O Globo
As semanas, como os meses, 'voam', mas os
anos 'passam' e indicam atraso, doença, guerra, mais do mesmo e, eventualmente,
progresso
Um esperançoso e inédito 2025 começa numa
recorrente quarta-feira. Logo pensamos nas cinzas terminais do símbolo maior de
nossas ambiguidades: o carnaval que — entra e sai ano — não acaba porque nossos
administradores públicos, instalados em seus palácios e gabinetes, “cuidam”
para que o Brasil não mude.
Inventamos o tempo aprisionando-o em segundos, minutos, horas, semanas, meses, anos, séculos, milênios e eras. Uma gradação cuja fase mais significativa é a bíblica semana de sete dias, nos quais o Senhor Deus Todo-poderoso criou o mundo, reservando o domingo para seu descanso e louvação. A modernidade, sempre em busca dos infinitamente menores, inventou uma realidade individualizada — partida em pedaços. Desse modo, vamos das Eras aos dias da semana partidos em dias e horas que, por sua vez, repartem-se em minutos e segundos, e por aí vai, como os elefantes que seguram o mundo no mito indiano...
A duração infinita é incomensurável. Ela é
engavetada e nos engaveta de modo absoluto, pois cada um de nós tem seu tempo.
Como supomos, há tempo para tudo. Semanas são menos importantes que meses e
anos, inaugurados como “novos” em meio às vãs esperanças de tirar das lágrimas
o vale.
Celebramos as passagens semanais com um
modesto “sextar” (que, às vezes, vira sex-tar). Curioso notar que, quanto menor
a unidade de tempo, mais individualizado é seu espaço. As semanas são mais
pessoais que os aristocráticos séculos e os sempre vergonhosos segundos ou
minutos de nossos gozos e covardias.
Os dias da semana são dias de alternância
entre o repouso em casa e o trabalho na rua. A casa exclui o “movimento” de que
nasce o inesperado positivo ou negativo. Os dias da semana demarcam a
temporalidade alternada da casa e da rua; do familiar com o estranho. O
anonimato das grandiosas medidas de tempo não cabe no espaço da casa, onde todo
mundo sabe muito bem com quem está falando. Os “fins de semana” pertencem ao
ideal de “não fazer nada”, o fazer tudo do sempre frustrado desejo de
felicidade.
As semanas, como os meses, “voam”, mas os
anos “passam” e indicam atraso, doença, guerra, mais do mesmo e, eventualmente,
progresso. Dias são mais rotineiros que meses, que chamam atenção de
excepcionalidades, como: a doença o levou em dois meses; agosto, mês do
desgosto do suicídio de honra de Vargas na política nacional.
Não inauguramos semanas e meses. Eles
sugerem, como as horas e os dias, uma continuidade que disfarça o fim, porque
eles não morrem, como as etapas históricas.
Mas, a cada novo ano, renovamos esperanças
que vão além da casa, da rua, do bairro, da cidade e atingem o país, o mundo e
o infinito do céu. Revoluções, como as Grandes Guerras, explodem em anos: 1789,
1914, 1917, 1939, não em bucólicos domingos de sol. Contudo todos caímos num
primeiro de abril em 1964...
Com o perdão do péssimo trocadilho, anos são
custosos e jamais deixam de ficar sempre atrás, contrariando quem não lê o que
escreve. Os dias de um ano, porém, trazem inovações que, com seus inesperados,
sacudirão modas e costumes e obrigarão a duvidar do ingênuo progressismo da
Ordem com Progresso. Pois, se a semana tem, como os meses, início, meio e fim,
não nos é dado, exceto na ficção, em mitos ou livros sagrados, pensar num Ano
Final. Nossos documentos asseguram um tempo linear. Nossas poesias — como as
semanas e os meses — atestam tempos e circunstâncias dos sofrimentos e
plenitudes. Mas, na contagem dos 365 dias de um ano, esperamos encontrar
precisão e consciência. O tempo é inventado e concretizado por circunstâncias
(seu cabelo ficou branco...) ou dimensões irrecorríveis (és um velho de 88
anos!).
Finalizo com Santo Agostinho. Ele disse que o
tempo vem do futuro que ainda não existe para o presente que não tem
permanência e vai para o passado que não mais existe.
Feliz 2025!
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