Anais Fernandes e Victor Rezende / Valor Econômico
Para Luiz Gonzaga Belluzzo, autoridade
monetária poderia ser mais ativa no câmbio
Nome mais cotado para ser anunciado como o
novo presidente do Banco Central (BC) nos próximos dias, Gabriel Galípolo,
atual diretor de política monetária do órgão, é uma pessoa de “muitas
dimensões” e “muitas qualidades”, afirma Luiz Gonzaga Belluzzo.
Professor titular do Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundador da Faculdades de
Campinas (Facamp), Belluzzo é amigo de Galípolo, com quem já escreveu diversos
livros. “Ele sabe perfeitamente que não vai escrever um livro no BC”, afirma o
professor.
Na avaliação de Belluzzo, Galípolo fez bem em
ir a público recentemente e dizer que o BC não descartava uma alta de juros.
“Ele sabe que as convicções e as palavras funcionam para orientar os mercados”,
diz. “Uma coisa é ser um economista que está fora do governo, outra coisa é
estar no governo.”
Ao Valor, no entanto, Belluzzo, que também foi
secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987), diz não
ser a hora de subir a Selic. “Nem ele [Galípolo] disse que era o momento; ele
disse que poderia, que isso não estava descartado.”
Conhecido torcedor do Palmeiras - foi
presidente do clube entre 2009 e 2011 -, Belluzzo compara o governo Lula 3 a um
time que quer atacar, no sentido de realizar investimentos, e enfrenta outro
time “retranqueiro”, notadamente o mercado financeiro e seu recorrente discurso
sobre o risco fiscal. “Se você tiver unha encravada, eles vão falar para tomar
cuidado com o fiscal”, diz Belluzzo.
Para ele, os movimentos do câmbio, inclusive a recente desvalorização do real ante o dólar, têm mais relação com fatores externos e com a configuração do sistema monetário financeiro internacional, e o BC poderia adotar uma postura mais ativa.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Como tem acompanhado as recentes oscilações do
câmbio?
Luiz Gonzaga Belluzzo: Tento olhar
fundamentos. Houve um momento em que o Jerome Powell [presidente do banco
central dos Estados Unidos] deu a impressão de que não iria baixar a taxa de
juros, e ocorreu uma valorização do dólar em relação a todos os países, ninguém
ficou de fora. No Brasil, temos um movimento de mercados futuros que torna o
real a moeda mais líquida entre emergentes.
Valor: O sr. está sugerindo que a flutuação do câmbio
forte no Brasil é por uma questão de liquidez? Muitos economistas citam o
fiscal
Belluzzo: Se você tiver
unha encravada, eles vão falar para tomar cuidado com o fiscal. É um chavão e
uma coisa equivocada. É inverter a importância das relações. Os fatores
externos, hoje, são determinantes no movimento das moedas. O câmbio está
refletindo as formas que adquiriu o sistema financeiro internacional. [Os
economistas John Maynard] Keynes e [Harry] Dexter White tentaram, cada um com
as suas propostas, propor um ambiente favorável à estabilidade das economias,
partindo de um sistema monetário financeiro internacional mais adequado. As
discussões sobre [os acordos de] Bretton Woods [em 1944] eram no sentido de não
permitir que as economias nacionais ficassem submetidas às trombadas dos
movimentos de capitais.
Valor: Como assim?
Belluzzo: Quando ocorre
qualquer desarranjo nas economias, os detentores de riqueza, em geral, correm
para a moeda reserva. O Plano Real foi muito bem sucedido na estabilização da
economia porque nos tirou daquele período de hiperinflação, mas as circunstâncias
e constituições do sistema monetário financeiro internacional não ajudaram uma
gestão mais favorável, tanto que, em 1999, houve uma desvalorização [do real]
importante. O [economista americano e professor em Berkeley] Barry Eichengreen
fala em um “novo Bretton Woods”. Isso é pouco provável no curto prazo, mas, no
longo prazo, não é sustentável mais esse sistema monetário. Essa condição,
digamos, um pouco desconfortável que temos no Banco Central tem muito a ver com
essa dominância do setor externo.
Essa história do ‘risco fiscal’ está nos
levando a uma situação muito difícil, não se pode mobilizar nada”
Valor: O sr. acha que o BC deveria ser mais ativo no
câmbio?
Belluzzo: Eu acho. Vender
dólar à vista não é bom porque temos de preservar as reservas, mas swap é uma
alternativa. Os países estão dando muita importância a esse instrumento para se
proteger de instabilidades cambiais.
Valor: O presidente do BC, Roberto Campos Neto, falou
em entrevista ao jornal “O Globo” que eles pensaram em intervir no câmbio
recentemente, mas resolveram esperar
Belluzzo: Eu fico
surpreso.
Valor: Ele disse que consultou o diretor de política
monetária
Belluzzo: Que eles
resolveram esperar eu acredito. Assim como acredito que o Gabriel [Galípolo,
diretor de política monetária do BC] falou que pode subir a taxa de juros
porque ele sabe que as convicções e as palavras funcionam para orientar os
mercados. Ele fez certo. Uma coisa é ser um economista que está fora do
governo, outra coisa é estar no governo; você tem de seguir outras
recomendações, outras regras, porque o que você fala tem repercussão.
Valor: O sr já escreveu diversos livros com o
Galípolo, que, hoje, é o nome mais cotado para assumir o BC. O que acharia
dessa indicação?
Belluzzo: O Gabriel é um
uma pessoa que tem muitas dimensões na vida, muitas qualidades. Ele sabe
perfeitamente que não vai escrever um livro no BC. Ele vai ter de respeitar as
condições que mencionamos aqui. No BC, eles falam em ancoragem e desancoragem.
Tudo isso está na esfera da informação. Você está, na verdade, dando uma
informação para o mercado, e o mercado retorna para você. E os mercados têm
poder, eles que determinam as posições compradas, vendidas. É assim que é o
jogo. A declaração dele sobre a taxa de juros, para mim, foi sintomática.
Valor: Por quê?
Belluzzo: Foi algo como:
‘Olha, eu não vou aqui impor os meus pontos de vista, vou conversar com o
mercado, ver qual é a melhor forma de fazer’. Ou seja, trata as questões
econômicas como humanas, porque parece que o único animal que consegue se
comunicar pela palavra é o homem - talvez, alguns menos cuidadosos considerem
que o papagaio também o faz.
O capitalismo não entrega o que promete e vai
transformando as pessoas em ressentidas”
Valor: E isso vale para política econômica também?
Belluzzo: Não é diferente
na economia, no BC, é linguagem. O cerco de Troia é muito intenso. Você não faz
economia, não toma decisões de política humana a partir daquilo que você acha
que deveria fazer. Você tem de olhar quais são o comportamento e a reação dos
objetos da sua decisão - a sociedade. É a economia vista como uma dimensão da
vida social. Como tem esse poder muito concentrado nos mercados financeiros,
você tem de levar isso em consideração. Mas é importante dizer também que,
frequentemente, economistas falam que é tudo “técnico”. Não é nada técnico.
Isso é, na verdade, uma forma de compreensão que se transmite. Nessa avalanche
de concentração de opiniões do mercado, inclusive na mídia, não há espaço para
outras visões, e isso vai conformando a opinião.
Valor: O sr. acha que é o momento para elevar os
juros?
Belluzzo: Não, acho que
não. Mas nem ele [Galípolo] disse que era o momento; ele disse que poderia, que
isso não estava descartado entre as possibilidades e tudo está na mesa. É claro
que é indesejável ter uma inflação avançando, mas a exclusividade [que a taxa
de juros como instrumento dos bancos centrais adquiriu] não beneficia muito as
outras dimensões da vida social e econômica.
Valor: O sr. já assistiu a governos anteriores do PT.
Como avalia o Lula 3 e, especificamente, o ministro Fernando Haddad na Fazenda?
Belluzzo: Eu acho que o
Haddad está fazendo esse movimento com muita habilidade, tentando dialogar,
conversar. Essa história do “risco fiscal” está nos levando a uma situação
muito difícil porque não se pode mobilizar nada. O Estado não pode agir ou tem
de agir muito cautelosamente na mobilização dos investimentos. Eu comparo o
governo a um time que quer atacar e está enfrentando outro time que faz
retranca - e a retranca é a opinião, sobretudo, do mercado financeiro. O
governo Lula está conseguindo enfrentar barreiras de uma maneira bastante
interessante. Eu dei uma entrevista ao Valor muito tempo atrás, no primeiro governo
Lula, em que já falava que o Lula é um negociador, um conciliador. Essa imagem
de radical que querem fazer dele é completamente equivocada e mal intencionada.
Basta ver a conformação do governo dele. Ele está tentando encaminhar a
economia na senda de uma trajetória que possa ser sustentável tanto do ponto de
vista da inflação quanto do ponto de vista do crescimento. Esse ano, parece que
[o PIB] vai ser em torno de 2,5%. Existem relações complicadas, mas tem de
fazer a gestão politicamente. Inclusive, na direção de uma relação
internacional mais diversificada. O Xi Jinping [presidente da China] vem aí em
novembro. Será uma oportunidade de discutir programas comuns.
Valor: Que tipo de programas?
Belluzzo: O Brasil é o
principal fornecedor de commodities para a China. As pessoas ficam um pouco
nervosas por causa das commodities, mas eu acho que o agro deve ser respeitado
pela capacidade de transformação que sofreu, tecnológica inclusive, a despeito
do conservadorismo excessivo. E eu espero que o Brasil, agora com a
neoindustrialização, consiga passar essas qualidades e virtudes para o setor
industrial. Vai ter de fazer uma reconstrução muito cuidadosa, e a China pode
ajudar.
Valor: O sr. gosta de falar de política. Temos a
possibilidade de o republicano Donald Trump voltar à Casa Branca. Teme um
retorno da direita, ou da extrema direita, à Presidência no Brasil?
Belluzzo: Eu não tenho
mais idade para ter receio, estou fazendo 82 anos. Eu fui assessor do dr.
Ulysses Guimarães durante vinte anos, tive de sair do Brasil em 1975,
perseguido pela Operação Bandeirante... Então, eu não tenho receio, eu fico
preocupado com a vida dos meus filhos. Porque, quem poderia assumir em um
movimento de extrema-direita? Pablo Marçal? O que aconteceu recentemente no
Brasil foi que esse contingente mais conservador engrossou, pegando todas as
classes.
Valor: Isso se relaciona com a economia de alguma
forma?
Belluzzo: A configuração do capitalismo financeiro provoca nas pessoas admiração pelos valores da ascensão social, da vitória na concorrência, mas a maioria perde. O capitalismo não entrega aquilo que promete. Isso vai transformando as pessoas em ressentidas, que buscam outras soluções.
Um comentário:
Muito bom! Belluzzo tem uma ótima visão política da Economia, que é tão importante quanto os fundamentos financeiros dela.
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