Correio Braziliense
Discreto, firme e avesso a
encontros sociais, muito frequentes em Brasília, o paraíso dos advogados, nem
sempre o novo presidente do Supremo votou com a maioria dos colegas
A posse do ministro Edson Fachin na Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira, representa uma mudança de estilo no comando da Corte, pois deve adotar uma postura mais discreta do que Luís Roberto Barroso, que enfrentou um dos momentos mais difíceis da história da instituição: o inédito julgamento de um ex-presidente de República e seus generais por tentativa de golpe de Estado. Fachin, porém, deve promover uma contenção da atuação do STF, que se aproxima da conclusão dos julgamentos dos acusados de tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro.
Com a presença do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e dos presidentes da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), além de
outras autoridades, a solenidade de posse indicou o tom institucional que ele
pretende dar à sua presidência, sem extravagância. Entidades ligadas à
magistratura tentaram promover uma recepção em homenagem ao novo chefe do
Judiciário, como ocorre tradicionalmente, mas ele declinou.
Assume o cargo num momento de alta tensão
entre o Supremo e o Congresso, cujo epicentro é o debate sobre a anistia ou
mudança de dosimetria das penas aplicadas aos envolvidos na tentativa de golpe
de 8 de janeiro, episódio pelo qual o ex-presidente Jair Bolsonaro foi
condenado a 27 anos e três meses de prisão.
Para Fachin, o Supremo não deve invadir a “seara” dos legisladores. “Cabe ao Poder Judiciário, e em especial a este tribunal, proteger os direitos fundamentais, preservar a democracia constitucional e buscar a eficiência da Justiça brasileira.” Discreto, firme e avesso a encontros sociais do mundo jurídico, muito frequentes em Brasília, o paraíso dos advogados, nem sempre o novo presidente do Supremo votou com a maioria dos colegas em temas sensíveis.
Indicado pela então presidente Dilma
Rousseff, Fachin está na Corte há 10 anos, após enfrentar resistência no
Senado: seu nome foi aprovado com o placar mais apertado até então (52 a 27),
marca superada depois por André Mendonça. A resistência ocorreu devido à sua
ligação com movimentos sociais e grupos de esquerda. Relator da ADPF das
Favelas, Fachin impôs regras para operações policiais em favelas do Rio de
Janeiro. Nesse julgamento, recuou em parte do seu voto para alcançar um
consenso entre os ministros.
Fachin ganhou destaque ao herdar a relatoria
dos processos da Operação Lava-Jato, em 2017. Seus votos favoráveis à operação
e a negativa à candidatura do hoje presidente Lula, em 2018, contudo,
tornaram-no alvo de críticas também da esquerda. Nos últimos anos, o ministro
passou a ser vencido nos seguidos julgamentos em que o STF tem anulado
condenações da Lava-Jato.
Ao assumir o comando da Corte, Fachin deixará
de ser o relator de processos oriundos da operação, função que será herdada por
Barroso. Ainda restam alguns casos envolvendo a Lava-Jato na Segunda Turma. Um
deles diz respeito a delações de executivos da Odebrecht e da J&F, um dos
processos impactados por decisões que anularam atos do Ministério Público. Em
2024, o ministro Dias Toffoli anulou todos os atos da Lava-Jato contra o
empresário Marcelo Odebrecht, o que levou a pedidos de extensão da decisão.
Fake news e IA
A expectativa no STF é de que Fachin mantenha
uma atuação firme na defesa da Corte diante de possíveis ataques. Ele assumirá
em um momento de imposição de sanções pelo governo dos Estados Unidos, como
resposta à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de
golpe de Estado. O vice-presidente do STF será o ministro Alexandre de Moraes,
principal alvo até agora das sanções americanas. A dobradinha reedita a
parceria formada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022, quando ambos
enfrentaram pressões pela adoção do voto impresso e lideraram ações contra a
desinformação.
Fachin inaugurou a frente institucional de
combate às fake news no processo eleitoral. O pleito de 2026, potencialmente
polarizado, deve colocar o STF novamente no centro do debate político. Desta
vez, porém, a questão mais complexa é o uso de inteligência artificial (IA) na
campanha eleitoral, que precisa de regras para evitar a manipulação do pleito
via redes sociais sem ferir a liberdade de expressão e o direito de opinião. O
uso intensivo da inteligência artificial já é um dos problemas do Judiciário,
que atinge em cheio os tribunais.
A inteligência artificial opera no nível
lógico-formal e de dados, enquanto a interpretação jurídica exige consciência,
sensibilidade, normatividade e valores. Máquinas não são aptas a captar
completamente o “conteúdo material” das decisões jurídicas. Essa é uma lacuna
irreparável entre algoritmos e a função humana. O grande desafio é delimitar o
uso da tecnologia, para que ela não substitua, mas complemente a decisão
judicial. Ganhos práticos de eficiência, celeridade, organização de dados não
podem vir acompanhados da renúncia aos controles jurídicos de legitimação e
justificativa. Hoje, as demandas judiciais podem ser transformadas numa
gigantesca “indústria de petições” pela inteligência artificial.
O desafio de Fachin no quesito modernização do Judiciário será equilibrar o indispensável uso de tecnologia com salvaguardas para os direitos fundamentais. O Judiciário não pode perder sua legitimidade democrática em virtude da tecnologia. A propósito, em sua primeira sessão como presidente, nesta quarta-feira, Fachin pretende pautar as ações que discutem a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as plataformas. Uma delas é relatada pelo próprio ministro, que optou por manter o caso sob sua responsabilidade mesmo na Presidência.
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