O Estado de S. Paulo
Destino da democracia depende de sociedades
interdependentes, vibrantes e interligadas
Diante do fracasso das interpretações
catastrofistas de que as democracias, inclusive no Brasil, corriam riscos de
quebra ou mesmo de erosão com a eleição de líderes populistas de extrema
esquerda ou de extrema direita, os estudos agora têm se voltado para explicar o
seu oposto; ou seja, por que democracias têm sido tão resilientes, mesmo diante
de iniciativas iliberais de populistas de enfraquecê-las.
Por que a maioria dos líderes populistas eleitos não têm conseguido asfixiar a democracia? Que condições políticas, institucionais e sociais neutralizariam ações iliberais de populistas?
Já existe vasto conhecimento que enfatiza o
papel desempenhado pelas instituições políticas no processo de resiliência
democrática, tais como alternância de poder, legados democráticos, separação de
Poderes, independência do Judiciário, multipartidarismo, desenvolvimento
econômico etc.
Margaret Levi e Zachary Ugolnik, professores
da Universidade Stanford, lideram uma nova área de pesquisa, chamada “new moral
political economy”, na qual têm enfatizado o papel desempenhado por sociedades
vibrantes e interligadas no aumento da resiliência democrática contra ameaças
iliberais.
Os autores partem do pressuposto de que o ser
humano, embora racional e individualizado, é um animal social que se beneficia
da reciprocidade e da cooperação. Faz parte do que denominam “community of
fate”, o que o torna interdependente de uma ampla gama de outras pessoas muito
além de família, amigos e vizinhos, cujos destinos estão entrelaçados.
Algumas sociedades possuem crenças e arranjos
de governança que facilitam ou mesmo geram comportamentos pró-sociais
cooperativos, levando em consideração os interesses coletivos. Não se trata de
uma visão idealista, mas de situações-limite, de ameaças concretas, que
ativariam o sentimento de comunidade em torno da defesa de um futuro comum
compartilhado.
No Brasil, a criação do consórcio de veículos
de imprensa, formado em junho de 2020 pelos competidores Estadão, O Globo,
Folha, UOL, g1 e Extra, quando o governo Bolsonaro restringiu acesso aos dados
sobre a pandemia; a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do estado
democrático de direito”, liderada pela Faculdade de Direito da USP, que recebeu
mais de 1 milhão de assinaturas, após a fatídica reunião de Bolsonaro com os
embaixadores; e o “Manifesto em apoio ao estado democrático de direito”, liderado
pela OAB e que recebeu o suporte de mais de 300 entidades após os atos
golpistas de 8 de janeiro, são exemplos concretos do quanto a nossa sociedade é
interligada, vigilante e resiliente. •
*Professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape) e sênior fellow do Cebri
Nenhum comentário:
Postar um comentário