terça-feira, 30 de setembro de 2025

Recados da posse de Fachin. Por Míriam Leitão

O Globo

Em sua posse no STF, Fachin deixou claro que defesa da democracia e dos direitos de grupos discriminados serão centrais em seu mandato

A posse do ministro Edson Fachin na presidência do Supremo Tribunal Federal foi um momento de forte defesa da democracia, e de tudo o que compõe um regime constitucional, a garantia dos direitos de populações discriminadas e vulneráveis. Não houve meias palavras. Elas foram ditas inteiras, em todos os discursos, principalmente no da ministra Cármen Lúcia, e no do juiz que, nos próximos dois anos, será o chefe do poder Judiciário brasileiro.

— Ao Direito o que é do Direito, à política o que é da política — disse Edson Fachin, demarcando o terreno que tem estado dominado pelo conflito e pela acusação recíproca de invasão de áreas de competência.

— A espacialidade da política é delimitada pela Constituição. A separação dos poderes não autoriza nenhum deles a atuar segundo objetivos que se distanciem do bem comum. O genuíno estado de direito conduz à democracia — completou Fachin.

A ministra Cármen Lúcia abriu seu discurso falando da importância de haver alternância de poder, em todos os poderes da República. Para deixar claro que não era uma fala protocolar, Cármen lembrou que essa poderia ser mais uma posse — houve outras 62 — mas “neste caso a posse dos novos dirigentes do Supremo Tribunal Federal tem o tom mais forte da gravidade especial do momento experimentado no mundo e no nosso país”.

Em outro trecho, ela disse que “a ditadura é o pecado mortal da política”. Isso depois de lembrar que a democracia “duramente conquistada no Brasil”, foi “recentemente agredida, desconsiderada, ultrajada por antidemocratas, em vilipêndio antipatriótico e abusivo contra o Estado de Direito vigente”.

Na plateia, muitos políticos, inclusive da oposição, vários governadores. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que estava em Brasília ontem, não foi visto por lá. Seu secretário de governo, Gilberto Kassab, andou com a desenvoltura de sempre entre os políticos e ficou disciplinadamente na fila de cumprimentos.

Em que contexto, a posse de um presidente do STF, que deveria ser apenas um ato burocrático vira uma sucessão de recados? Em um cenário no qual o país ainda tenta superar o trauma de um ataque físico às sedes dos poderes da República, uma tentativa de golpe de Estado e em que condenou o ex-presidente e generais quatro estrelas a altas penas na prisão.

O momento, portanto, ainda é de reafirmação dos valores democráticos. “O ambiente democrático é o único que permite florescerem liberdades e frutificarem igualdades”, disse Cármen Lúcia. O ministro Fachin apontou que igualdades são necessárias no país, ao tocar em várias feridas sociais. Defendeu mulheres, negros, indígenas, crianças, idosos.

Lembrou Dalmo Dallari no discurso e descreveu um episódio da vida dele. “Dalmo Dallari que foi sequestrado e espancado às vésperas da visita de João Paulo II, e ainda se fez presente, para falar ao Papa, chegando de ambulância numa cadeira de rodas”. Isso aconteceu em 1980, na ditadura.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, lembrou palavras anteriores de Edson Fachin de que “há racismo no Brasil”. O presidente do STF defendeu o combate ao preconceito racial e ao falar da confiança no futuro disse que “para o enorme número de pessoas negras neste país, essa é sequer uma possibilidade”. Disse que o problema precisa ser enfrentado não com resignação, mas com resistência. “Essa é uma herança viva que nos ensinou a sobreviver ao inominável e a acreditar que a liberdade e a igualdade real ainda são possíveis”.

Prometeu também estar atento aos direitos das comunidades indígenas e defendeu a proteção dos seus direitos constitucionais. “No âmbito e no limite de nossas atribuições, estaremos atentos aos correlatos deveres de um tribunal constitucional neste tema, a fim de que a Constituição seja efetivada para assegurar esse direito que compreende respeito integral às suas culturas, línguas, crenças e formas próprias de organização”.

O ministro Fachin é normalmente discreto e contido, por isso se espera uma presidência com menos conflito. Contudo, o que ficou claro ontem, é que não haverá transigência diante de ameaças à democracia. Muitas questões ligadas a grupos discriminados, principalmente aos indígenas, devem ser enfrentadas pelo STF nos próximos dois anos. O recado é de que o Supremo não quer criar conflitos, mas não fugirá deles, quando for preciso.

 

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