O Estado de S. Paulo
Testar a nossa resiliência num cenário com Trump é como mexer ovos em frigideira riscada
A mídia internacional e vários órgãos de
análise descrevem o atual momento da economia mundial como uma economia
“teflon”. Esse termo é usado para apresentar economias que parecem resistir a
choques – como crises políticas, crises externos ou turbulências financeiras –
sem grandes efeitos negativos sobre o crescimento.
A despeito da inflação persistente, tensões comerciais e a retração do crescimento, a economia global tem se mostrado surpreendentemente resiliente diante de múltiplos choques. Mas, o “teflon” está se desgastando paulatinamente.
Embora sejam vistos indicadores que ainda
sinalizam crescimento moderado, há sinais crescentes de que os amortecedores
econômicos contra novos choques estão se estreitando – os bancos centrais têm
menos espaço para manobra e as políticas fiscais dos países já estão
pressionadas. As tensões comerciais e movimentos nacionalistas trazidos pelo
governo americano criam muitas incertezas geopolíticas, isso afeta a confiança
dos investidores e gera risco de desaceleração mais aguda do crescimento
global.
O Banco Mundial projeta crescimento mundial
de apenas 2,3 % em 2025 – o menor patamar desde 2008 no período que não
envolveu recessão. Apesar do crescimento recente (“sugar rush”) que foi
impulsionado por antecipação de compras e pausas temporárias em tarifas --
estímulo de curto prazo que, se não fore acompanhado por reformas estruturais,
está fadado a se esgotar.
No caso brasileiro, o “teflon” está ainda
mais desgastado, tivemos um crescimento acima das expectativas em 2023 e 2024,
sustentado pelo agronegócio, commodities e consumo interno, mercado de trabalho
aquecido, balança comercial positiva e reservas internacionais confortáveis.
Mas temos déficit fiscal crônico, dívida
pública crescente (já em 78% do PIB), baixa produtividade, juro real muito
alto, além de incertezas políticas e cenário tributário e regulatório instável
que prejudicam investimentos de longo prazo. Cenário que faz com que
dificilmente o Brasil resista a tarifas de 50% sem consequências severas.
O “teflon” brasileiro, assim, seria
claramente insuficiente. Para termos o fortalecimento econômico teríamos que
contar com coordenação macroeconômica multilateral. No cenário atual, com
líderes como Trump, falar numa ampla coordenação global, embora soe inocente,
seria algo racional e necessário.
Talvez nosso “teflon” ainda resista um pouco
mais, mas convenhamos que depender da imprevisibilidade de Trump para testar
nossa resiliência é como fazer ovos mexidos numa frigideira riscada – pode até
não grudar desta vez, mas o risco de desastre é sempre alto.
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