Folha de S. Paulo
Lula ignora que o debate público é hoje uma
guerra de guerrilhas, disputada trincheira a trincheira, a todo momento
Dentre as razões alegadas por Lula para
mudar a comunicação governamental está a convicção de que, sendo o maior
comunicador do seu partido, caberia a ele falar mais sobre as ações do governo,
participar de programas e conversar com jornalistas em coletivas.
Não serei eu a subestimar o impacto de entrevistas, sonoras e citações de Lula na imprensa e na mídia em geral. Assim como nunca subestimei o corpo a corpo de Bolsonaro no "cercadinho do Alvorada", as lives das quintas-feiras, sua presença digital ou participações em podcasts, que pautaram o jornalismo e os "trending topics" da conversa social.
Mas o fato é que Lula e boa parte da esquerda
operam com um modelo de comunicação centrado no jornalismo e nos meios de
massa, predominante no século 20, mas que foi transformado (e transtornado)
pela fragmentação e balcanização digital da política.
Isso complica ainda mais o papel de Lula na
estratégia de comunicação do governo, considerando que o debate público hoje é
uma guerra de guerrilhas, disputada trincheira a trincheira, o tempo todo.
Fazer comunicação governamental em tais
circunstâncias exige atenção a questões que este governo parece ignorar.
Atrevo-me a sintetizar isso em algumas regrinhas simples.
Entenda o público a quem se dirige. Não
julgue, entenda. Na atual convulsão política, a sociedade está dividida em
públicos singulares e diversos. Os interesses de uns podem ser inconciliáveis
com os de outros, mas negligenciar um segmento —como os petistas fazem com
"o mercado", "a elite", o agro ou os conservadores— é abrir
campo para o adversário.
Apostar tudo em um único público, como os
pobres (Lula) ou os identitários progressistas (Janja),
é um risco enorme em uma sociedade partida. Negligenciados viram ressentidos, e
ondas de ressentimento decidem eleições.
Produza mensagens ajustadas a cada público.
Poucas e coerentes. O que se diz à base petista não se diz à Faria Lima,
e insistir na retórica identitária esperando que o cristão conservador a aceite
é ingenuidade. Uma vez definido o que se quer comunicar, vem a fase da
disseminação, que no mundo digital exige repetição, coerência e sensibilidade
aos contextos.
Coerência é fundamental. Discursos
contraditórios ou dispersos serão explorados pelos adversários e confundem os
públicos.
Não pode haver uma estratégia para a Secom e
outra para cada ministério, muito menos Lula e Janja falando o que lhes vem à
cabeça, gerando barulho e obrigando a comunicação oficial a gastar energia
explicando bobagens e mitigando estragos.
Escolha entre confirmar os crentes ou
evangelizar os descrentes. Bolsonaro apostou em radicalizar sua base e confiou
que o antipetismo faria o resto. Quase deu certo. Lula parece adotar estratégia
semelhante, focando em sua "opção preferencial pelos pobres".
O identitarismo de Janja traduz isso como
"opção preferencial pelas vítimas", enquanto, na visão de Gleisi
Hoffmann, é mais uma "aversão preferencial pelo capitalismo e
pelo imperialismo". De todo modo, trata-se de uma pregação voltada para os
mais fervorosos entre os convertidos.
Olhe para fora da bolha. Petistas, lulistas,
funcionários públicos e identitários de esquerda não irão a lugar algum — sabem
que, sem Lula, suas chances políticas são nulas.
Por outro lado, os donos do dinheiro, o
agronegócio, os conservadores religiosos, os empreendedores e "os que se
viram" não são alcançados pela retórica da opção preferencial pelos pobres
e precisam ser disputados. Além disso, há os brasileiros independentes —que não
foram marcados pelo bolsonarismo nem são petistas convictos—, de 30% a 40% do
eleitorado, e que estão para jogo.
Se a aposta for na coerência ideológica, na
afirmação da própria superioridade moral e na pregação para convertidos, a
comunicação do PT deve
continuar falando para os identitários do Leblon e
os anticapitalistas de Gleisi Hoffmann.
Bolsonaro trilhou esse mesmo caminho. Até a
aposta moral é a mesma: se houver justiça neste mundo, merecemos ganhar.
Falhou, mas vai ver que funciona desta vez.
No fim, é tudo uma questão de prioridades. Ou
Lula convence a sociedade de que governa para todos — inclusive para aqueles
que a esquerda tradicional e os identitários progressistas detestam— ou terá
trabalho no próximo campeonato eleitoral.
A convicção de que merece ganhar já está em
uso. E se não vencer? Bem, será culpa do mercado financeiro, das fake news, dos
pobres de direita, de quem normalizou a extrema-direita ou, enfim, da
comunicação, que não soube divulgar os feitos do governo.
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