Valor Econômico
Conselhos de administração de empresas
atendem a diversos interesses no governo
A semana passada foi repleta de episódios
envolvendo a governança corporativa de estatais e de empresas privadas nas
quais a União ainda detém algum tipo de ingerência, mesmo que indiretamente.
O retorno de Lula ao poder representou a
retomada da visão de que as estatais têm um papel estratégico na promoção do
desenvolvimento nacional. Nesse sentido, a nova administração da Petrobras tem
sinalizado com a ampliação de seu plano de investimentos e novas diretrizes a
respeito de refino, distribuição de combustíveis e transição energética. O
episódio mais recente dessa história se deu na atual crise sobre os dividendos.
Se uma mudança de rumos em relação à administração anterior é válida e legítima, ela não deve ser feita à revelia dos demais sócios privados da empresa. Assim, todas as decisões da Petrobras que possam afetar a distribuição de dividendos aos acionistas precisam ser comunicadas com muita transparência, para se evitar as turbulências que vimos no preço das suas ações na última semana.
Em resposta à crise do Petrolão, o governo
aprovou a Lei nº 13.303/2016, para reforçar a estrutura corporativa das
estatais e torná-las mais resistentes à interferência política. No entanto, num
de seus últimos atos no Supremo Tribunal Federal, o atual ministro da Justiça,
Ricardo Lewandowski, suspendeu muitas das suas determinações numa canetada.
Quem semeia vento colhe tempestade, como estamos vendo agora.
Situações ainda mais graves, porém, são as
insinuações de interferência política do processo sucessório na Vale,
apresentadas na carta de renúncia do conselheiro independente José Luciano
Penido, e as pressões de Lula para emplacar Guido Mantega primeiro na própria
Vale e, mais recentemente, na Braskem.
Por se tratar de empresas privadas, nas quais
a União não detém o controle direto, a intromissão do governo nas suas decisões
extrapola os limites da opção estratégica desenvolvimentista.
Em 2011, o pesquisador Sérgio Lazzarini
publicou um livro demonstrando, com fartura de dados, as relações umbilicais
entre as grandes empresas brasileiras e o Estado. “Capitalismo de Laços”
explicita como o BNDES e outros bancos oficiais, as maiores estatais e os
fundos de pensão de seus empregados constituem uma teia de participações
societárias cruzadas que se espalha pelo tecido dos maiores símbolos do setor
privado nacional.
A se pautar pelas manchetes da última semana,
o governo Lula está mais do que disposto a estender seus laços sobre o mercado
brasileiro.
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Embora pouco se comente a respeito, a
distribuição de vagas nos conselhos de estatais também está no centro da crise
envolvendo a diretoria e o sindicato dos servidores do Banco Central e o
governo Lula.
Os pagamentos feitos pelas estatais aos
membros de seus conselhos (os famosos jetons) sempre foram uma forma de
complemento salarial bastante generosa que atende a diversos fins: atração de
profissionais do mercado para colaborarem por um tempo no governo, premiação à
dedicação de alguns servidores públicos e remuneração extra para quadros
partidários do governo de plantão.
Segundo dados do Portal da Transparência,
durante o exercício financeiro de 2023, 76 empresas estatais distribuíram R$
16.572.796,30 para 590 servidores públicos e ocupantes de cargos comissionados
a título de jetons.
Para ficar apenas nas indicações técnicas,
diversos integrantes da cúpula do Ministério da Fazenda fizeram jus ao
recebimento de jetons de estatais no ano passado: o chefe de gabinete, Laio
Morais (R$ 65.075,34), o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello (R$
47.390,78), o secretário do Tesouro, Rogério Ceron (R$ 47.295,88), e o
secretário-executivo adjunto, Rafael Dubeux (R$ 42.404,88).
Os pagamentos de jetons também agraciaram
dezenas de servidores de carreiras dos ministérios da Fazenda e do Planejamento
- alguns deles chegaram a engordar seus contracheques em até R$ 106.842,97 em
2023.
Não há nada de errado e muito menos de ilegal
nesses pagamentos. O problema é que, no contexto de tratamentos diferenciados
dispensados pelo governo federal na política salarial, essa questão dos jetons
gera ainda mais distorções entre as carreiras.
No caso específico do Banco Central, em
função da legislação sobre conflitos de interesses, diretores e servidores da
instituição não podem integrar o conselho de instituições públicas ou privadas.
A regra faz todo o sentido, pois decisões sobre crédito ou taxas de juros
afetam as estratégias de empresas que atuam no mercado, e por isso não seria
salutar que um integrante do Bacen fizesse parte de seu corpo de
aconselhamento.
A norma, contudo, gera um efeito colateral.
Os diretores e técnicos do Banco Central não deixam nada a desejar em preparo
técnico a um alto dirigente do Ministério da Fazenda ou um servidor qualificado
do Tesouro Nacional ou da Receita Federal. No entanto, por não poderem ser
contemplados com os jetons das estatais, os integrantes do Bacen acabam se
sentindo preteridos em relação a seus pares.
Na elite do funcionalismo, quanto mais o
governo procura agraciar uma carreira com penduricalhos como honorários, bônus
e jetons, mais desagrada às demais.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Um comentário:
Perfeito.
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