Correio Braziliense
A questão de agora é
administrar as perdas. É o momento de ligar todos os alarmes na defesa da
democracia brasileira, que está sob severo ataque
O dia seguinte foi adiado. O país ganhou mais uma semana para olhar para Washington e se perguntar porque o presidente Donald Trump resolveu jogar no lixo 201 anos de boas relações diplomáticas, comerciais e financeiras entre Brasil e Estados Unidos. Os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e agora especificamente contra o ministro Alexandre de Moraes vão além de qualquer medida imaginada ou concebida para atingir outro país em tempos de paz. É uma declaração de guerra. Uma invasão das atribuições constitucionais brasileiras por determinação de governo estrangeiro. Não há precedente para intromissão de tal magnitude na vida jurídica de um país organizado. É sempre bom lembrar Ulysses Guimarães, grande político e melhor frasista: "O Brasil não é uma Uganda qualquer".
O prejuízo está precificado.
O Brasil vai perder, o comércio entre os dois países deve se reduzir e as
relações diplomáticas ficarão seriamente estremecidas. Brasil e Estados Unidos
sempre se reconheceram como países independentes. Um respeitou o outro, mesmo
nos momentos mais difíceis. Jamais houve algo parecido com intromissão deste
quilate promovida por Trump. As consequências virão depois. Prejuízos
financeiros nos dois lados. Resultados políticos ainda não mensuráveis. Os
bolsonaros estão liquidados. Pediram ao governo norte-americano para adotar
medidas contra a economia brasileira na tentativa de paralisar processo
judicial movido contra o papai. Eles colocaram a política pessoal acima dos
interesses do país. Ninguém tolera traidores.
Houve concessões do
norte-americano. Ele olhou para o interesse do consumidor e para o das grandes
empresas norte-americanas. Liberou o suco de laranja, obrigatório no café da
manhã norte-americano, e também aliviou os aviões produzidos pela Embraer que fazem
sucesso no mercado interno daquele país. Recentemente, uma única empresa
encomendou 74 aviões da empresa paulista. Outros itens foram aliviados. Mas o
grosso das exportações brasileiras vai passar pelo funil das tarifas de 50%,
impostas sem qualquer critério. Acordou de mau humor e atacou com sua caneta de
tinta preta. Não satisfeito, mandou mais 25% contra a Índia e 35% contra o
Canadá. Ele é o imperador do mundo.
Os europeus estão em
polvorosa. A presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, assinou
acordo com Trump considerado lesivo aos interesses da comunidade. Os principais
líderes estão decepcionados, revoltados e indignados. A revolta não vai parar
por aí. Os Estados Unidos possuem a maior máquina de guerra do mundo. Mas,
neste caso, os tiros e as bombas não modificam o cenário. A negociação será
feita nos grandes salões por diplomatas espertos e inteligentes. A maneira
grosseira dos xerifes norte-americanos não vai prosperar por muito tempo. De
vez em quando, aquele país é assolado por uma onda de direitistas radicais. O
senador Joseph McCarthy agiu assim nos anos 40 e 50 do século passado. Procurou
comunistas até debaixo da mesa.
Trump é uma nova versão
dessa herança que o americano médio tem do caipira, dono de terras, que
conquistou o Oeste com a força de trabalho de brancos que tinham ideia de criar
um país para suas liberdades. Mas admitiam a escravidão de negros e a matança de
índios. O macarthismo causou muitos problemas, porém se afundou na história. O
namoro com o fascismo alemão também não foi longe. Mas os resíduos desse
radicalismo, misturados ao desemprego causado pela globalização, produziram
personagens estranhos. Um deles é Donald Trump, que não tem a menor vergonha de
misturar o público com o privado. Ele foi à Escócia, semana passada, inaugurar
mais um resort de sua propriedade.
O mal já está feito. Não há
espaço para recuos, nem pedidos de desculpas. A questão de agora é administrar
as perdas. A audácia do presidente Trump demonstrou que ele será capaz de
promover profunda intervenção na eleição de 2026 no Brasil, mesmo que os bolsonaros
estejam inelegíveis. Há, sempre, a possibilidade de golpe de Estado, ação que o
governo dos Estados Unidos recorre quando decide impor pela força seus
interesses. Não se esquecer que Trump tentou o golpe para não reconhecer sua
derrota para Joe Biden.
É o momento de ligar todos os alarmes na defesa da democracia brasileira, que está sob severo ataque. Acabaram as ilusões e as possibilidades de palavras bonitas para recolocar o bom senso no centro do debate. Não haverá paz na política brasileira nos próximos meses, até a realização das eleições de 2026, que ganharam um surpreendente contorno dramático. Os dois grupos da extrema-direita, no Brasil e nos Estados Unidos, são veteranos de golpes de Estado. Nada impede que tentem de novo. Eles não têm mais nada a perder. Já perderam tudo. Até a vergonha.
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