O Estado de S. Paulo
Imposto deveria ser tributação de renda, e não prescrição de comportamentos ‘bons’ e ‘saudáveis’
A reforma tributária, que deveria ser uma simplificação da arrecadação no Brasil, favorecendo a produção e o desenvolvimento nacional, desobrigando empresas a prestar obediência a um cipoal de leis, decretos e portarias dos mais diferentes tipos, ganhou uma dimensão fundamentalmente arrecadatória. Procura-se a aumentar a tributação mediante os mais diferentes tipos de subterfúgios, como é o caso do dito Imposto Seletivo. Pior ainda, esse último aparece revestido sob a ideia iluminada de que estaria fazendo o bem às pessoas, procurando impor-lhes um comportamento determinado e, mesmo, formas de pensar. Quem pensar ou se comportar diferentemente seria “desviante” ou “nocivo”, para si mesmo e os outros. Imposto deveria ser tributação de renda, e não prescrição de comportamentos “bons” e “saudáveis”.
Estados democráticos estão fundados na
liberdade de ação e de pensamento, baseados na concepção de que tudo que não
for prejudicial deve ser permitido, salvo, evidentemente, ataques à ordem
pública, à segurança pessoal e patrimonial das pessoas, seus bens e a proteção
da família e dos seus.
Não podem as pessoas ser tolhidas por um
emaranhado de regras que visam a coibir, favorecer ou desfavorecer certos
comportamentos arbitrariamente tidos por “nocivos” ou “maléficos”. A liberdade
tem sempre os seus inconvenientes que deveriam ser contidos por uma boa
regulamentação, que não afete o exercício da liberdade de escolha.
Em todo caso, considerações de ordem moral e
inclusive sanitária são particularmente prejudiciais à sociedade quando
procuram impor, via regulamentação estatal, leis proibitivas derivadas de uma
concepção do bem, conduzida por um grupo de pessoas. Tudo o que não ponha o Estado
em perigo, atentando à segurança dos indivíduos, deveria ser permitido. A sua
determinação é negativa, por assim dizer, o da não proibição por princípio, e
não a da sua imposição graças a uma noção determinada e particular do bem.
Estaríamos aqui diante de uma concepção moral e religiosa, apesar de se
apresentar como laica. Tem todos os seus componentes, embora sob disfarces.
O Imposto Seletivo pretende impor uma
determinada noção do bem via tributação sobre bebidas alcoólicas, açucaradas,
cigarros e qualquer produto que venha a ser considerado como “nocivo” à saúde.
Isto apesar de tais atividades empresariais serem constitucionalmente
asseguradas, além de pagarem impostos “não seletivos”. Seria uma espécie de
bitributação moralmente e religiosamente justificada. Ora, o que é considerado
nocivo ou não deveria ser única e exclusivamente fruto da escolha individual,
de pessoas livres que sabem o que é melhor para si. No entanto, por intermédio
do Imposto “Seletivo”, procura-se obrigar determinados comportamentos, tidos,
então, por “virtuosos”. Seus defensores e ideólogos deveriam ser mais bem tidos
por “patrulheiros do bem”.
Spinoza, em seu Tratado Teológico-Político, é
bastante incisivo a esse respeito, ganhando particular atualidade. Chega ele a
escrever que “querer regulamentar tudo por leis é irritar os vícios, e não
corrigilos”. O efeito alcançado não é, então, o pretendido, suscitando vontade
de maiores transgressões e a não admissão de imposições estatais. Dentre suas
consequências, provocando comportamentos não virtuosos, destaquem-se os
decorrentes do contrabando, do mercado ilegal, a evasão de impostos, o
desemprego em empresas afetadas, e assim por diante. Ou ainda, “o que não se
pode proibir, deve-se necessariamente permitir, a despeito do dano que possa
resultar”. Pergunta-se ele: “Não há males que têm a sua origem no luxo, na
inveja, na bebedeira e coisas semelhantes?”.
Acontece que tais comportamentos são
inerentes à natureza humana. As pessoas procuram naturalmente o prazer, a
satisfação dos desejos, o atendimento de seus interesses particulares, a sua
liberdade de escolha ao atingir os seus objetivos, conforme o que cada um
considera como o seu bem. Cabe ao Estado assegurar que não tenham medo nessa
busca individual e não prescrever certos comportamentos. Em seus extremos, já
vimos como Estados totalitários, comunistas e nazistas, ao levarem a cabo tal
projeto, provocaram os maiores horrores, pervertendo a natureza humana.
Spinoza temia que a tentativa de corrigir os
vícios levaria o Estado a procurar o controle de pensamentos, coibindo, senão
proibindo, a liberdade de expressão, algo extremamente prejudicial às ciências
e às artes. Isso já está ocorrendo no Brasil mediante a imposição de
determinados pensamentos como corretos e outros não, sob o controle autoritário
do politicamente correto e do “despensamento” woke. Pessoas passam a ter medo
de expressar suas opiniões sob pena de incorrerem em ações judiciais e em
eventuais consequências em penas e punições, isto é, formas jurídicas e policiais
de “comportamentos morais”, tidos por “justos” e “saudáveis”. E hoje não faltam
patrulheiros politicamente motivados. É o retrocesso das liberdades.
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