segunda-feira, 18 de março de 2024

Carlos Pereira* - Sociedades resilientes

O Estado de S. Paulo

Destino da democracia depende de sociedades interdependentes, vibrantes e interligadas

Diante do fracasso das interpretações catastrofistas de que as democracias, inclusive no Brasil, corriam riscos de quebra ou mesmo de erosão com a eleição de líderes populistas de extrema esquerda ou de extrema direita, os estudos agora têm se voltado para explicar o seu oposto; ou seja, por que democracias têm sido tão resilientes, mesmo diante de iniciativas iliberais de populistas de enfraquecê-las.

Por que a maioria dos líderes populistas eleitos não têm conseguido asfixiar a democracia? Que condições políticas, institucionais e sociais neutralizariam ações iliberais de populistas?

Já existe vasto conhecimento que enfatiza o papel desempenhado pelas instituições políticas no processo de resiliência democrática, tais como alternância de poder, legados democráticos, separação de Poderes, independência do Judiciário, multipartidarismo, desenvolvimento econômico etc.

Margaret Levi e Zachary Ugolnik, professores da Universidade Stanford, lideram uma nova área de pesquisa, chamada “new moral political economy”, na qual têm enfatizado o papel desempenhado por sociedades vibrantes e interligadas no aumento da resiliência democrática contra ameaças iliberais.

Os autores partem do pressuposto de que o ser humano, embora racional e individualizado, é um animal social que se beneficia da reciprocidade e da cooperação. Faz parte do que denominam “community of fate”, o que o torna interdependente de uma ampla gama de outras pessoas muito além de família, amigos e vizinhos, cujos destinos estão entrelaçados.

Algumas sociedades possuem crenças e arranjos de governança que facilitam ou mesmo geram comportamentos pró-sociais cooperativos, levando em consideração os interesses coletivos. Não se trata de uma visão idealista, mas de situações-limite, de ameaças concretas, que ativariam o sentimento de comunidade em torno da defesa de um futuro comum compartilhado.

No Brasil, a criação do consórcio de veículos de imprensa, formado em junho de 2020 pelos competidores Estadão, O Globo, Folha, UOL, g1 e Extra, quando o governo Bolsonaro restringiu acesso aos dados sobre a pandemia; a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do estado democrático de direito”, liderada pela Faculdade de Direito da USP, que recebeu mais de 1 milhão de assinaturas, após a fatídica reunião de Bolsonaro com os embaixadores; e o “Manifesto em apoio ao estado democrático de direito”, liderado pela OAB e que recebeu o suporte de mais de 300 entidades após os atos golpistas de 8 de janeiro, são exemplos concretos do quanto a nossa sociedade é interligada, vigilante e resiliente. •

*Professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape) e sênior fellow do Cebri

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