sábado, 19 de julho de 2025

Economia ‘teflon’- Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Testar a nossa resiliência num cenário com Trump é como mexer ovos em frigideira riscada

A mídia internacional e vários órgãos de análise descrevem o atual momento da economia mundial como uma economia “teflon”. Esse termo é usado para apresentar economias que parecem resistir a choques – como crises políticas, crises externos ou turbulências financeiras – sem grandes efeitos negativos sobre o crescimento.

A despeito da inflação persistente, tensões comerciais e a retração do crescimento, a economia global tem se mostrado surpreendentemente resiliente diante de múltiplos choques. Mas, o “teflon” está se desgastando paulatinamente.

Embora sejam vistos indicadores que ainda sinalizam crescimento moderado, há sinais crescentes de que os amortecedores econômicos contra novos choques estão se estreitando – os bancos centrais têm menos espaço para manobra e as políticas fiscais dos países já estão pressionadas. As tensões comerciais e movimentos nacionalistas trazidos pelo governo americano criam muitas incertezas geopolíticas, isso afeta a confiança dos investidores e gera risco de desaceleração mais aguda do crescimento global.

O Banco Mundial projeta crescimento mundial de apenas 2,3 % em 2025 – o menor patamar desde 2008 no período que não envolveu recessão. Apesar do crescimento recente (“sugar rush”) que foi impulsionado por antecipação de compras e pausas temporárias em tarifas -- estímulo de curto prazo que, se não fore acompanhado por reformas estruturais, está fadado a se esgotar.

No caso brasileiro, o “teflon” está ainda mais desgastado, tivemos um crescimento acima das expectativas em 2023 e 2024, sustentado pelo agronegócio, commodities e consumo interno, mercado de trabalho aquecido, balança comercial positiva e reservas internacionais confortáveis.

Mas temos déficit fiscal crônico, dívida pública crescente (já em 78% do PIB), baixa produtividade, juro real muito alto, além de incertezas políticas e cenário tributário e regulatório instável que prejudicam investimentos de longo prazo. Cenário que faz com que dificilmente o Brasil resista a tarifas de 50% sem consequências severas.

O “teflon” brasileiro, assim, seria claramente insuficiente. Para termos o fortalecimento econômico teríamos que contar com coordenação macroeconômica multilateral. No cenário atual, com líderes como Trump, falar numa ampla coordenação global, embora soe inocente, seria algo racional e necessário.

Talvez nosso “teflon” ainda resista um pouco mais, mas convenhamos que depender da imprevisibilidade de Trump para testar nossa resiliência é como fazer ovos mexidos numa frigideira riscada – pode até não grudar desta vez, mas o risco de desastre é sempre alto.

 

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