O Globo
Em sua posse no STF, Fachin deixou claro que
defesa da democracia e dos direitos de grupos discriminados serão centrais em
seu mandato
A posse do ministro Edson
Fachin na presidência do Supremo Tribunal Federal foi um momento de
forte defesa da democracia, e de tudo o que compõe um regime constitucional, a
garantia dos direitos de populações discriminadas e vulneráveis. Não houve
meias palavras. Elas foram ditas inteiras, em todos os discursos,
principalmente no da ministra Cármen
Lúcia, e no do juiz que, nos próximos dois anos, será o chefe do poder
Judiciário brasileiro.
— Ao Direito o que é do Direito, à política o
que é da política — disse Edson Fachin, demarcando o terreno que tem estado
dominado pelo conflito e pela acusação recíproca de invasão de áreas de
competência.
— A espacialidade da política é delimitada pela Constituição. A separação dos poderes não autoriza nenhum deles a atuar segundo objetivos que se distanciem do bem comum. O genuíno estado de direito conduz à democracia — completou Fachin.
A ministra Cármen Lúcia abriu seu discurso
falando da importância de haver alternância de poder, em todos os poderes da
República. Para deixar claro que não era uma fala protocolar, Cármen lembrou
que essa poderia ser mais uma posse — houve outras 62 — mas “neste caso a posse
dos novos dirigentes do Supremo Tribunal Federal tem o tom mais forte da
gravidade especial do momento experimentado no mundo e no nosso país”.
Em outro trecho, ela disse que “a ditadura é
o pecado mortal da política”. Isso depois de lembrar que a democracia “duramente
conquistada no Brasil”, foi “recentemente agredida, desconsiderada, ultrajada
por antidemocratas, em vilipêndio antipatriótico e abusivo contra o Estado de
Direito vigente”.
Na plateia, muitos políticos, inclusive da
oposição, vários governadores. O governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas, que estava em Brasília ontem, não foi visto por lá. Seu
secretário de governo, Gilberto
Kassab, andou com a desenvoltura de sempre entre os políticos e ficou
disciplinadamente na fila de cumprimentos.
Em que contexto, a posse de um presidente
do STF,
que deveria ser apenas um ato burocrático vira uma sucessão de recados? Em um
cenário no qual o país ainda tenta superar o trauma de um ataque físico às
sedes dos poderes da República, uma tentativa de golpe de Estado e em que
condenou o ex-presidente e generais quatro estrelas a altas penas na prisão.
O momento, portanto, ainda é de reafirmação
dos valores democráticos. “O ambiente democrático é o único que permite
florescerem liberdades e frutificarem igualdades”, disse Cármen Lúcia. O
ministro Fachin apontou que igualdades são necessárias no país, ao tocar em
várias feridas sociais. Defendeu mulheres, negros, indígenas, crianças, idosos.
Lembrou Dalmo Dallari no discurso e descreveu
um episódio da vida dele. “Dalmo Dallari que foi sequestrado e espancado às
vésperas da visita de João Paulo II, e ainda se fez presente, para falar ao
Papa, chegando de ambulância numa cadeira de rodas”. Isso aconteceu em 1980, na
ditadura.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet,
lembrou palavras anteriores de Edson Fachin de que “há
racismo no Brasil”. O presidente do STF defendeu o combate ao
preconceito racial e ao falar da confiança no futuro disse que “para o enorme
número de pessoas negras neste país, essa é sequer uma possibilidade”. Disse
que o problema precisa ser enfrentado não com resignação, mas com resistência.
“Essa é uma herança viva que nos ensinou a sobreviver ao inominável e a
acreditar que a liberdade e a igualdade real ainda são possíveis”.
Prometeu também estar atento aos direitos das
comunidades indígenas e defendeu a proteção dos seus direitos constitucionais.
“No âmbito e no limite de nossas atribuições, estaremos atentos aos correlatos
deveres de um tribunal constitucional neste tema, a fim de que a Constituição
seja efetivada para assegurar esse direito que compreende respeito integral às
suas culturas, línguas, crenças e formas próprias de organização”.
O ministro Fachin é normalmente discreto e
contido, por isso se espera uma presidência com menos conflito. Contudo, o que
ficou claro ontem, é que não haverá transigência diante de ameaças à
democracia. Muitas questões ligadas a grupos discriminados, principalmente aos
indígenas, devem ser enfrentadas pelo STF nos próximos dois anos. O recado é de
que o Supremo não quer criar conflitos, mas não fugirá deles, quando for
preciso.
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