terça-feira, 30 de setembro de 2025

A linguagem do dinheiro. Por Merval Pereira

O Globo

As negociações entre Brasil e Estados Unidos têm de deixar a política de lado e focar nas trocas comerciais

Como a política brasileira é muito fluida, essa afirmação é arriscada, os tempos recentes estão aí a nos mandar não ter pressa para afirmações definitivas. Se Lula cometer erros grosseiros, ou se a saúde não permitir, ele voltará a pôr em risco sua provável vitória. A pouco mais de um ano das eleições, sua proverbial sorte lhe deu uma saída magnífica com a desastrada ação de agentes de Bolsonaro em solo americano, desvelados como agentes antinacionais a serviço de Trump.

Se a aparente vitória de Lula nessa disputa permitir que ele aja como estadista, e não como reles politiqueiro, terá um caminho aplainado pela frente, pois a direita submissa ao ex-presidente erra dia sim, outro também. Caso contrário, a hubris, palavra grega que significa confiança desmesurada que leva alguém a superestimar suas capacidades, fará com que perca essa oportunidade rara que ganhou. Brincar dizendo que levará a primeira-dama, Janja, ao encontro com Trump pode sugerir esse estágio de soberba.

Se Lula acreditar em sua retórica para convencer Trump de que Bolsonaro merece ser condenado, pois tentou um golpe de Estado, dará chance ao presidente americano de reafirmar sua ojeriza aos fundamentos da democracia e ver-se no espelho do ex-presidente brasileiro, que fez o mesmo que ele. Trump não está disposto a negociar politicamente com Lula. A única linguagem que ele entende é a do dinheiro.

As negociações têm de deixar a política de lado e focar nas trocas comerciais, aventando até formalizar a possibilidade de que as terras-raras, que o Brasil tem e de que os Estados Unidos necessitam, entrem no acordo. Digo “formalizar” porque o próprio Lula já disse que esses e outros temas estão na mesa de negociação. Ele não pode é acreditar em sua lábia de prestidigitador, porque Trump tem uma retórica de vendedor de ilusões, mente sem controle e quer tirar vantagem de tudo.

Os bolsonaristas já dão dicas a seus interlocutores americanos sobre como tratar a questão da inelegibilidade de Bolsonaro. Se o assunto passar por aí, sugerem que Trump desafie Lula a deixar Bolsonaro disputar em 2026 para provar que o Brasil é uma democracia. Na visão de Trump, e na de Bolsonaro, numa democracia o presidente pode interferir no Judiciário para que sua vontade seja realizada. Não passa na cabeça de autoritários como eles que, num país como o Brasil, as coisas não funcionem dessa maneira.

Até nos Estados Unidos, onde hoje acontecem coisas inimagináveis antes da era Trump, ele testa os limites de seu poder, assina decretos sem passar pelo Congresso —que, na teoria, domina com a maioria republicana —, dá ordens inconstitucionais que são discutidas na Justiça enquanto já estão em vigor. As eleições de meio de mandato podem dar um freio de arrumação no Congresso se os republicanos perderem a maioria em uma das Casas, mas até lá Trump vai imperando naquela que era uma democracia exemplar para o Ocidente.

Na parte comercial, embora seja mentira que o Brasil tenha superávit com os Estados Unidos, há muito espaço para negociação, e em certos setores da economia o interesse do mercado americano é grande, como na indústria aeronáutica e na agropecuária. Não vale a pena tentar convencer Trump de que a democracia brasileira é forte e saudável, basta continuarmos na mesma batida, julgando os organizadores, financiadores e mandantes do atentado de 2023 e negociando politicamente dentro do Congresso o que for possível.

Bolsonaro já disse ontem que não lhe interessa redução das penas, apenas a anistia ampla, geral e irrestrita. Essa não é uma opção disponível, e a força política que o bolsonarismo aparentava ter diluiu-se na manobra malsucedida nos bastidores da Casa Branca. Qualquer dos lados que esticar a corda para seu extremo perderá a capacidade de convencer o eleitor de centro.

 

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