Folha de S. Paulo
Conta de juros está perto dos níveis
recordes; entenda como cresceu o endividamento
No último ano, o governo federal pagou o
equivalente a 6,7% do PIB em juros da
dívida. Em valores corrigidos pela inflação,
são R$ 787,2 bilhões.
Essa conta jamais foi tão alta, desde 1997, a
não ser em cinco meses de 2015 e 2016, quando o país passava pela Grande
Recessão. De 1997 a 2014, a média foi de 4,1% do PIB. De 2015 a
2019, de 5,2%. A série de dados do Tesouro começa em 1997.
A conta de juros recente é uma aberração,
mesmo para padrões brasileiros. Os motivos imediatos são dívida maior, com
juros costumeiramente altos, e a perspectiva de crescimento sem limite da dívida
pública, dados os grandes déficits primários.
A receita do governo é ora de 17,92% do PIB. A despesa primária, que não inclui a conta de juros, é de 19,81% do PIB. Mesmo sem a conta de juros, a receita, pois, não dá para cobrir a despesa primária (Previdência, servidores, saúde, educação, Bolsa Família etc.). A conta de juros é paga com mais dívida. A dívida que vence é também paga com dívida nova.
A despesa primária decerto anda inflada por
umas contas extraordinárias recentes. O déficit primário de 2% do PIB deve
ficar em breve perto de 1% do PIB. O problema ainda será enorme.
Dada a presente situação, a dívida crescerá
sem limite, até se tornar quase ingovernável ou governável de modo sinistro
(grande inflação, um "ajuste
Milei"), a não ser que cresçamos no antigo ritmo
chinês. Não é viável.
A solução parece ser reduzir a taxa de juros.
É possível fazê-lo, na marra, causando grande inflação ou também fuga e
retranca do capital, o que reduzirá o crescimento —uma "solução
argentina". Ou pode ser que alguém tenha na gaveta uma grande inovação
prática e teórica.
Resta a "alternativa Haddad", fazer
com que a
"direita" (ricos) aceite pagar mais impostos e a esquerda aceite
contenção de despesa. Qual proporção de impostos e de contenção de
despesa depende de embate político, viabilidade econômica e da natureza do
crescimento das despesas.
Algumas despesas crescem tanto ou mais que
receita e PIB. Sem aumento de carga
tributária, digamos que a receita cresce no ritmo do PIB.
Por exemplo, a despesa com Previdência era de
5,9% do PIB ao fim de FHC 2 (2002). Atualmente, de 8,2% do PIB. Ora é
necessário que a economia cresça uns 4% para que a despesa com Previdência não
cresça mais do que PIB e receita (vai piorar). Não é viável.
A "dívida bruta do governo geral"
(federal, quase toda, estadual e municipal) equivalia a 71,7% do PIB antes do
início de Lula 3.
Está em 77,3%.
A dívida foi em média de 55% do PIB entre
2006 e 2014. Deu um salto na Grande Recessão, para 69,8% (final de 2016),
chegando ao pico anterior de 77,1% em abril de 2019 (descontada a
epidemia). Cresceu por causa de anos de PIB abaixo do nível de 2013,
mais déficit, mais juros. Agora, a dívida aumenta como nunca e em anos de bom
crescimento do PIB. Não é viável.
Dívidas podem ser reduzidas com grande
inflação e miséria social. Ou com um plano crível de longo prazo que combine
mais impostos com contenção de aumento de despesa primária. No Brasil de hoje,
isso depende de profunda reforma previdenciária, de vinculações de despesa e
receita, de revisão gigante do meio trilhão de benefícios tributários e de
aumento de tributação de mais ricos.
É quase uma revolução social-fiscal. Depende
de acordão nacional. Por ora, há apenas sabotagem nacional.
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