segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Falta de verbas leva BC a limitar as fintechs. Por Alex Ribeiro

Valor Econômico

No caso do Banco Master, BC foi pressionado em duas frentes para aprovar uma operação que, na essência, deveria observar apenas parâmetros técnicos

O Banco Central está sem dinheiro e funcionários para fiscalizar um sistema financeiro que, nos últimos anos, ficou muito maior e mais complexo - e virou presa fácil do crime organizado. Para evitar um colapso, baixou na sexta-feira uma série de restrições nas operações das fintechs.

Foi uma solução emergencial para uma situação de guerra, como colocar grades em torno do sistema financeiro. Todos ficam mais protegidos, mas a atuação de parte das fintechs, que injetaram competição e inovação no mercado, ficou limitada. Clientes enfrentarão transtornos para movimentar o seu próprio dinheiro.

Alguns colocam a culpa na agenda liberal do ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, que em 2020 relaxou os requisitos para os participantes do Pix. Mas essa não é uma discussão ideológica. O atual presidente do BC, Gabriel Galípolo, indicado para o cargo pelo presidente Lula, tem reconhecido publicamente que, sem essas facilidades, o sistema financeiro não teria tido todo esse progresso.

A aposta de ambos era que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da autonomia administrativa e financeira do Banco Central fosse aprovada, garantindo recursos e quadro de funcionários adequado para fazer o trabalho de supervisão.

Isso não ocorreu. Em agosto, a PEC estava prestes a ser pautada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, mas o assunto foi bloqueado pelos setores mais ideológicos do governo. O argumento é que o PT sempre teve uma bandeira histórica contra a autonomia do Banco Central e, portanto, deveria se manter coerente.

Ironicamente, com essa posição, o governo brasileiro se alinha à visão de mundo do presidente americano Donald Trump, que vem fazendo ataques ao Fed. Fica claro que não se trata de posições de direita ou de esquerda, mas sim de populismo econômico.

O que os acontecimentos dos últimos dias mostraram é que, além dos populistas, um Banco Central independente - o que a literatura econômica mostra que não ocorre sem autonomia orçamentária e financeira - é essencial para defender o dinheiro de todos nós contra ataques de criminosos e de grupos de interesse.

No caso do Banco Master, o Banco Central foi pressionado em duas frentes para aprovar uma operação que, na essência, deveria observar apenas parâmetros técnicos. Uma delas foi o pedido de urgência num projeto patrocinado pelo Centrão, que visava conferir poderes ao Congresso para remover membros da diretoria colegiada sem que existisse uma justificativa sólida.

Outra frente foram os ataques pessoais ao diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, Renato Gomes, que foi o responsável por apresentar o parecer que, ao final, rejeitou a operação de compra de uma parcela do Banco Master pelo estatal Banco de Brasília (BRB).

O fato de o Master ter chegado à situação em que chegou, segundo ex-diretores do BC ouvidos pelo Valor, já é um sinal da fragilidade do sistema de supervisão. Foram vários os alertas do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e de banqueiros sobre as posições arriscadas que o Master estava assumindo. No mundo atual, a fiscalização deve ser feita com uso intensivo de tecnologia e exige equipes maiores e bem treinadas.

A situação fica mais dramática quando o sistema financeiro está sendo atacado por integrantes do crime organizado, como o PCC. Além de verbas, o Banco Central precisa de poderes e garantias.

Após o primeiro ataque hacker, que transferiu mais de R$ 1 bilhão das contas mantidas por instituições financeiras junto ao BC, a autoridade monetária já suspendeu mais de uma dezena de participantes do sistema de pagamento. Há fortes indícios de que algumas eram controladas por laranjas do crime organizado. Pode-se esperar novas levas de empresas suspensas na esteira da megaoperação que expôs a lavagem de dinheiro do esquema criminoso dos combustíveis.

Mas há um detalhe importante: a proteção legal dos diretores e funcionários do BC para tomar as decisões necessárias é precária. Eles estão sujeitos a processos em seus CPFs, tanto quando fazem o trabalho de combate à lavagem de dinheiro quanto no saneamento do sistema financeiro.

Os poderes conferidos ao Banco Central estão obsoletos. A autoridade monetária supervisiona bancos e outras instituições financeiras, mas não os fundos de investimento, que estão na alçada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Sem vigiar os fundos, o BC não consegue supervisionar os bancos. Uma boa parte dos recursos do Master estava em fundos de investimento que, por sua vez, investiam em outros fundos, com mais de um cotista. Banqueiros centrais têm alertado sobre como os fundos absorveram uma parte relevante do dinheiro em circulação e estão sujeitos a crises que, sem a atuação dos BCs, podem levar ao colapso das economias.

Pela megaoperação policial no setor de combustíveis, tomou-se conhecimento de que alguns fundos de investimento estavam sendo usados para esconder o patrimônio do crime organizado.

Sem dinheiro e poder para exercer o seu papel, o Banco Central vê se diante da difícil escolha de abrir mão da competição e eficiência para preservar a segurança.

 

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