso de público e crítica.

Aponta-se, assim, o erro em considerar a identidade como ponto gravitacional de todos os aspectos da vida do indivíduo, inclusive estéticos. E não uma identidade multifacetada, mas presa à ideia de opressão. Como diz John McWhorter, ao resumir tal distorção conceitual do movimento identitário: "o significado de ser negro é passar a vida inteira enfrentando o racismo".

Dessa forma, a militância, em vez de combater, acaba por estimular caricaturas ressentidas de minorias.
Negros, mulheres e homossexuais não precisam escrever apenas sobre a violência do preconceito. São sujeitos curiosos, com vivências e interesses variados. O teatro de Ésquilo não é admirado apenas por gregos.

Há quem culpe o mercado editorial, controlado por brancos. Mas o mercado apenas supre a demanda de um nicho, que se baseia em estereótipos artificiais consagrados pela insensatez da ficção identitária.

 

Um comentário:

marcos disse...

Perfeito. Amancio não gostou?

MAM