CartaCapital
Denunciar quem vota contra os trabalhadores
não basta, é preciso educar para a escolha consciente dos nossos representantes
no parlamento
O fenômeno dos vídeos que viralizaram nas
redes sociais, produzidos por setores progressistas com o emprego de
Inteligência Artificial, em resposta às últimas medidas escandalosamente
antipopulares do Congresso Nacional, mostrou, de modo inequívoco, que as mídias
digitais são um campo de batalha política e ideológica, um poderoso instrumento
de conquista de mentes e corações para um determinado projeto político. A
campanha focou, sobretudo, em questões como a recusa de tributar os ricos
na batalha do
IOF e o aumento do número de deputados federais.
A direita e a extrema-direita há muito perceberam o potencial dessas mídias e as elegeram como seu principal ambiente e instrumento de militância ideológica. Os métodos por elas empregados não costumam, porém, primar pela ética e pelo compromisso com a verdade: difundem-se notícias falsas, mentiras, desinformação, preconceitos de todo tipo, ataques pessoais, discursos de ódio. Tudo em nome da manutenção dos mandatos dos representantes desses setores, à custa da ignorância e da vulnerabilidade intelectual em que buscam manter a população.
A esquerda, por sua vez, aparentemente menos
íntima dessa modalidade de comunicação, parece ter finalmente acordado.
Foram-se os tempos da panfletagem em porta de fábrica, do jornal impresso
distribuído nas ruas, da visita de casa em casa chamando ingloriamente para
discutir política. Evidentemente, não se excluem essas ações que, em
determinadas circunstâncias, permanecem válidas e eficazes. E, olhando daqui,
do futuro, aqueles tempos até parecem ter sido bons, mas já passaram. Hoje,
dominar as ferramentas tecnológicas, incluindo a Inteligência Artificial, e
inserir-se no mundo digital, é condição necessária para atingir as massas.
Os métodos e os objetivos da esquerda devem,
contudo, ir além da resposta imediata a problemas conjunturais, por mais que
isso também seja importante. O impacto positivo que os vídeos parecem ter
produzido abre uma janela de oportunidade também para uma ação pedagógica de
médio e longo prazo, que evidencie o papel do Poder Legislativo, em geral menos
valorizado pelo eleitor, e a importância da escolha consciente – com
consciência de classe – dos representantes parlamentares. Para tanto, seria
interessante, por exemplo, não apenas denunciar nominalmente deputados e
senadores comprometidos com banqueiros e grupos empresariais, e que votam
contra o povo, mas também dar visibilidade àqueles que, comprometidos com as
classes populares, votam a seu favor.
Ao reforçar o desprezo pelo Legislativo,
corre-se o risco de aumentar a apatia popular nas eleições
A hashtag #CongressoInimigoDoPovo atingiu em
cheio a hipocrisia da maioria dos parlamentares e pôs a nu seus verdadeiros
compromissos e interesses. No calor da polêmica, essa estratégia foi
importante: derrubaram-se máscaras, deram-se nomes aos bois, vestiram-se
carapuças e obrigaram-se baratas a saírem do esgoto. Nesse sentido, a campanha
midiática teve também valor pedagógico, ao evidenciar o caráter classista da
composição do Congresso Nacional. Efeito semelhante teve a alcunha de “Hugo
nem se importa”, atribuída ao presidente da Câmara Federal.
No entanto, a generalização da imagem do
Congresso como inimigo do povo, abstraindo suas contradições internas e a
multiplicidade de forças e posições políticas que abriga, não apenas produz uma
ideia falseada daquela instituição como também pode trazer efeito deletério
para a própria esquerda: a intensificação da rejeição popular a essa esfera de
poder, levando a um desinteresse ainda maior da população pela eleição de
candidatos proporcionais. Isso parece beneficiar apenas à direita que,
certamente, seguirá recorrendo ao poder econômico e aos artifícios eleitoreiros
a ele associados para se perpetuar no poder. Para o campo progressista, o
desprezo popular pelo Congresso representará um obstáculo muito maior à eleição
de parlamentares em número suficiente para viabilizar a implementação de
políticas de interesse popular. E as eleições de 2026 estão logo aí…
A janela que se abriu pode e deve ser bem
aproveitada pela esquerda. De fato, o momento atual parece propício para uma
ação educativa que busque explicar de forma didática, atrativa e, ao mesmo
tempo, rigorosa, políticas de interesse social como taxação de grandes fortunas
e dividendos, fim dos incentivos fiscais a grandes empresas, isenção de Imposto
de Renda para quem ganha até 5 mil reais, extinção do orçamento secreto e do
atual sistema de emendas parlamentares, fim dos supersalários de setores privilegiados
do funcionalismo, redução da jornada de trabalho, prioridade nos investimentos
públicos para a educação e saúde, defesa da democracia e da soberania nacional,
reforma agrária, fortalecimento da agricultura familiar e combate efetivo ao
aquecimento global. Por que, então, não começar, desde já, uma campanha de
conscientização sobre essas e outras pautas e sobre os partidos e os
parlamentares que com elas se comprometem, sem deixar de fazer a denúncia dos
inimigos do povo? Por que não mostrar claramente que expurgá-los do Congresso
só depende da vontade popular?
O momento é propício, as ferramentas existem
e ao menos parte da esquerda mostrou que sabe usá-las com inteligência,
criatividade e bom humor. Se haverá vontade política para seguir nesse caminho,
veremos nos próximos capítulos. Mas parece indubitável que isso é necessário
para que venhamos a ter um Congresso amigo do povo. •
*Professor titular da Faculdade de Educação
da Unicamp.
Publicado na edição n° 1371 de CartaCapital,
em 23 de julho de 2025.
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