O mundo civilizado espera do Brasil uma resposta à altura
O objetivo dos Estados Unidos ao estabelecer uma tarifa de importação do Brasil de 50% não é a absolvição de Jair Bolsonaro, é submeter o Brasil, que está situado no seu “quintal”, mas pratica uma política independente. Em outras palavras, o que esse país e seu presidente querem é impedir que Lula se reeleja e o Brasil volte a fazer parte do “mundo livre”. Volte a abrir sua economia ainda mais do que está aberta e renuncie a qualquer veleidade de voltar a crescer. Como afirmou Jamil Chade em seu notável artigo “Batalha Campal”, na edição 1372 de CartaCapital, “abalar a estabilidade de um governo democraticamente eleito é o principal objetivo de um movimento que precisa retirar de seu caminho forças progressistas e emergentes para costurar uma nova ordem mundial que perpetue e renove sua posição de força. A autonomia do Brasil, portanto, é intolerável. Inclusive perigosa, caso outros emergentes a usem como modelo”.
Se considerarmos que, segundo o princípio da “tarifa recíproca”, não há
qualquer justificação para essa taxação absurda aplicada ao Brasil, cujas
tarifas são baixas e, ainda por cima, apresenta déficit em suas relações
comerciais com os Estados Unidos, fica ainda mais claro o caráter global da
chantagem.
Os Estados Unidos são claramente uma potência relativamente decadente, dado o
enorme crescimento da China, que, embora tenha diminuído de ritmo, continua bem
maior do que o do seu concorrente. Embora tudo indique que em breve a China o
superará, seu presidente se desespera e toma medidas como esta contra o Brasil.
O princípio da reciprocidade de tarifas pode ser indiferente ou destruidor para
os parceiros comerciais dos Estados Unidos. No caso de países pobres que, no
entanto, começam a se industrializar, o princípio é destruidor. Veja-se o caso
do Lesoto, uma pequena nação do Sul da África. A duras penas, ela construiu uma
indústria têxtil, protegendo-a por tarifas. Aplicado o princípio, Lesoto terá
de reduzir as taxações e aceitar a pobreza sem fim.
Muito diferente é o caso de países de renda média como o Brasil, que já
construíram uma indústria, em certos casos muito sofisticada (vejam-se a
Embraer e a WEG) e suas tarifas foram baixadas. Hoje são, em média, de 14%. Se
os Estados Unidos quisessem aplicar o princípio da tarifa recíproca, sua
taxação deveria ser igual a esta, o que não representaria problema para nós.
Devemos, claro, negociar. O mais importante é, porém, cerrar fileiras na defesa
dos interesses do País
Para o Japão e a União Europeia, os Estados Unidos acabam de fazer um acordo no
qual a tarifa ficou em 15%.
Os 50% aplicados ao Brasil só podem, portanto, ser explicados como uma
chantagem para nos submeter – mais do que já estamos submetidos – desde 1990,
quando realizamos de forma equivocada a abertura comercial e financeira, e
desde então nossa economia está quase estagnada, incapaz de realizar o catching
up, a aproximação gradual dos níveis de renda dos países ricos.
Diante dessa ameaça, naturalmente, devemos negociar. Mas a coisa mais
importante é que cerremos fileiras. Os empresários de todos os setores e o
restante da sociedade devem unir-se e mostrar que não nos submeteremos.
A imprensa diz que Lula está recorrendo ao patriotismo ou, mais precisamente,
ao nacionalismo econômico. Mas o que poderia fazer o presidente senão isto?
Muitas vezes esquecemos que o Brasil é uma nação, mas, apesar de todos os
conflitos internos que são inevitáveis, temos uma história e um destino comum
que, em uma hora como esta, se torna evidente.
Se ficar claro para o mundo que não nos curvaremos a esta chantagem, os Estados
Unidos não terão alternativa senão voltar atrás. O que não será novidade,
porque “Trump always chickens out” (TACO). Sim, ele sempre se amedronta e volta
atrás. Mas isso acontece quando a reação a seu arbítrio é grande. A do Brasil
está sendo grande.
A chantagem tem dimensão global e coloca o Brasil em uma posição central. O
mundo civilizado espera do Brasil uma resposta à altura. Saberemos dá-la.
*Economista, diretor do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento da
Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda.
Publicado na edição n° 1373 de CartaCapital, em 06 de agosto
de 2025.
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