terça-feira, 30 de setembro de 2025

Fachin é esperança de autocontenção do Supremo. Por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

O Supremo vem tomando um papel sempre maior na sociedade e não é de hoje

A base de todo poder e também dos limites ao poder vem do consentimento dos governados

O discurso de Fachin ao tomar posse como presidente do Supremo trouxe uma profunda verdade da filosofia política: "A fé antecede as instituições —e digo isso não necessariamente em sentido religioso, e sim na perspectiva da ciência política. A mensagem é simples: só há autoridade verdadeira quando há confiança coletiva no que é justo."

Com sua fala, o ministro se coloca na tradição filosófica de Etienne de la Boétie e David Hume, que colocou de forma sucinta: "É, portanto, apenas sobre a opinião que o governo se funda". Sejam reis e déspotas ou as modernas Constituições democráticas, cada um deles só tem o poder de moldar a sociedade e comandar obediência porque uma massa crítica da população aceita e acredita —ainda que passivamente— nesse poder.

A base de todo poder e também dos limites ao poder vem do consentimento —da opinião— dos governados. Inclusive o poder do Supremo. E é essa opinião dos governados que hoje encontra campo fértil para ser influenciada, inflamada ou transformada pelo discurso nas redes sociais.

Neste momento, todo poder que não responda à opinião pública está sob suspeita. Agências reguladoras, órgãos internacionais, Banco Central, Supremo Tribunal Federal. Como se justifica que haja esferas do poder intocáveis pelos cidadãos?

O Supremo é visto como herói por metade do eleitorado e ditador pela outra metade. Tanto um quanto o outro são problemáticos, pois impedem o senso crítico e a análise individual de cada decisão. A Justiça, ademais, deve estar acima da política, só assim justifica tanto poder colocado nas mãos de ministros não-eleitos.

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Ao insistir na colegialidade, na previsibilidade e na autocontenção, Fachin aponta na direção que pode corrigir essa politização excessiva. O fato de recusar uma festa de arromba para sua inauguração importa. É a austeridade que se espera de quem dá lição de valores e faz cobranças de ética aos demais Poderes.

O timing também é importante. Neste momento, passada a ameaça à nossa democracia, é o momento da pacificação. O problema dessa narrativa é que ela assume algo que a ciência política pode, mas a Justiça jamais poderá, admitir: que o Supremo se moveu nos últimos anos por um imperativo político.

O Supremo vem tomando um papel sempre maior na sociedade e não é de hoje. Há quem veja aí um desenvolvimento quase "natural" do que a Constituição desenhou; há quem veja uma usurpação. Nessa e em tantas outras discussões, há argumentos jurídicos razoáveis para ambos os lados. A decisão acaba sendo tomada segundo critérios políticos. E toda vez que o lado político aflora —quando o Supremo rompe seu precedente, quando contraria o sentido literal do texto da constituição, quando estica sua interpretação até o limite do que a palavra aceita— ele cria amigos e inimigos, comprometendo sua legitimidade no longo prazo.

Para metade do país, foi a reabilitação penal e eleitoral de Lula —efetuada, lembremos, pelo próprio Fachin no voto sobre o foro correto do julgamento do então ex-presidente— que violou a democracia brasileira, bem como o comportamento supostamente parcial do TSE nas eleições de 2022 e a perseguição a quem ousou criticar as urnas ou se colocar contra Lula e o próprio Supremo. É hora de por fim a essa leitura e mostrar que o Supremo está acima dessas disputas.

 

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