quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Um acordão nacional para a dívida - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Conta de juros está perto dos níveis recordes; entenda como cresceu o endividamento

No último ano, o governo federal pagou o equivalente a 6,7% do PIB em juros da dívida. Em valores corrigidos pela inflação, são R$ 787,2 bilhões.

Essa conta jamais foi tão alta, desde 1997, a não ser em cinco meses de 2015 e 2016, quando o país passava pela Grande Recessão. De 1997 a 2014, a média foi de 4,1% do PIB. De 2015 a 2019, de 5,2%. A série de dados do Tesouro começa em 1997.

A conta de juros recente é uma aberração, mesmo para padrões brasileiros. Os motivos imediatos são dívida maior, com juros costumeiramente altos, e a perspectiva de crescimento sem limite da dívida pública, dados os grandes déficits primários.

A receita do governo é ora de 17,92% do PIB. A despesa primária, que não inclui a conta de juros, é de 19,81% do PIB. Mesmo sem a conta de juros, a receita, pois, não dá para cobrir a despesa primária (Previdência, servidores, saúde, educação, Bolsa Família etc.). A conta de juros é paga com mais dívida. A dívida que vence é também paga com dívida nova.

A despesa primária decerto anda inflada por umas contas extraordinárias recentes. O déficit primário de 2% do PIB deve ficar em breve perto de 1% do PIB. O problema ainda será enorme.

Dada a presente situação, a dívida crescerá sem limite, até se tornar quase ingovernável ou governável de modo sinistro (grande inflação, um "ajuste Milei"), a não ser que cresçamos no antigo ritmo chinês. Não é viável.

A solução parece ser reduzir a taxa de juros. É possível fazê-lo, na marra, causando grande inflação ou também fuga e retranca do capital, o que reduzirá o crescimento —uma "solução argentina". Ou pode ser que alguém tenha na gaveta uma grande inovação prática e teórica.

Resta a "alternativa Haddad", fazer com que a "direita" (ricos) aceite pagar mais impostos e a esquerda aceite contenção de despesa. Qual proporção de impostos e de contenção de despesa depende de embate político, viabilidade econômica e da natureza do crescimento das despesas.

Algumas despesas crescem tanto ou mais que receita e PIB. Sem aumento de carga tributária, digamos que a receita cresce no ritmo do PIB.

Por exemplo, a despesa com Previdência era de 5,9% do PIB ao fim de FHC 2 (2002). Atualmente, de 8,2% do PIB. Ora é necessário que a economia cresça uns 4% para que a despesa com Previdência não cresça mais do que PIB e receita (vai piorar). Não é viável.

A "dívida bruta do governo geral" (federal, quase toda, estadual e municipal) equivalia a 71,7% do PIB antes do início de Lula 3. Está em 77,3%.

A dívida foi em média de 55% do PIB entre 2006 e 2014. Deu um salto na Grande Recessão, para 69,8% (final de 2016), chegando ao pico anterior de 77,1% em abril de 2019 (descontada a epidemia). Cresceu por causa de anos de PIB abaixo do nível de 2013, mais déficit, mais juros. Agora, a dívida aumenta como nunca e em anos de bom crescimento do PIB. Não é viável.

Dívidas podem ser reduzidas com grande inflação e miséria social. Ou com um plano crível de longo prazo que combine mais impostos com contenção de aumento de despesa primária. No Brasil de hoje, isso depende de profunda reforma previdenciária, de vinculações de despesa e receita, de revisão gigante do meio trilhão de benefícios tributários e de aumento de tributação de mais ricos.

É quase uma revolução social-fiscal. Depende de acordão nacional. Por ora, há apenas sabotagem nacional.

 

 

Nenhum comentário: