quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Jimmy Carter a diplomacia da convicção - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Presidente americano perturbou ditaduras ao dizer que EUA não deveriam tolerar repressão 'em troca de vantagens temporárias'

Em fevereiro de 1976, o general Ernesto Geisel recebeu Henry Kissinger. O presidente brasileiro disse ao secretário de Estado americano que estava incomodado com o que era dito sobre o Brasil nos EUA: "Nossa imagem é uma imagem de ditadura e violência. Isso não corresponde à realidade do Brasil moderno".

A ditadura não tinha problemas com o governo do republicano Gerald Ford, que seguia uma doutrina que tratava o regime como aliado contra o comunismo. Na conversa, Kissinger disse a Geisel que questões domésticas eram uma preocupação do Brasil, num sinal de que os americanos não criariam tensões sobre a violação de direitos humanos.

O secretário também afirmou estar convencido de que Ford seria reeleito. Geisel concordou, demonstrando um certo alívio. Os dois estavam errados. Nove meses depois, o democrata Jimmy Carter venceu a disputa pela Casa Branca. Nos anos seguintes, a presidência americana passaria a perturbar as ditaduras da região.

Carter levou para a diplomacia convicções que rompiam com um excesso de pragmatismo da Guerra Fria. Antes da eleição, numa entrevista à revista Playboy, ele citou a ditadura brasileira e disse que o governo americano não deveria abrir mão de princípios morais "em troca de vantagens temporárias". No discurso de posse, afirmou que o país não poderia ser indiferente à violação de direitos humanos em outros países.

A mensagem também foi entregue em mãos. Em 1977, segundo relato de Elio Gaspari, a primeira-dama Rosalynn Carter levou a defesa da democracia a Geisel e indicou que havia ficado para trás a época em que os EUA apoiavam "de forma irrestrita" qualquer regime anticomunista, "por mais repressivo que fosse".

No ano seguinte, o próprio Jimmy Carter driblou o assunto em conversa com o Geisel, mas depois se reuniu com opositores que denunciavam prisões arbitrárias e a tortura, como dom Paulo Evaristo Arns.

Carter perdeu as eleições de 1980. Deixou o poder com a graça de poucos derrotados e construiu uma carreira como ex-presidente, mantendo a convicção da defesa da democracia, da paz e dos direitos humanos. Morreu no domingo (29), aos 100 anos.

 

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