sábado, 2 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

COP30 corre risco de naufragar antes mesmo de começar

O Globo

Países assinam documento sugerindo transferência do evento se preço de hospedagem em Belém não baixar

(COP30) em Belém, representantes de 25 países assinaram documento sugerindo a transferência do evento para outro local, se os preços das hospedagens não baixarem. Eles estão certos. O pior que poderia acontecer é o cancelamento da presença de nações pobres, afetando o quórum de decisões. A COP30 acabaria antes de começar.

Cidades que hospedam COPs e outros grandes eventos registram altas de diárias de hotéis e aluguéis de imóveis. Quando a demanda aumenta, os valores sobem. Porém o que está acontecendo em Belém é fora do comum. Adotar um tabelamento seria inaceitável. Mas, em situações em que a lei da oferta e da procura sai de controle, governos podem e devem intervir aumentando a oferta. Nesse caso, isso aconteceria com a transferência de parte do evento para o Rio de Janeiro.

Na quinta-feira, o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, reconheceu que há “uma sensação de revolta, sobretudo por parte dos países em desenvolvimento, que estão dizendo que não poderão vir à COP por causa dos preços extorsivos que estão sendo cobrados”. Em alguns casos, o valor da diária foi multiplicado por dez. Existem estabelecimentos cobrando até US$ 2 mil por noite. Pressionado, nesta sexta-feira, Corrêa do Lago deu entrevista negando a existência de um plano B. Se tal plano não existe, deveria ser feito rapidamente.

No começo da semana, o escritório climático da ONU realizou uma reunião de emergência para discutir a questão dos preços das acomodações. Nela, países pediram abertamente a mudança de local. Uma nova reunião foi agendada para 11 de agosto. A Secretaria Extraordinária da COP30 alega que o plano de acomodação está sendo implementado em fases, “com prioridade”, nesta etapa, para as delegações que participarão das negociações. Afirma ainda que estão disponíveis 2.500 quartos com diárias de até US$ 600. Tais declarações não estão acalmando as autoridades estrangeiras em busca de vagas.

Em 2023, quando confirmou a cidade de Belém como sede da COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia que a capital paraense, a despeito de suas qualidades, não tinha condições de infraestrutura para abrigar um evento dessa magnitude. Os governos federal e estadual até realizaram obras, mas os problemas — em especial a falta de estrutura hoteleira — não foram solucionados. A falha no planejamento é evidente. Acomodar cerca de 50 mil visitantes não seria tarefa fácil para a maioria das cidades brasileiras. Construir hotéis para depois deixá-los vazios não faria nenhum sentido econômico.

drama é que as alternativas cogitadas pelo governo, como os dois navios de cruzeiro que oferecerão 6 mil vagas extras, a utilização de escolas para abrigar agentes da Polícia Rodoviária Federal e até a possibilidade de usar habitações de um condomínio do Minha Casa, Minha Vida, não estão conseguindo baixar os preços de diárias em hotéis e de aluguéis de imóveis próximos ao local do evento.

Também preocupam as obras de requalificação do aeroporto de Belém. O Rio de Janeiro conta com milhares de quartos em sua boa estrutura hoteleira. A segunda maior cidade do país seria uma boa opção. Não resta muito tempo para as autoridades brasileiras avaliarem melhor os riscos de uma COP30 esvaziada.

Currículos de licenciatura e pedagogia têm de incluir curso sobre uso de IA

O Globo

Ferramentas de inteligência artificial estão disseminadas na rede particular. É preciso fazer o mesmo na pública

Ligado ao Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE) prepara-se para indicar a inclusão do ensino sobre inteligência artificial (IA) nos currículos de pedagogia e licenciatura. A intenção é oportuna e precisa ser levada adiante. A área do ensino é uma das mais promissoras para a adoção da nova tecnologia. Usada de forma adequada, pode ser uma ferramenta para ajudar professores a atender demandas individuais de estudantes.

Disseminados em muitas escolas privadas, os recursos de IA não devem sofrer atrasos para chegar com força às instituições públicas. É preciso impedir que a tecnologia faça crescer ainda mais a distância entre a qualidade do ensino das duas redes. O relator do parecer no CNE sobre a adoção da IA, Celso Niskier, disse ao GLOBO que o objetivo é ensinar os professores a utilizar os recursos para que seus alunos aprendam “todas as disciplinas”. A intenção é que não haja um uso mecânico da tecnologia.

Entre os críticos da adoção da medida estão os que argumentam ser preciso antes atacar problemas básicos, como abastecimento de luz e água intermitente em parte dos prédios escolares. Tal ponto de vista desconhece o que acontece em outros lugares. Países não esperam atingir 100% de metas previamente determinadas para adotar novos objetivos. Não faria o menor sentido condenar alunos de redes públicas de ensino com boa infraestrutura a esperar até que todas as escolas do país atingissem o mesmo nível. É possível e desejável avançar em várias frentes de forma simultânea.

O Estado de São Paulo já adota IA na correção de deveres da casa dos alunos da sua rede, a partir de gabaritos criados pelos professores. O Rio de Janeiro disponibiliza na rede estadual tecnologia do grupo Eureka, a Professor IA. Avatares inspirados em professores reais interagem com os estudantes, tirando dúvidas e fazendo correções. O governo do Espírito Santo utiliza há quatro anos tecnologia da Letrus na revisão de redações. Os alunos do ensino médio usam a plataforma para se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Embora a onda de adoção de IA na educação seja positiva, é preciso fazer avaliações detalhadas sobre os resultados pedagógicos de cada um dos programas. Por estar em evidência, a sigla pode ser usada por governos como peça de promoção política, sem que os ganhos de aprendizado sejam relevantes. Na formação de professores e pedagogos, é também essencial destacar as limitações. Os algoritmos se alimentam de incontáveis bases de dados e, por vezes, incorporam informações erradas ou com vieses de toda ordem — de ideologia à religião.

Tais problemas não são razões para evitar as plataformas. Mas é preciso estar atento. Empregadas para facilitar a aprendizagem, não para produzir no lugar dos alunos, as ferramentas de IA podem ser um apoio revolucionário para os educadores e ajudar o Brasil a acelerar avanços na educação pública.

Trump impõe danos ao mundo e aos americanos

Folha de S. Paulo

  • Na taxação de 15% a 50% sobre produtos de 69 países, Brasil é o maior impactado por razões ideológicas
  • As tarifas, na prática, representam um imposto sobre o consumo, repassado aos preços pagos pelos americanos numa economia já enfraquecida

A despeito de certo otimismo dos mercados financeiros nos últimos meses com as negociações comerciais, na prática muitos países acabaram por não celebrar acordos com os Estados Unidos.

Como resposta, Donald Trump dobrou a aposta em sua política de agressão, impondo tarifas de 15% a 50% sobre importações de 69 parceiros, com vigência a partir deste mês de agosto.

A medida reflete a truculência característica do mandatário, que utiliza o poder econômico americano de maior mercado consumidor global como arma de pressão geopolítica e comercial —impondo perdas também aos próprios cidadãos de seu país.

Com raciocínio tosco, o republicano justifica as tarifas como resposta à falta de reciprocidade nas transações, apontando déficits dos EUA que atingem cerca de US$ 1 trilhão anuais. A Casa Branca argumenta que práticas como barreiras não tarifárias, manipulação cambial e impostos elevados de parceiros prejudicam a indústria americana.

No caso do Brasil, Trump foi além da economia ao atrelar a taxação a questões ideológicas, como críticas ao Judiciário e ao alinhamento com o Brics. Abre-se um vale tudo em que qualquer motivo pode ser invocado.

As tarifas, na prática, representam um imposto sobre o consumo, repassado aos preços pagos pelos americanos. Estima-se, com elas, arrecadação de até US$ 400 bilhões anuais. A estratégia fiscal de Trump as combina com cortes de impostos corporativos, visando equilibrar o já elevado déficit fiscal, enquanto parceiros são pressionados a negociar acordos bilaterais.

Os riscos são enormes. A economia dos EUA, já enfraquecida no primeiro semestre deste 2025, enfrenta ameaças adicionais.

Dados do mercado de trabalho mostram desaceleração, com aumento do desemprego. O crescimento da atividade deve recuar para 1% ao ano no segundo semestre, segundo projeções de mercado. A inflação também deve subir para até 4% anuais.

É grave também, por óbvio, o impacto sobre a economia internacional. A incerteza compromete investimentos, interrompe cadeias de suprimentos e eleva custos, enquanto retaliações intensificam a guerra comercial.

Embora a maior responsabilidade recaia sobre o líder americano, a China tem papel central na crise, por adotar políticas mercantilistas. Sua dominância industrial, já na casa de 30% do total mundial, associada ao insuficiente consumo doméstico e apoiada por subsídios estatais considerados ilegais também pela União Europeia, distorce mercados.

Um redesenho dos fluxos mundiais parece inevitável, e pode se dar inclusive no sentido de reduzir a influência americana. A longo prazo, é plausível uma redefinição das cadeias globais de valor, em que nações busquem maior autossuficiência e novos parceiros comerciais —numa transição a ser marcada por instabilidade e sacrifícios econômicos.

À direita, El Salvador imita o chavismo

Folha de S. Paulo

  • Nayib Bukele obtém do Legislativo aval para sucessivas reeleições, enquanto restringe as liberdades civis
  • Em 2021, a Corte Suprema já havia removido o impedimento à reeleição, logo após Bukele substituir magistrados do tribunal

O autoritarismo é uma tradição de governos populistas latino-americanos, independentemente da ideologia professada. Em El Salvador, por exemplo, a trajetória do direitista Nayib Bukele cada vez mais se aproxima à de Nicolás Maduro, na Venezuela, e à de Daniel Ortega, na Nicarágua.

A começar pela pretensão de manter-se no poder indefinidamente. Na quinta (31), a Assembleia Legislativa do país aprovou emendas constitucionais que permitirão ao presidente reeleições sem limites. Dos 60 congressistas, apenas os únicos três da oposição votaram contra.

A afronta à alternância de poder, mecanismo essencial das democracias liberais, teve início em 2021, no terceiro ano de seu mandato, quando a Corte Suprema removeu o impedimento à reeleição imediata para presidente —logo após Bukele substituir magistrados do tribunal, com aval de uma Assembleia governista.

A medida ora aprovada também amplia a duração da gestão de cinco para seis anos e elimina o segundo turno das disputas, além de antecipar o fim do mandato atual de Bukele para alinhar a eleição presidencial às legislativas e municipais —o que é visto como meio de fortalecer o Novas Ideias, partido do presidente.

A repressão a opositores, à imprensa e a organizações de direitos humanos desde a ascensão de Bukele ao poder, em 2019, igualmente reproduz o autoritarismo de Maduro e Ortega.

Sob a promessa de reduzir a violência do crime organizado, o populista governa há três anos sob um estado de exceção. A diminuição na taxa de homicídios foi acompanhada por prisões em massa realizadas ao arrepio do devido processo legal, sem contar denúncias de torturas e mortes de encarcerados.

Em paralelo, segundo a imprensa salvadorenha, Bukele teria firmado acordos sigilosos com o crime organizado para reduzir índices de assassinatos e roubos.

Certo é que o caudilho caiu nas graças de Donald Trump, ao oferecer suas penitenciárias a imigrantes deportados dos Estados Unidos. A boa vontade da Casa Branca com seu modus operandi talvez exponha o maior contraste entre o governo de El Salvador e os da Venezuela, Nicarágua e de Cuba.

Outra distância em relação a tais regimes estaria em sua aprovação por 85,2% da população, aferida por pesquisa do jornal La Prensa Gráfica —a ser lida com reserva, dado o grau de repressão vigente. O pendor autocrata de Bukele está exposto em fatos. Mas ainda assombra sua franqueza ao dizer que não se importa em "ser chamado de ditador".

Vexame iminente na COP

O Estado de S. Paulo

Países cobram solução para os problemas de infraestrutura de Belém para sediar a COP-30. O risco é a conferência do clima se tornar um desastre logístico e político de proporções amazônicas

Belém do Pará, a cidade que sediará a conferência sobre mudanças climáticas da ONU, a COP-30, está sob críticas severas – e todas procedentes. A quase três meses de seu início, um grupo de 29 negociadores internacionais, incluindo representantes africanos e de nações desenvolvidas como Canadá e Noruega, respeitadas em matéria climática, assinou um documento no qual alertam para o óbvio: se os problemas de hospedagem e falhas de infraestrutura da cidade não forem resolvidos imediatamente, parte da conferência deveria ser transferida para outro local. A carta fala em problemas concretos, como hotéis insuficientes e caríssimos, insegurança, transporte precário e ausência de garantias para que as delegações participem com conforto e segurança.

Há meses as queixas vêm se repetindo, sem que o governo de Lula da Silva, a presidência da COP-30 e o governador Helder Barbalho demonstrem capacidade de reação à altura. Mesmo não signatários do documento, como China, Alemanha e Reino Unido, têm expressado ao Brasil e à ONU temores sobre as condições para Belém receber as comitivas oficiais e representantes da sociedade civil. Três meses atrás, diante da incerteza do problema básico de hospedagem, maior fator de apreensão, já se levantava a hipótese de redução drástica das delegações oficiais e transferência da cúpula de chefes de Estado.

“Não vamos nos mudar”, garantiu o presidente da COP-30, André Corrêa do Lago, em comentário à divulgação da carta. Mas a pressão existe e, por ora, a única certeza é a incerteza se essa convicção vai se confirmar. E mesmo que se consiga aplacar os temores internacionais, o risco está posto: a primeira conferência no Brasil, difundida como a “COP da implementação”, corre o risco virar a “COP do vexame”, e o que poderia ser um marco para o protagonismo do País na agenda climática global ameaça tornar-se um desastre logístico e político de proporções amazônicas.

Os maiores receios recaem sobre representantes de países mais pobres, sobretudo os africanos, além de movimentos sociais, organizações da sociedade civil e ativistas de todo o mundo. Com preços escorchantes, são eles os maiores candidatos a ficar de fora, incluindo os povos indígenas e as comunidades tradicionais da Amazônia. Um tiro de morte no simbolismo prometido por Lula da Silva ao lançar a candidatura de Belém, ao desejar levar ao mundo o peso e a experiência da floresta para a luta climática – e, de quebra, apresentar-se como o salvador do planeta.

Originalmente a ideia tinha sua lógica, sobretudo para um governo afeito a anúncios grandiosos e adepto mais à forma do que ao conteúdo: um evento climático às portas da maior floresta tropical do mundo. Mas, para que desse certo, seria imprescindível uma grande, ágil e organizada preparação. Foram quase três anos desde quando o Brasil se candidatou a sediar a COP, tempo suficiente, portanto, para o País fazer o que era necessário. E se não o fez, não foi por falta de aviso.

Primeiro, já se sabia que Belém era uma cidade de infraestrutura deficiente, pontilhada de esgoto a céu aberto e sem quantidade compatível de leitos de hotel para um evento global desse porte. Segundo, o País se recorda dos embaraçosos problemas na preparação da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, que entraram para a História pelos atrasos, superfaturamento e legados não concretizados. Estádios hoje subutilizados, sistemas de transporte inacabados, obras abandonadas e promessas esquecidas afligiram o País e macularam nossa imagem internacional. Nas duas ocasiões, o governo da então presidente Dilma Rousseff garantiu até o fim que tudo estava sob controle. Não estava.

Diante das súplicas internacionais e do constrangimento brasileiro, é preciso admitir: a escolha de Belém foi um erro. Obras, instalações e ampliações previstas, mesmo que concluídas tardiamente, acabarão ociosas no dia seguinte à COP-30. E quem bancará a combinação entre extravagância e incompetência são aqueles que mais sofrerão as consequências das mudanças climáticas debatidas na conferência. Belém foi escolhida pelo seu simbolismo. Debalde, pois não há simbolismo que cumpra o que só a eficiência, o planejamento e o respeito ao dinheiro público podem resolver.

Um raro gesto árabe pela paz

O Estado de S. Paulo

Inédita convergência na Liga Árabe contra o Hamas abre caminho diplomático promissor. Já os gestos europeus de reconhecimento incondicional do Estado palestino arriscam premiar o extremismo

A diplomacia em torno do conflito entre Israel e os palestinos vive um momento raro. Em meio à devastação de Gaza, ao endurecimento de Israel e à fragmentação da liderança palestina, irrompeu uma iniciativa inesperada: uma declaração conjunta de países árabes recriminando de forma inédita o Hamas, exigindo seu desarmamento e renúncia ao poder e defendendo uma transição sob supervisão internacional rumo à retomada do controle civil pela Autoridade Palestina.

Em contraste com os três “nãos” da Liga Árabe após a derrota da guerra de 1967 – nenhuma paz com Israel, nenhuma negociação com Israel, nenhum reconhecimento de Israel –, a declaração, ainda que não reconheça explicitamente Israel, sugere uma articulação viável para o conflito e para uma solução de dois Estados. A proposta de uma missão internacional da ONU para administrar temporariamente Gaza aponta a uma transição, malgrado dura, pragmática.

Diante dessa oportunidade, espera-se da comunidade internacional clareza e responsabilidade. No entanto, o que se viu nos últimos dias foi uma corrida simbólica por parte de potências europeias, como França e Reino Unido, para anunciar um iminente reconhecimento do Estado da Palestina. Embora envoltas na retórica dos direitos e da paz, essas promessas soam, na prática, mais como gestos idealistas – se não demagógicos – do que instrumentos eficazes de diplomacia. Ambas as potências abrem mão de uma das poucas alavancas diplomáticas que poderiam usar futuramente numa negociação junto à Autoridade Palestina. Sem qualquer contrapartida institucional ou de segurança, o gesto corre o risco de premiar a narrativa do Hamas de que a violência compensa – e de deslegitimar, ainda mais, os palestinos moderados.

Ao contrário dessas iniciativas contraproducentes, a declaração árabe aponta para uma estratégia coerente: desarmar e isolar politicamente o Hamas, responsabilizando-o por sua atuação criminosa, e construir – com apoio internacional – uma transição que combine segurança, governança legítima e reconstrução. Um caminho estreito e incerto, mas que oferece, pela primeira vez em anos, uma possibilidade concreta de articulação entre os interesses regionais e os valores universais de paz e autodeterminação.

O sucesso da estratégia, contudo, depende de quatro frentes interdependentes repletas de dificuldades. A primeira é a interna palestina: a Autoridade Palestina é corrupta, carece de legitimidade junto à população e teria dificuldade para assumir Gaza sem profundas reformas institucionais. A segunda é a governança do próprio território devastado: dadas a destruição das estruturas civis e a fragilidade política da Autoridade Palestina, cresce a hipótese de uma tutela internacional transitória – como a ONU já realizou em Timor-Leste ou Kosovo. Essa alternativa, embora controversa, talvez seja a única capaz de evitar o colapso institucional ou a ocupação militar indefinida.

A terceira frente é a posição de Israel: o atual governo, sustentado por expansionistas radicais, rejeita a possibilidade de um Estado palestino e do retorno da Autoridade Palestina a Gaza. Ainda assim, setores mais pragmáticos da sociedade israelense começam a perceber que não só a permanência do Hamas, mas também o vácuo institucional que sua saída deixaria, representam uma ameaça existencial a longo prazo.

A quarta frente é a cooperação internacional. Os governos árabes, ao adotarem essa nova atitude, assumem riscos políticos internos significativos. Cabe às potências ocidentais – em especial EUA e Europa – garantir que essa coragem diplomática seja amparada técnica, política e financeiramente.

Reconstruir Gaza, estabilizar a região e viabilizar um Estado palestino são tarefas imensas – talvez as mais difíceis em uma geração. Mas não há alternativa. A perpetuação do conflito só alimenta o ciclo de decadência, ressentimento e extremismo, que ameaça tanto palestinos quanto israelenses. Por isso a iniciativa árabe, embora embrionária e imperfeita, deve ser entendida como o que é: uma rara janela de oportunidade. Mas essas janelas, como mostra a experiência, não permanecem abertas por muito tempo.

Valhacouto de delinquentes

O Estado de S. Paulo

Expulsão de deputado que ousou defender o Brasil contra Trump mostra no que o PL se tornou

O PL de Valdemar Costa Neto decidiu expulsar de seus quadros o deputado federal Antonio Carlos Rodrigues (SP), conhecido como ACR. Isso porque o parlamentar paulista ousou não prestar vassalagem a Jair Bolsonaro e disse uma obviedade: a sanção imposta pelo governo dos Estados Unidos, com base na Lei Magnitsky, ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes é “o maior absurdo”.

O notório capo do PL alegou que a pressão de sua grei no Congresso “foi muito grande” para que ele expulsasse sumariamente um correligionário de longa data, um filiado ao que eles chamam de “PL raiz”. Sem disfarçar a genuflexão aos pés de Donald Trump, Valdemar afirmou que “atacar o presidente dos Estados Unidos é uma ignorância sem tamanho”, comprovando, como se precisasse, que o PL deixou de ser um partido político digno do nome para servir como agente do que este jornal designou como a “Internacional Golpista” liderada por Trump. Um vexame.

O caso do PL é pitoresco. Muito provavelmente, está-se diante de um sequestro no qual é a suposta vítima quem recebe um vultoso resgate. O que um dia já foi um partido político que, a despeito de seus problemas, jogava o jogo democrático, deixou-se capturar por Bolsonaro e seus asseclas em troca de dinheiro, muito dinheiro – mais especificamente, os bilionários Fundos Partidário e Eleitoral. O PL nunca foi tão rico até escancarar suas portas para delinquentes que usam a legenda para atacar as instituições republicanas e emporcalhar a política nacional.

O sr. Valdemar e seus peões no partido – o qual seguimos designando dessa forma por mera convenção, e não por merecimento – são tão hipócritas que as justificativas para a expulsão de ACR seriam só risíveis caso não fossem tão ofensivas à inteligência alheia. Com a maior caradura, o cacique escreveu, pasme o leitor, que o que o Brasil precisa “é de diplomacia e de diálogo, não de populismo barato, que só atrapalha o desenvolvimento da nossa nação”. Esse discurso é tudo o que o bolsonarismo jamais praticou e nem sequer representa como ideia.

Às raias da pilhéria, é curioso notar que o mesmo partido político que apregoa dia sim e outro também seu suposto compromisso com as liberdades democráticas, em particular a liberdade de expressão, expulsa um parlamentar em pleno exercício do mandato que nada mais fez, ora vejam, do que exercer o seu direito constitucional de dizer o que pensa, sem cometer crime algum.

Com didática eloquência, esse episódio eviscera o ethos do bolsonarismo: não há espaço para o dissenso, não se tolera o pensamento independente e quem tiver a audácia de ser ponderado será punido. Ou se se dobra ao líder – seja ele Valdemar, Bolsonaro ou Trump – ou se está fora. É o culto à obediência cega, tão próprio dos mesmos regimes populistas de viés autoritário que o sr. Valdemar condena em sua nota sem-vergonha.

A democracia representativa requer e o Brasil carece de partidos políticos que defendam princípios e caminhos para o desenvolvimento do País, e não de legendas de aluguel a serviço de projetos personalistas e destrutivos, quando não um valhacouto de delinquentes.

Resistir ao tarifaço e negociar, com soberania

Correio Braziliense

Resistir ao tarifaço e negociar com soberania não são caminhos excludentes. Pelo contrário, formam uma única estratégia: firme na defesa dos interesses nacionais, diplomática na forma, mas inegociável nos princípios

O governo brasileiro enfrenta uma das mais sérias crises diplomáticas e comerciais das últimas décadas, deflagrada pela decisão unilateral do presidente Donald Trump de impor um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros. Sob o pretexto de "ameaças à segurança nacional", a medida é, na verdade, um instrumento de coerção política, direcionado não contra o comércio, mas contra as instituições brasileiras — em particular, o Supremo Tribunal Federal (STF), acusado veladamente de perseguir Jair Bolsonaro, aliado pessoal do presidente norte-americano.

Diante dessa investida, o Brasil precisa responder com equilíbrio, firmeza e inteligência estratégica. O ministro Alexandre de Moraes sinalizou corretamente a posição do Judiciário ao afirmar que o STF "não se envergará a ameaças covardes e infrutíferas". A mensagem é clara: as decisões judiciais no país não serão moldadas por pressões externas, especialmente de governos que demonstram desprezo por normas internacionais e pelo princípio da separação entre os Poderes.

Ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adotou uma linha serena, anunciando medidas de proteção à indústria e ao agronegócio brasileiro sem falar em "retaliação". Longe de ser sinal de fraqueza, essa postura demonstra maturidade institucional e compromisso com uma saída racional, que evite a escalada do conflito. O Brasil não deve reagir com espelhamento, mas com soberania e responsabilidade.

Nesse cenário, ganha peso o papel do Itamaraty, que precisa mobilizar toda sua capacidade de articulação internacional. Há espaço para negociar setores específicos atingidos pelas tarifas, como café, aço e proteínas animais, ao mesmo tempo em que o Brasil deve buscar respaldo nos fóruns multilaterais — como a Organização Mundial do Comércio (OMC) — e fortalecer alianças com outros países prejudicados pela política tarifária agressiva de Trump.

O alerta mais contundente, no entanto, veio do economista e Nobel Paul Krugman. Em artigo publicado no The New York Times, Krugman classificou a medida como "ilegal e politicamente desastrosa". Segundo ele, o uso de tarifas como instrumento de pressão política fere as próprias leis americanas. "Nem o advogado mais ardiloso e sem escrúpulos conseguiria justificar uma sanção baseada em discordância com decisões judiciais de outro país", escreveu.

Krugman também sublinhou a ineficácia da tática: os Estados Unidos representam apenas 12% das exportações brasileiras. "Trump e seus assessores acham mesmo que podem intimidar um país com mais de 200 milhões de habitantes quando 88% de seu comércio exterior é com outras nações?", provocou. Para ele, a manobra tarifária é uma tentativa de chantagem política que revela um delírio de grandeza típico de líderes autoritários.

Diante desse quadro, a resposta brasileira deve ser clara: negociar, sim, mas com dignidade; e resistir sempre que os princípios da soberania e da democracia forem ameaçados. Resistir ao tarifaço e negociar com soberania não são caminhos excludentes. Pelo contrário, formam uma única estratégia: firme na defesa dos interesses nacionais, diplomática na forma, mas inegociável nos princípios. Essa é a resposta que uma democracia madura oferece diante de agressões disfarçadas de política comercial.

Supremo faz defesa firme da democracia brasileira

O Povo (CE)

O embate tornou-se assunto de Estado, que demanda uma resposta firme dos três poderes, e não pode haver hesitação nem tibieza em opor-se a um ataque de tamanha magnitude à soberania brasileira

O Supremo Tribunal Federal (STF) fez uma altiva defesa da instituição, da democracia e da soberania brasileiras, na reabertura de seus trabalhos, após o recesso de julho. Depois dos discursos do presidente do STF, Roberto Barroso; do decano da Corte, Gilmar Mendes; e do relator do processo, Alexandre de Moraes, que julga a tentativa de golpe de Estado, fica a certeza de que não haverá o recuo no andamento do processo que julga os participantes da tentativa de golpes de Estado, que visava impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Barroso lembrou do movimento golpista de 8 de janeiro de 2023, afirmando que o STF conseguiu evitar "uma grave erosão democrática" e que a tarefa da Suprema Corte é "impedir retrocessos e proteger a democracia". Mendes abordou o interesse das big techs como um dos motivos do ataque à Corte.

Coube a Alexandre de Moraes fazer o discurso mais veemente. Ele disse que foi usado o "modus operandi" golpista para sobretaxar o Brasil, em referência ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que trabalha nos Estados Unidos para que o Brasil sofra sanções.

Moraes chamou de "organização criminosa" e "pseudopatriotas" brasileiros que "se encontram foragidos e escondidos" no exterior. Ele também comparou as ameaças a parentes de ministros do STF a uma "atitude costumeiramente afeita a milicianos do submundo do crime".

Havia mesmo a necessidade de uma resposta que não deixasse nenhuma dúvida sobre a interpretação da mensagem que ela carrega. E a mensagem é: o Brasil é um país soberano, democrático, no qual as instituições funcionam de forma livre e independente.

Nesse aspecto, sente-se falta de uma atitude mais vigorosa do Congresso Nacional. Tanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), quanto o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), lançaram apenas notas burocráticas sobre as sanções que os Estados Unidos querem impor ao Brasil.

Alcolumbre escreve: "O Parlamento brasileiro permanece atento e unido na defesa dos interesses nacionais, sempre vigilante na proteção das nossas instituições e da soberania do país".

Hugo Motta fez uma postagem em rede social, cujo trecho principal é este: "Como país soberano não podemos apoiar nenhum tipo de sanção por parte de nações estrangeiras dirigida a membros de qualquer Poder constituído da República".

Mas, até agora, nenhuma iniciativa concreta. E isso depois de o deputado Eduardo Bolsonaro ter ameaçado a ambos com sanções, como as que atingiram o ministro Moraes.

O embate tornou-se assunto de Estado, que demanda resposta firme dos três poderes — e não pode haver hesitação nem tibieza em opor-se a um ataque de tamanha magnitude à soberania brasileira.

 

 

 

 

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