Valor Econômico
Indicadores mostrando crescimento mais firme
da economia surgem num momento em que pesquisas revelam queda na popularidade
de Lula
A atividade econômica dá sinais de
crescimento mais forte no começo de 2024, depois da estagnação no segundo
semestre do ano passado. Em janeiro, o comércio e os serviços avançaram mais do
que esperavam os analistas, e a geração de empregos formais foi bem acima do
esperado. A arrecadação também foi elevada no primeiro mês do ano, e as
estimativas indicam que isso se repetiu em fevereiro.
Os números positivos vêm a público num momento de queda da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Numa sociedade polarizada politicamente, a economia teria menos peso na avaliação dos governantes pelos eleitores? O tema tem sido discutido exaustivamente neste mês, com a divulgação de pesquisas com piora na aprovação de Lula, que causam desconforto no presidente e em seu entorno. Nesse cenário, cresce o risco de o governo recorrer a medidas populistas, como aumento de gastos, para tentar reverter a situação. Caberá especialmente ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conter essas pressões, que volta e meia reaparecem na atual gestão.
O comportamento da inflação, principalmente a
de alimentos, tem sido apontado como foco de descontentamento, pela maior
relevância para a população de baixa renda. Depois de subir 13,2% em 2022 no
IPCA, alimentação no domicílio recuou 0,5% em 2023. As cotações desses
produtos, porém, começaram a subir com mais força a partir de novembro de 2023.
Entre esse mês e fevereiro deste ano, os alimentos em casa aumentaram 5,11%. E,
apesar da perda de fôlego da comida entre meados de 2022 e outubro de 2023, o
nível desses preços seguiu alto. De 2018 a 2022, as cotações de alimentação no
domicílio subiram em média 10,4% por ano, enquanto o IPCA avançou a uma média
de 5,7%. Em março, a expectativa é de arrefecimento da alta de alimentos em
casa. A LCA Consultores estima que a variação desse grupo passará de 1,12% em
fevereiro para 0,27% neste mês.
Para tentar conter a pressão sobre esses
preços, o governo vai tomar medidas para elevar a produção de alimentos básicos
no Plano Safra 2024/25, com o objetivo de estimular o cultivo de produtos como
arroz, feijão, milho, trigo e mandioca. A ideia também é reforçar a Política de
Garantia de Preços Mínimos, para incentivar a formação de estoques. Desde que
não escorreguem para medidas de controle de preços ou subsídios, as iniciativas
podem até ajudar, mas o efeito não será imediato.
Ainda que a inflação de alimentos e dos
serviços mais sensíveis à demanda não esteja em níveis confortáveis, isso não
deverá impedir que o Banco Central (BC) siga com os cortes de juros, levando a
Selic, hoje em 11,25% ao ano, para a casa de 9%. Na quarta-feira, a taxa deve
cair mais 0,5 ponto percentual, para 10,75%.
A queda dos juros, tudo indica, é um dos
motivos para a melhora da atividade no começo deste ano, num cenário em que o
mercado de trabalho continua forte. Em janeiro, as vendas do varejo ampliado
subiram 2,4% em relação a dezembro, feito o ajuste sazonal. O setor de
serviços, por sua vez, teve alta em janeiro de 0,7% nessa base de comparação.
Para completar, as contratações com carteira assinada superaram as demissões em
pouco mais de 180 mil vagas, mais do que o dobro do esperado pelos analistas.
Nesse quadro, cresce a expectativa de um crescimento em 2024 na casa de 2% ou
um pouco mais - menos que os 2,9% de 2023, mas acima do 1,5% projetado pelos
analistas mais pessimistas.
Os juros em queda tendem a estimular o
investimento e dar fôlego para o crédito, contribuindo para mais uma alta firme
do consumo das famílias. O comportamento da renda, aliás, continua forte. O
economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, observa que a
renda nacional restrita das famílias, que exclui ganhos com aluguéis e
aplicações financeiras, cresceu em janeiro mais 0,59% em relação a dezembro, na
série com ajuste sazonal. Em três meses, registra um ganho de 3,9%, uma taxa
bastante impressionante para um agregado que abrange mais da metade do PIB,
observa ele.
Montero também destaca o salto das despesas
não financeiras nos últimos meses. Considerando as estimativas do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o mês passado, de um déficit de R$ 61,3
bilhões das contas do governo central, os gastos primários (que não incluem
dispêndios com juros) subiram o equivalente a R$ 178,6 bilhões no período de
dezembro de 2023 a fevereiro de 2024, na comparação com o mesmo período de um
ano antes, em valores atualizados pela inflação. O pagamento de R$ 93 bilhões em
precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais) está incluído aí. Como
paralelo, os anos do teto de gastos, de 2017 a 2022, deixaram a despesa
primária do governo federal com um aumento de R$ 119 bilhões, a preços de
fevereiro deste ano, compara Montero. Houve nos últimos meses uma enorme
injeção de gastos, num momento em que o mercado de trabalho segue forte, nota
ele. Lula está acostumado a governar com alta significativa de gastos, e não
por acaso falou em rever o limite de despesas quando surgiram notícias de
arrecadação expressiva no começo deste ano. Montero observa que, nos seus dois
primeiros mandatos, Lula aumentou o gasto em torno de 7% ao ano acima da
inflação. No ano passado, as despesas não financeiras tiveram alta de magnitude
semelhante, descontando os precatórios. “É o que Lula conhece.” Se a receita
decepciona, o presidente vai querer discutir a meta de resultado primário; se
surpreende, vai querer discutir o limite de gastos, afirma Montero, para quem
caberá a Haddad e ao Congresso segurar o ímpeto de gastar mais.
A economia começou o ano com um ritmo de
crescimento mais forte que o esperado, e com a expectativa de continuidade do
ciclo de cortes dos juros. Para que a Selic siga em queda e se mantenha em
níveis baixos, é fundamental que o governo não produza ruídos desnecessários. O
recuo da popularidade de Lula torna o governo indócil e mais propenso a medidas
populistas, como elevar despesas. Em algum momento deste ano, deverá haver uma
mudança da meta fiscal governo central de 2024. Mesmo com a alta mais forte das
receitas, a meta de déficit primário zero não deve ser atingida. Essa alteração
terá que ser conduzida com cuidado, para não ampliar incertezas sobre as contas
públicas. Além disso, seria importante Lula deixar de lado o discurso de
intervencionismo na Petrobras e na Vale. Isso só aumenta a indefinição na
economia, prejudicando o investimento, que foi mal em 2023 e pode ter uma
retomada neste ano, especialmente se o governo não atrapalhar.
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