terça-feira, 30 de setembro de 2025

Novo presidente do Supremo enxerga "exaustão constitucional". Por Ayle quintão

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Édson Fachin, empossado nessa segunda-feira (29),  deve passar a  frequentar  cada vez mais as missas em Brasília.   Devedor dos conselhos da mãe; quando jovem,  vendedor de laranjas nas ruas de Curitiba com o avô , conseguiu cursar e exercer a advocacia e chegar a Presidência  das mais alta Corte de Justiça  do Brasil,   nomeado  pela então presidente Dilma Roussef,  após a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa,  relator do Mensalão. A relatoria do escândalo  o alcançou também, depois da  emblemática morte do então relator, Teori Zavaski.  Nessa mesma condição foi ainda protagonista  no   tal "Joesleygate" -  delitos do governo Michel Temer  - e, ombreando-se com o ministro, Dias Tófoli , ajudou a  enterrar a  corrupção ativa e passiva da Lava Jato..., de intrigante memória. 

Ambos teriam  contribuído para   fragilizar o processo  contra o ex-presidente  Lula, aprovando jurisprudencialmente a sua soltura - depois de o ex-presidente ser mantido um ano e meio preso  em Curitiba. Foram desqualificadas provas  e delações  dos  diretores da Oldebrecht  das construtoras, de Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro e outros políticos. Fachi enfrentou, por outro lado,  causas complicadas, como a   condenação  dos parlamentares Geddel Vieira, o todo poderoso secretário do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e de seu irmão Lúcio Vieira Lima , flagrados com R$ 51 milhões,   amarrados em maços de dinheiro, de origem desconhecida e destinações incertas, encontrados em varias  malas num apartamento em Salvador . A Procuradoria Geral da República pediu 80 anos de prisão  

Ocupando  a vaga do ministro Joaquim Barbosa, relator do "escândalo do Mensalão", enfrentou questões  muito menos cômodas do que as que caíram agora no colo de Luis Roberto Barroso , quem acaba de lhe  passar o cargo de Presidente do STF, depois confrontar-se, em plenário, desairosamente, com o ministro, Gilmar Mendes, decano da instituição,  e uma gestão  tumultuada, envolvendo a politização da Justiça, em que teria expressado  suas opções políticas e ideológicas.

A ascensão de Fachin  à Suprema Corte foi uma  das mais trabalhosas. Cogitado em diversas ocasiões teve seu nome  sobrepassado  oito vezes e, no Congresso, sua designação para o Supremo, após 11 horas  sabatinado, não alcançou unanimidade. Foi  acusado, pela direita, de esquerdista  e, pelos petistas, de negar  pedidos da defesa de Lula para reverter decisões do juiz Sérgio Moro, encaminhados  pelo então advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin,  hoje seu companheiro ministro, na Suprema Corte . Em  março de 2021, surpreendeu a todos, anulando as condenações de Lula, ao registrar  "vícios processuais", e de declarar a incompetência da Justiça de Curitiba para julgar o petista. O  companheiro Dias Tófoli, com habilidade de um meio de campo,  matou no peito e fez o gol , livrando os demais correligionários das acusações. 

Fachin tentou acabar com  a superlotação dos presídios, com as revistas e as visitas íntimas ( e até LGBTs) vexatórias em estabelecimentos prisionais, decisão ambígua já que  por esse caminho  chegava aos estabelecimentos prisionais, das maneiras mas estravagantes ,  telefones celulares,  armas, camisinhas, dinheiro e drogas . Além de religioso, Fachin é um especialista em direito civil e de família.

Embora  no cargo de Presidente não tenha a obrigação de relatorias, Fachin leva  consigo a decisão sobre o recurso especial da "uberização"- relação empregatícia entre motoristas de aplicativos;  o voto final  final sobre o "marco temporal" para as terras dos povos originários e a garantia dos direitos das comunidades  indígenas isoladas. Se não trouxer mais problemas,  terá, certamente, a ajuda do ministro Alexandre de Morais,  seu vice-Presidente no STF. Ex-ministro da Justiça , Morais é responsável pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e colegas oficiais das Forças Armadas (27 anos de cadeia)  acusados de tentativa de Golpe de Estado;  e a condenação de hackers e influenciers indiciados como  geradores de "fake news".. 

O novo Presidente do Supremo  escapa, contudo,  não apenas dos rescaldos da Lava Jato , ainda bastante complicados, apesar de  congelados na Suprema Corte,   mas também  da decisão sobre a atuação policial contra facções criminosas no Rio de Janeiro. Ficam para Barroso, que é carioca, e em cujo gabinete aguardam , sem decisão, milhares de processos e recursos  recorrentes. Ao deixar a Presidência do STF, Barroso lamentou apenas os "custos pessoais"  nesses  dois anos de gestão. 

Enfim,  desde criança Fachin  enfrentou dificuldades para alcançar o atual patamar social e jurídico.  No meio de um histórico cheio de ambiguidades, chegou lá , e  se instalou, tornando-se um  típico membro de uma aristocrata de Estado, com a família toda ocupando cargos importantes na Justiça e nas universidades. Não sem muito esforço e persistência. Ele chegou a desempenhar atividades públicas  e privadas ao mesmo tempo, mas  conseguiu o apoio do Senado para  quebrar uma cláusula quase pétrea da administração pública ,  em que se concluiá que não havia incompatibilidade no  exercício das responsabilidades públicas e privadas. Como Procurador do estado do Paraná,  do Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do  Paraná, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), mantinha, em seu escritório de advocacia,  casos de conflitos empresariais, sucessórios, ambientais, agrários e imobiliários.

Graduou-se e poós-graduou-se em Direito  pela Universidade Federal do Paraná, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e chegou ao doutorado no Canadá. Foi  professor visitante do Kings College,  no Reino Unido,  e pesquisador convidado do Instituto Max Planck (Alemanha). Faz parte do Corpo Docente de duas universidades brasileiras. Publicou dezenas de trabalhos na área do direito civil, da família  e da reforma agrária. Escreveu textos junto com o ex-presidente do Incra, o fazendeiro  paulista e ativista fundiário José Gomes da Silva.

Sua grande virtude é, entretanto, a poesia. Aos 67 anos, não perdeu a mania de poematizar.  Tem  três a quatros livros de poesias publicados. Foi promotor de concursos e festivais literários  em Curitiba . De tal forma que , quando está muito silencioso, em plenário,  ouvindo os votos dos ministros , não se sabe se está acompanhando a  fala dos companheiros ou  escrevendo um novo poema. Sua conclusões , ao tomar posse na Presidência da Côrte Suprema,  são intrigantes. Numa palestra no Conselho da Magistratura há meses atrás chamou a atenção para o fato de : " o País viver um contexto de exaustão institucional..." . Defendeu, entretanto,  o que chamou de “opção civilizatória”,  fundada nos princípios constitucionais. 

*Jornalista e professor

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