O Globo
As negociações entre Brasil e Estados Unidos
têm de deixar a política de lado e focar nas trocas comerciais
Como a política brasileira é muito fluida,
essa afirmação é arriscada, os tempos recentes estão aí a nos mandar não ter
pressa para afirmações definitivas. Se Lula cometer erros grosseiros, ou se a
saúde não permitir, ele voltará a pôr em risco sua provável vitória. A pouco
mais de um ano das eleições, sua proverbial sorte lhe deu uma saída magnífica
com a desastrada ação de agentes de Bolsonaro em solo americano, desvelados
como agentes antinacionais a serviço de Trump.
Se a aparente vitória de Lula nessa disputa permitir que ele aja como estadista, e não como reles politiqueiro, terá um caminho aplainado pela frente, pois a direita submissa ao ex-presidente erra dia sim, outro também. Caso contrário, a hubris, palavra grega que significa confiança desmesurada que leva alguém a superestimar suas capacidades, fará com que perca essa oportunidade rara que ganhou. Brincar dizendo que levará a primeira-dama, Janja, ao encontro com Trump pode sugerir esse estágio de soberba.
Se Lula acreditar em sua retórica para
convencer Trump de que Bolsonaro merece ser condenado, pois tentou um golpe de
Estado, dará chance ao presidente americano de reafirmar sua ojeriza aos
fundamentos da democracia e ver-se no espelho do ex-presidente brasileiro, que
fez o mesmo que ele. Trump não está disposto a negociar politicamente com Lula.
A única linguagem que ele entende é a do dinheiro.
As negociações têm de deixar a política de
lado e focar nas trocas comerciais, aventando até formalizar a possibilidade de
que as terras-raras, que o Brasil tem e de que os Estados Unidos necessitam,
entrem no acordo. Digo “formalizar” porque o próprio Lula já disse que esses e
outros temas estão na mesa de negociação. Ele não pode é acreditar em sua lábia
de prestidigitador, porque Trump tem uma retórica de vendedor de ilusões, mente
sem controle e quer tirar vantagem de tudo.
Os bolsonaristas já dão dicas a seus
interlocutores americanos sobre como tratar a questão da inelegibilidade de
Bolsonaro. Se o assunto passar por aí, sugerem que Trump desafie Lula a deixar
Bolsonaro disputar em 2026 para provar que o Brasil é uma democracia. Na visão
de Trump, e na de Bolsonaro, numa democracia o presidente pode interferir no
Judiciário para que sua vontade seja realizada. Não passa na cabeça de
autoritários como eles que, num país como o Brasil, as coisas não funcionem
dessa maneira.
Até nos Estados Unidos, onde hoje acontecem
coisas inimagináveis antes da era Trump, ele testa os limites de seu poder,
assina decretos sem passar pelo Congresso —que, na teoria, domina com a maioria
republicana —, dá ordens inconstitucionais que são discutidas na Justiça
enquanto já estão em vigor. As eleições de meio de mandato podem dar um freio
de arrumação no Congresso se os republicanos perderem a maioria em uma das
Casas, mas até lá Trump vai imperando naquela que era uma democracia exemplar
para o Ocidente.
Na parte comercial, embora seja mentira que o
Brasil tenha superávit com os Estados Unidos, há muito espaço para negociação,
e em certos setores da economia o interesse do mercado americano é grande, como
na indústria aeronáutica e na agropecuária. Não vale a pena tentar convencer
Trump de que a democracia brasileira é forte e saudável, basta continuarmos na
mesma batida, julgando os organizadores, financiadores e mandantes do atentado
de 2023 e negociando politicamente dentro do Congresso o que for possível.
Bolsonaro já disse ontem que não lhe
interessa redução das penas, apenas a anistia ampla, geral e irrestrita. Essa
não é uma opção disponível, e a força política que o bolsonarismo aparentava
ter diluiu-se na manobra malsucedida nos bastidores da Casa Branca. Qualquer
dos lados que esticar a corda para seu extremo perderá a capacidade de
convencer o eleitor de centro.
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