O Globo
Autonomia do BC não deveria ser defendida
apenas quando convém politicamente, mas sim como pilar da estabilidade
monetária
O oportunismo político tem consequências
diretas e nefastas na estabilidade e no desenvolvimento do país. Um exemplo
notório é a oscilação de posições em relação às políticas comerciais. Quando a
taxação das blusinhas estava em pauta, foi defendida por muitos como medida
protecionista vital para a indústria nacional. O argumento era que a barreira
tarifária protegeria empresas brasileiras da concorrência desleal de produtos
asiáticos, gerando empregos e fortalecendo a economia interna.
No entanto essas mesmas vozes se levantaram em uníssono contra as taxas impostas pelo governo Trump a produtos brasileiros, classificando-as como ato de protecionismo injustificado e, ironicamente, passando a defender a abertura de mercado e o livre-comércio. A contradição é gritante: o protecionismo é bom quando defende a indústria nacional, mas ruim quando afeta as exportações do Brasil.
A mesma lógica se repete no debate sobre a
autonomia do Banco Central (BC). Por anos, ela foi alvo de críticas ferrenhas,
acusada de operar em benefício de interesses financeiros, em detrimento do
crescimento econômico e da criação de empregos. Defender a autonomia era visto
como agenda neoliberal, que servia apenas para manter juros altos e o poder
concentrado nas mãos de poucos. Houve até projetos de lei para flexibilizá-la,
como o PLP 19/2023, de autoria da bancada do PSOL, que
pretende definir os objetivos do BC e dispor sobre sua autonomia e a nomeação e
a exoneração de presidente e diretores. Outra proposta, o PLP 39/2021, foi mais
longe e estabelece ser possível exonerar o presidente e os diretores do BC “a
requerimento aprovado pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados, quando a
condução das atividades do Banco Central for incompatível com os interesses
nacionais”.
Na semana passada, acendeu o alerta, porque o
Centrão pediu prioridade de tramitação. Ocorre que o projeto tem origem na base
do governo, com deputados do PSB. Aí
vemos os mesmos que defendiam a intervenção reclamarem de “ataques à
instituição”, argumentando que ela é prejudicial à credibilidade e à
estabilidade da economia.
O que mudou? O governo e o comando. A
autonomia do BC não deveria ser defendida apenas quando convém politicamente,
mas sim como pilar fundamental para a estabilidade monetária, a credibilidade
do país e a previsibilidade para investidores.
A contradição sugere que o problema não é a
intervenção ou a falta de autonomia em si, mas sim quem a exerce. Se a
intervenção for exercida por um grupo político com que se concorda, é vista
como virtuosa e necessária; se por um grupo de que se discorda, é considerada ataque
à democracia e às instituições.
Enquanto não olharmos para as instituições de
modo que elas funcionem independentemente de quem esteja no poder, o Brasil
sempre patinará com a mudança na direção do vento de quem comanda, indo de um
lado para o outro, em vez de ir para a frente.
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