O Globo
Faltando poucas semanas para o retorno de
Donald Trump à Casa Branca, lá se foi Jimmy Carter. Tinha 100 anos e governou
os Estados
Unidos de 1977 a 1981. Batido por Ronald Reagan, teve um só
mandato. Assumiu empunhando a bandeira da democracia e dos direitos humanos,
mas foi moído por uma inflação de 9,9% e por suas virtudes de homem simples.
O balanço de sua presidência acompanhou os necrológios que lhe deram os créditos negados na eleição de 1980. O Brasil deveu a Carter o corte do cordão umbilical que ligava a ditadura ao beneplácito de Washington.
Em 1971, quando o general Emílio Médici
visitou Washington, o presidente Richard Nixon disse: “Nós sabemos que, para
onde for o Brasil, para lá irá o resto da América Latina”. Dois anos depois, os
militares governavam o Uruguai e o Chile. Em 1976 foi a vez da Argentina.
Carter governou o pequeno estado da Geórgia,
e sua experiência nacional era nula. Em março de 1976, numa palestra no Council
of Foreign Relations, associou seu futuro político à defesa dos direitos
humanos, mas ninguém prestou atenção. Meses depois deu nome a um dos bois: “O
Brasil não tem um governo democrático. É uma ditadura militar. Em muitos
aspectos, é altamente repressiva para os presos políticos. Nosso governo deve
corresponder ao caráter e aos princípios morais do povo americano, e
nossa política
externa não pode contorná-los em troca de vantagens
temporárias”.
A charanga da ditadura orientou-se pela
sabedoria convencional. Aquilo era conversa de candidato. Ele se elegeu, botou
na área de direitos humanos do Departamento de Estado a enfermeira Patricia
Derian, militante histórica da luta dos negros americanos, e, como alto
funcionário de delegação na ONU, o professor Brady Tyson. Nos anos 60 ele havia
sido convidado a deixar o Brasil. Se isso fosse pouco, Carter, que se dizia
engenheiro nuclear (coisa que nunca foi), opunha-se a um acordo assinado pelo
Brasil com a Alemanha. Se ele fosse em frente, seriam construídas centrais
nucleares e também uma usina de reprocessamento de urânio.
Carter desossou o Acordo Nuclear e, em 1977,
mandou ao Brasil sua mulher, Rosalynn. Passando pelo Recife, ela
entrevistou-se, ao vivo e em cores, com dois missionários americanos que viviam
com os pobres da cidade e haviam sido presos.
Em março de 1978 foi a vez de Carter vir ao
Brasil. Teve recepção cordial, porém fria. Como queria ouvir pessoas da
sociedade civil, marcou-se um encontro, no Rio, depois de encerrada a parte
oficial da visita. Carter encontrou, entre outros, o presidente da OAB.
Raymundo Faoro, diretor de O Estado de S. Paulo, Júlio de Mesquita Neto, e o
cardeal D. Paulo Evaristo Arns. A coreografia da conversa prenunciava uma
estudada irrelevância. Todos de pé.
O esquema falhou. Carter convidou D. Paulo
para acompanhá-lo ao aeroporto e, sentados, conversaram por boa meia hora.
Nota de pé de página: Anos depois, quando
Carter e Geisel haviam deixado os governos, ele voltou ao Brasil, Tentou marcar
um encontro e não conseguiu. Ligou para Teresópolis, onde vivia o
ex-presidente, e ele não atendeu. Era o troco devido por ter mandado a mulher
para sabatiná-lo.
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