Folha de S. Paulo
Na pandemia, ex-presidente não se
sensibilizava com agravos sanitários e óbitos
STF precisa estar atento à saúde de
custodiados, mas não pode violar igualdade republicana
A
anistia ampla aos golpistas parece ser carta fora do baralho na agenda política
nacional. Uma mudança legislativa que resulte em redução de pena ainda é
viável, mas não evitaria que o ex-presidente começasse a cumprir sua sentença
em regime fechado.
O caminho menos tortuoso para aliviar a situação do capitão reformado seria o benefício da prisão domiciliar, por causa dos problemas de saúde que ele desenvolveu após a facada que levou em 2018.
Devemos nos sensibilizar pelo argumento
sanitário? Peço licença para citar Jair Bolsonaro: "Todos
nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que
deixar de ser um país de maricas".
Essa é só uma das muitas declarações em que
ele menosprezou questões de saúde e óbitos ao longo da pandemia. Assim, em
respeito à "weltanschauung" (visão de mundo) do ex-presidente,
precisaríamos concluir que a possibilidade de morte no cárcere não é razão
suficiente para afastar o rigoroso cumprimento da lei.
Mas não sou tão cruel quanto Bolsonaro. Penso
que o Estado precisa zelar pelas condições de saúde de todos aqueles que se
encontram sob sua custódia, incluindo o ex-presidente. E o problema é que o
Estado brasileiro não faz isso.
Nossos
presídios não apenas estão cheios de reclusos suficientemente doentes
para fazer jus a uma domiciliar como ainda se tornaram polos de transmissão de
doenças infecciosas. Muita gente que entra saudável no sistema logo contrai
tuberculose, sífilis, HIV e hepatites, para citar apenas algumas das moléstias
mais prevalentes.
Isso coloca o STF num dilema. O tribunal não
poderia ignorar riscos à saúde de Bolsonaro, mas tampouco poderia passar a
mensagem de que a Justiça brasileira tem favoritos.
Conceder ao ex-presidente um benefício que
não estende a outros apenados em situação sanitária igual ou até pior seria um
golpe contra o ideal republicano pelo qual a corte precisa zelar. A solução
correta aqui seria universalizar os benefícios concedidos a presos que estão
doentes. Difícil que aconteça.
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