Folha de S. Paulo
O Supremo vem tomando um papel sempre maior
na sociedade e não é de hoje
A base de todo poder e também dos limites ao
poder vem do consentimento dos governados
O discurso de Fachin ao tomar posse como
presidente do Supremo trouxe uma profunda verdade da filosofia política:
"A fé antecede as instituições —e digo isso não necessariamente em sentido
religioso, e sim na perspectiva da ciência política. A mensagem é simples: só
há autoridade verdadeira quando há confiança coletiva no que é justo."
Com sua fala, o ministro se coloca na tradição filosófica de Etienne de la Boétie e David Hume, que colocou de forma sucinta: "É, portanto, apenas sobre a opinião que o governo se funda". Sejam reis e déspotas ou as modernas Constituições democráticas, cada um deles só tem o poder de moldar a sociedade e comandar obediência porque uma massa crítica da população aceita e acredita —ainda que passivamente— nesse poder.
A base de todo poder e também dos limites ao
poder vem do consentimento —da opinião— dos governados. Inclusive o poder do
Supremo. E é essa opinião dos governados que hoje encontra campo fértil para
ser influenciada, inflamada ou transformada pelo discurso nas redes sociais.
Neste momento, todo poder que não responda à
opinião pública está sob suspeita. Agências reguladoras, órgãos internacionais,
Banco Central, Supremo Tribunal Federal. Como se justifica que haja esferas do
poder intocáveis pelos cidadãos?
O Supremo é visto como herói por metade do
eleitorado e ditador pela outra metade. Tanto um quanto o outro são
problemáticos, pois impedem o senso crítico e a análise individual de cada
decisão. A Justiça, ademais, deve estar acima da política, só assim justifica
tanto poder colocado nas mãos de ministros não-eleitos.
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Ao insistir na colegialidade, na
previsibilidade e na autocontenção, Fachin aponta na direção que pode corrigir
essa politização excessiva. O fato de recusar uma festa de arromba para sua
inauguração importa. É a austeridade que se espera de quem dá lição de valores
e faz cobranças de ética aos demais Poderes.
O timing também é importante. Neste momento,
passada a ameaça à nossa democracia, é o momento da pacificação. O problema
dessa narrativa é que ela assume algo que a ciência política pode, mas a
Justiça jamais poderá, admitir: que o Supremo se moveu nos últimos anos por um
imperativo político.
O Supremo vem tomando um papel sempre maior
na sociedade e não é de hoje. Há quem veja aí um desenvolvimento quase
"natural" do que a Constituição desenhou; há quem veja uma usurpação.
Nessa e em tantas outras discussões, há argumentos jurídicos razoáveis para
ambos os lados. A decisão acaba sendo tomada segundo critérios políticos. E
toda vez que o lado político aflora —quando o Supremo rompe seu precedente,
quando contraria o sentido literal do texto da constituição, quando estica sua
interpretação até o limite do que a palavra aceita— ele cria amigos e inimigos,
comprometendo sua legitimidade no longo prazo.
Para metade do país, foi a reabilitação penal
e eleitoral de Lula —efetuada, lembremos, pelo próprio Fachin no voto sobre o
foro correto do julgamento do então ex-presidente— que violou a democracia
brasileira, bem como o comportamento supostamente parcial do TSE nas eleições
de 2022 e a perseguição a quem ousou criticar as urnas ou se colocar contra
Lula e o próprio Supremo. É hora de por fim a essa leitura e mostrar que o
Supremo está acima dessas disputas.
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