O Globo
O segundo ano do terceiro mandato de Lula mostrou que o presidente e seus principais ministros seguiram à deriva
O ano começa com crises velhas, cuja
resolução ou foi empurrada com a barriga ou escapou à capacidade de articulação
dos Três Poderes. O desajuste na relação entre Executivo, Legislativo e
Judiciário, aliado à pressão de inflação e juros sobre a economia, são as
heranças de 2024 que comprometem, desde a largada, o sucesso de 2025.
O governo Lula foi um espectador entre
atônito e inerte de uma virada de ano em que as suas maiores fraquezas foram
evidenciadas de forma alarmante e cara.
A disparada do dólar e o impasse das emendas mostraram que o Executivo está de mãos atadas tanto para vencer a falta de confiança dos agentes econômicos quanto para instituir uma governabilidade que não seja comprada caro à custa de transferência de dinheiro público para uma base que não morre de amores pelo projeto de Brasil do PT.
Com o câmbio, as contas públicas e a inflação
descalibrados no nascer do novo ano, nada vai mudar com a troca de guarda no
Banco Central, que por dois anos Lula cantou em prosa e verso como a solução
para a única coisa que ia errado com a economia.
Sai Roberto Campos Neto e entra Gabriel
Galípolo, mas o choque de juros para tentar levar a inflação para a meta
prosseguirá, com a diferença de que será ainda mais bizarro ver o petismo
vociferar contra a autoridade monetária, se é que vão ter coragem.
Câmara e Senado, que não terão um recesso
propriamente dito, envolvidos na campanha para a troca das Mesas Diretoras, vão
cobrar com juros ainda maiores que a Selic a insistência do Supremo Tribunal
Federal em disciplinar o pagamento das emendas parlamentares.
Quem pagará essa conta não será o próprio
STF. Por mais que sempre que acontecem esses impasses o Legislativo ameace
partir para cima de suas prerrogativas, os parlamentares têm medo de esticar a
corda com o Judiciário porque muitos ali têm pendências judiciais em curso ou
prestes a estourar.
O boleto chegará mesmo para Lula, em quem os
caciques que estão saindo do comando das Casas e os que estão chegando já não
confiam minimamente e a quem atribuem a situação atual, pela nomeação de Flávio
Dino para a cadeira de Ricardo Lewandowski.
Haja mudança de ministério para aplacar a ira
de Arthur Lira e Davi Alcolumbre, a rigor os dois polos em torno dos quais a
atual indústria da transferência de recursos do Orçamento para irrigar projetos
políticos nas bases foi construída.
Por mais que tenha sido aprovado um projeto
de lei, depois sancionado por Lula, para tentar disciplinar em definitivo essa
questão, as posteriores intervenções de Dino mostram que ele está longe de ter
atendido o que a corte suprema entende como necessidade de transparência nessa
matéria.
E não é só na macroeconomia e na
governabilidade que as pendências de 2024 são uma grave ameaça para o ano que
começa. O que foi feito em termos de planejamento para evitar que se repita
agora, no verão, a epidemia de dengue que vitimou mais gente no ano que
terminou que em qualquer outro da história no Brasil?
A vacinação, que não deslanchou no auge do
surto, também não foi divulgada e efetivada de forma massiva nos meses que se
seguiram ao pico das mortes. Onde estão as campanhas de TV e rádio para a
erradicação de focos do mosquito e a articulação com Estados e municípios para
evitar que o surto descontrolado se repita?
Adiar problemas e esquecê-los quando passa a
fase aguda das crises são características típicas de governo ao qual faltam
liderança e mecanismos de cobrança de resultado, e o segundo ano do terceiro
mandato de Lula mostrou que o presidente e seus principais ministros seguiram à
deriva, apagando incêndios ou combatendo enchentes de canequinha, literal e
metaforicamente. Nada disso é bom auspício para o ano que começa.
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